EQUIPA DA ADF | FOTOS DA AFP/GETTY IMAGES
Aantiga colónia portuguesa de Guiné-Bissau foi perseguida por agitação e instabilidade desde a sua independência, em 1974. O governo foi derrubado cerca de seis meses depois e a sua história tem sido manchada por golpes, tentativas de golpes e caos governamental desde essa altura.
Acrescente a essa infâmia o epíteto “narco-Estado”, concebido para resumir uma instituição criminal que durante anos permitiu — na verdade, possibilitou — um livre fluxo de narcóticos para os portos nacionais, numa jornada transaccional acompanhada de uma cumplicidade dos funcionários governamentais. O Fundo Monetário Internacional define narco-Estado como um país onde “todas as instituições legítimas ficaram penetradas pelo poder e pela riqueza dos traficantes.”
Um funcionário das Nações Unidas na capital, Bissau, estimou, em 2018, que pelo menos 30 toneladas métricas de cocaína da América Latina entram no país anualmente, maior parte da qual com destino a Europa. Os fornecimentos em maiores quantidades entram por via aérea e uma outra parte entra através de embarcações legais e ilegais da pesca internacional. Por vezes, os pescadores locais trazem as drogas para a costa. Outras vezes, é o exército que as transporta, atravessando fronteiras.
O exército do país, muitas vezes, desempenhou um papel importante na política, incluindo nos golpes, tendo o mais recente dos quais ocorrido em 2012. O exército também participou no tráfico de drogas. Num dos casos de maior destaque, em 2013, um grande júri de Nova Iorque indiciou o General António Indjai, na altura Chefe do Estado-Maior do Exército do país, sob acusações de tráfico de cocaína colombiana e fornecimento de armamento a insurgentes antigovernamentais daquele país. Ele tinha assumido o poder durante o golpe de 2012. Foi exonerado em 2014.
Antigo Contra-Almirante, José Américo Bubo Na Tchuto, apreendido no mar numa operação de combate às drogas dos EUA, sob acusações de tráfico de cocaína para os EUA, declarou-se culpado em 2014 e foi condenado a quatro anos de prisão.
As peculiaridades geográficas da Guiné-Bissau fazem com que este país seja atractivo para os traficantes de drogas. A linha da costa do país é predominantemente compreendida pelas Ilhas Bijagós, 88 áreas terrestres maioritariamente desabitadas. Algumas foram utilizadas pelos traficantes para depositar e armazenar drogas ilícitas.
Apesar da história e da culpabilidade do país com o tráfico de drogas, houve algumas apreensões de drogas de grande importância na Guiné-Bissau, nestes últimos anos. Em Setembro de 2019, a polícia de Guiné-Bissau apreendeu mais de 1,8 toneladas métricas de cocaína escondidas em sacos de cereais que chegaram por via marítima na região noroeste do país, noticiou a Reuters. A investigação da Operação Navara, que durou duas semanas, resultou na apreensão de seis guineenses, três colombianos e um maliano. Foi a maior operação de combate às drogas da história do país e resultou em julgamentos bem-sucedidos e penas de prisão.
Cerca de seis meses antes, as autoridades tinham apreendido cerca de 800 quilogramas de drogas na Operação Carapau. A polícia apreendeu um guineense, dois nigerianos e um senegalês, depois de descobrirem cocaína num camião frigorifico registado no Senegal, noticiou a Agence France-Presse.
As condenações daí resultantes e os termos de prisão da operação Carapau marcaram a primeira vez, nestes últimos anos, que o sistema de justiça do país foi bem-sucedido em julgar um caso de tráfico de drogas de grandes dimensões, de acordo com o Escritório das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC).
Ambas as apreensões de drogas são positivas num país assolado por muitos casos negativos. Mas quando contrastado com a pobreza contínua, a agitação e o caos político que persiste mesmo agora, é difícil demonstrar que Guiné-Bissau fez uma transição bem-sucedida, saindo da sua reputação como um narco-Estado, de acordo com vários estudos e relatórios. O país de aproximadamente 2 milhões de habitantes tem um longo percurso e está claro que não será capaz de percorrê-lo sozinho.
NAÇÕES UNIDAS APONTAM PARA O PROGRESSO
Anos de instabilidade atraíram a presença das Nações Unidas depois de uma guerra civil, em 1998-1999. A ONU abriu o seu Gabinete de Apoio à Paz em Guiné-Bissau. Dez anos depois, deu lugar ao Gabinete Integrado das ONU para a Consolidação da Paz (UNIOGBIS), que continuou até ao fim de 2020.
Uma Equipa Nacional da ONU, desde então, tem trabalhado com outros parceiros regionais e internacionais da ONU para a consolidação da paz e da estabilidade no país. “A Guiné-Bissau alcançou um progresso notável na reforma, no fortalecimento das suas instituições estatais e na manutenção da estabilidade relativa,” Bintou Keita, então secretária-geral para África, disse numa cerimónia havida no dia 11 de Dezembro de 2020, que marcou o fim da missão da UNIOGBIS. “O reposicionamento de uma equipa de missão das Nações Unidas no país é prova deste progresso.”
Keita e a Representante Especial do Secretário-Geral, Rosine Sori-Coulibaly, disseram que a missão política ajudou a possibilitar eleições livres, resolver disputas políticas, lutar contra o tráfico de droga e promover os direitos humanos, incluindo a participação das mulheres e dos jovens na política, de acordo com o DPPA Politically Speaking, uma revista online do Departamento de Assuntos Políticos e Consolidação da Paz, da ONU.
