EQUIPA DA ADF
O Burquina Faso tem lutado contra a violência extremista proveniente do vizinho Mali, desde 2015. Mas o dia 14 de Novembro de 2021 foi o ponto de viragem daquele país saheliano.
Naquela manhã, homens armados extremistas invadiram um posto avançado da polícia militar, próximo de uma mina de ouro, na cidade nortenha de Inata, na província de Soum, no Burquina Faso. Os resultados foram repentinos, trágicos e transformadores.
“Esta manhã, um destacamento da gendarmaria sofreu um ataque cobarde e bárbaro,” o Ministro da Segurança, Maxime Kone, disse à imprensa estatal enquanto os corpos ainda estavam a ser contados. “Eles defenderam a sua posição.”
Conforme se pode ver, 49 homens da gendarmaria foram mortos, juntamente com quatro civis. O ataque veio apenas dois dias depois de um outro assalto ter deixado sete oficiais da polícia mortos, próximo da fronteira com o Mali e o Níger, comunicou a Al-Jazeera.
No dia 22 de Janeiro de 2022, protestos violentos agitaram a capital Ouagadougou e a cidade de Bobo Dioulasso quando cidadãos protestavam furiosamente contra um ambiente de segurança decadente, de acordo com um relatório do Grupo Internacional da Crise. Um dia depois, houve tiroteios em vários quartéis e os soldados estacionados no acampamento de Sangoulé Lamizana, divulgaram uma lista de exigências, solicitando mais tropas e equipamento para a luta contra o grupo extremista, melhores cuidados para os feridos e apoio às famílias de militares mortos em combate, entre outras coisas.
Mais tarde naquele mesmo dia, quando já parecia que a calmaria tinha sido restaurada, manifestantes inundaram as ruas da capital para apoiar os soldados. Alguns gendarmes e outros que anteriormente eram leais ao presidente Roch Marc Kaboré juntaram-se aos rebeldes. As forças atacaram a residência de Kaboré e, até à noite seguinte, o presidente tinha sido obrigado a renunciar. O Tenente -Coronel Paul-Henry Sandaogo Damiba assumiu controlo como presidente do Movimento Patriótico para Salvaguarda e Restauração, o órgão executivo da junta militar.
Contudo, o governo de Damiba foi interrompido quando, no dia 30 de Setembro de 2022, o capitão Ibrahim Traoré o depôs, em mais um golpe de Estado. Como seria de esperar, o golpe de Estado veio depois que as forças de segurança acusaram Damiba de não conseguir conter a violência extremista contínua.
As condições no Burquina Faso são emblemáticas dos problemas que também assolam o Mali, levando a dois recentes golpes de Estado naquele ponto e a uma tentativa de golpe de Estado no Níger, a leste. Na verdade, o Sahel tem sido um foco da violência extremista há vários anos.
“Quase o dobro da violência ligada a grupos militantes islamitas, no Sahel, em 2021 (de 1.180 a 2.005 eventos) destaca o rápido aumento das ameaças à segurança nesta região,” comunicou o Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), em Janeiro de 2022. “Este aumento foi a mudança mais significativa em qualquer dos teatros de violência de grupos militantes islamitas em África e ofusca a média de 30% de declínio da actividade violenta na Bacia do Lago Chade, no norte de Moçambique e nas regiões da África do Norte.”
A insegurança, de forma inevitável, leva à instabilidade, e o Sahel é o exemplo mais claro deste axioma. Para além disso, em alguns países, a instabilidade e os golpes de Estado resultam de líderes que não estão dispostos a respeitar as regras da Constituição Nacional e da lei. Tal como foi o caso da Guiné, em 2021, quando o Presidente Alpha Condé alterou a Constituição do seu país para garantir, de forma não legítima, um terceiro mandato no exercício das suas funções.
“Embora ele inicialmente tenha vencido uma eleição democrática, em 2010 — o primeiro líder da Guiné a fazê-lo — o seu assalto ao poder, em conjunto com a corrupção e desigualdades profundas, aparentemente forneceu o ímpeto que o exército precisava para assumir o poder, em Setembro último,” noticiou a Vox, em Fevereiro de 2022.