A ONU continuará a trabalhar para ajudar a Guiné-Bissau a alcançar os objectivos do desenvolvimento, combater a pobreza, a injustiça, as desigualdades do género; melhorar a protecção da criança e outras questões, de acordo com a revista.
Mesmo assim, ainda persistem muitos desafios. As grandes apreensões de drogas de 2019 podiam parecer estar a indicar que os traficantes ainda têm uma rede de compatriotas dispostos no terreno, dentro e fora de Guiné-Bissau, e que as capacidades de estrangular os circuitos de drogas ainda não foram alcançadas. Ademais, alguns dizem que a instabilidade política associada às eleições presidenciais de 2019 podia deixar o país vulnerável ao tráfico de drogas.
“Quanto ao tráfico de cocaína — assim como de todas as outras drogas — existem traficantes que queiram maximizar os lucros enquanto evitam os riscos,” Dra. Angela Me, chefe da Divisão de Pesquisa e Análise de Tendências do UNODC, disse num vídeo. “A dinâmica das organizações de tráfico é de sempre encontrar o ponto de menor resistência.”
Por essa razão, qualquer país com uma grande variedade de instituições governamentais, jurídicas e de cumprimento da lei fracas será mais vulnerável a ser cooptada pelas organizações criminosas, tais como os cartéis de droga e os traficantes. A Guiné-Bissau foi e continua a ser esse tipo de país. Mas o UNODC trabalhou juntamente com as autoridades governamentais para lutar contra o comércio de drogas.
OS GRANDES DESAFIOS PERSISTEM
Apesar de uma persistente instabilidade governamental, o UNODC afirma que foram alcançadas as “condições políticas mínimas” para, mais uma vez, ajudar o governo a lutar contra o tráfico de drogas e contra o crime organizado.
Em Junho de 2018, o então presidente, José Mário Vaz, pediu que o UNODC ajudasse a fortalecer todos os aspectos do sistema de justiça criminal com vista a combater o tráfico de drogas, o crime organizado, o branqueamento de capitais e a corrupção. De facto, o UNODC comunicou que a Guiné-Bissau tinha “demonstrado um compromisso renovado de engajar-se na luta contra o tráfico de drogas e contra o crime organizado,” através do lançamento da Força-Tarefa de Interdição Conjunta de Aeroportos (JAITF) do AIRCOP, em Abril de 2018.
O Programa de Comunicações Aeroportuárias (AIRCOP), que envolve várias agências, procura desfazer as redes criminosas, ajudando os aeroportos participantes a detectar e interceptar drogas, materiais ilícitos e passageiros de alto risco nos países de origem, de trânsito e de destino. Desde que a iniciativa do UNODC, da Interpol e da Organização Mundial das Alfandegas estabeleceu o JAITF, no Aeroporto Internacional Osvaldo Vieira, em Bissau, houve um número recorde de apreensões de drogas naquele ponto, comunicou o UNODC.
Estes desenvolvimentos são ofuscados pelo contínuo caos político. As eleições nacionais de 2019 resultaram em tudo menos transferência harmoniosa do poder político. O presidente em exercício, Vaz, não foi para além da primeira volta das eleições, em Novembro de 2019. O antigo Primeiro-Ministro, Umaro Sissoco Embaló, venceu a segunda volta, em Dezembro de 2019. A investidura de Embaló decorreu em Fevereiro de 2020, mas o partido maioritário do seu rival nas eleições, Domingos Simões Pereira, afirmou que as eleições tinham sido fraudulentas e investiu o seu próprio presidente — Cipriano Cassamá, o presidente do parlamento — que renunciou depois de apenas um dia em exercício, citando ameaças de morte, de acordo com uma reportagem da BBC.
“Eu não tenho segurança,” disse Cassamá à comunicação social. “A minha vida está em perigo, a vida da minha família está em perigo, a vida deste povo [país] está em perigo. Eu não posso aceitar isso, é por isso que tomei esta decisão.”
Vaz foi o primeiro presidente a servir um mandato completo no poder desde que o país ganhou a sua independência. O seu mandato único de cinco anos teve nove primeiros-ministros, um deles chegou a durar apenas 10 dias. As eleições que se seguiram levantaram tensões políticas e, em certo momento, resultaram em dois homens a servirem como presidentes em simultâneo, mesmo que por um único dia.
Em meio a este caos encontra-se a prova de que os oficiais militares continuam estreitamente ligados aos actores políticos, uma condição semelhante a de 2012, quando os oficiais de alta patente do exército, como Indjai, participaram no comércio de drogas, de acordo com um artigo de Maio de 2020 para a Iniciativa Global Contra o Crime Organizado Transnacional, escrito por Mark Shaw e A. Gomes. O artigo também observa que a pandemia global da COVID-19 pode dar aos observadores regionais e internacionais motivos para desviarem a sua atenção, deixando o país livre para continuar com os negócios, como acontece normalmente.
Algumas das recomendações dadas por Shaw e Gomes para lidar com a instabilidade na Guiné-Bissau incluem estabelecer um diálogo nacional entre representantes do governo, do exército e da sociedade civil. Uma outra opção podia incluir uma “comissão da verdade,” que poderia garantir amnistia aos actores culpáveis que falassem abertamente sobre o seu envolvimento no tráfico de drogas e de outros delitos.
“Aqueles que não o fizessem, estariam sujeitos a julgamento, sublinhando que, no fim de tudo, não haveria impunidade para queles que estiveram envolvidos no tráfico de drogas e puseram em risco as perspectivas políticas, sociais e de desenvolvimento a longo prazo para a Guiné-Bissau,” escreveram os autores.