Um exame do aumento de golpes de Estado na África Ocidental e no Sahel revela factores comuns: falta de governos eficazes ou legítimos, interferência de actores externos, como a Rússia e a sua organização de mercenários do Grupo Wagner, e violência extremista.
Os golpes de Estado podem ser atribuídos a factores “internos” e “externos,” de acordo com Muhammad Dan Suleiman, pesquisador sénior da University of Western Australia e Hakeem Onapajo, professor sénior da Universidade do Nilo, da Nigéria.
“Os défices na governação, o não cumprimento de direitos do cidadão, as massas frustradas (muitos dos quais são os jovens) e a crescente insegurança são as principais razões entre as causas internas,” escreveram.
Embora a democracia tenha aumentado na África Ocidental, ela continuou sendo “superficial”, marcada por eleições periódicas que não têm os “ingredientes cruciais da democracia como a participação informada e activa, respeito pelo Estado de direito, independência do judiciário e liberdades civis,” escreveram Suleiman e Onapajo. Às vezes, os cidadãos favorecem certos partidos no poder por motivos de medo, e os presidentes em todo o continente, muitas vezes, alteram as suas Constituições para prorrogar os seus mandatos, escreveram eles num artigo publicado pelo The Conversation.
Os factores externos que levam a golpes de Estado frequentemente têm uma “mão estrangeira,” escreveram Suleiman e Onapajo.
Um relatório de Setembro de 2020, do investigador Samuel Ramani, para o Foreign Policy Research Institute, indica que houve uma ligação entre a Rússia e aqueles que estiveram por detrás do primeiro golpe de Estado do Mali. Ramani escreveu que, antes do golpe de Estado de 2020, dois dos conspiradores, Malick Diaw e Sadio Camara, tinham regressado de uma formação no Colégio Militar Superior de Moscovo.
Apesar de recusar a culpa no golpe de Estado inicial, a Rússia saía a ganhar e possivelmente já esteja. O Kremlin assinou um acordo de cooperação militar com o Mali, em 2019. Este, escreveu Ramani, fortaleceu as ligações com o pessoal militar do Mali que apoiou a deposição. Também veio numa altura em que os cidadãos do Mali estavam a ficar cansados das operações de combate ao terrorismo francesas e estavam dispostos a experimentar a sua sorte com os russos.
“Nas manifestações da Praça da Independência, em Bamaco, que se seguiram ao golpe de Estado, protestantes foram vistos empunhando bandeiras russas e segurando cartazes que elogiavam a Rússia pela sua solidariedade com o Mali,” escreveu Ramani.
A Rússia também estava a plantar sementes de dúvida no vizinho Burquina Faso quando o exército assumiu o controlo naquele ponto. No ano que se seguiu ao golpe de Estado de 2020, no Mali, a Rússia apoiou os esforços de desinformação que prejudicaram a autoridade do Presidente Ibrahim Boubacar Keïta, escreveu Joseph Siegle, director de pesquisa do ACSS, para o Instituto Italiano de Estudos de Política Internacional, em Dezembro de 2021.
“Esta mensagem contribuiu para os protestos da oposição contra Keïta, que foram utilizadas como justificativa para o golpe de Estado,” escreveu Siegle.
Os líderes golpistas procuravam validação externa para compensar a sua falta de legitimidade em casa, escreveu Siegle. Pouco depois de assumir o poder, a junta militar do Mali permitiu que os mercenários do Grupo Wagner da Rússia operassem naquele país, supostamente para ajudar a conter a onda de violência extremista. A acção foi um fracasso táctico e estratégico e serviu para aterrorizar ainda mais o povo do Mali, confirmam vários relatos.
A VIOLÊNCIA CONTINUA
De acordo com um relatório do ACSS, de Julho de 2022, escrito por Michael Shurkin, director de programas globais, na 14 North Strategies, o número de mortes ligadas à violência islamita combinada nos países do Sahel, como Burquina Faso, Mali e Níger, foi projectado para aproximadamente o dobro, em 2022, em comparação com os totais de 2021.
As condições eram ainda mais graves somente no Mali. Um relatório do dia 29 de Agosto de 2022, do ACSS, demonstrou que a violência extremista chegou muito próximo da capital do Mali, Bamaco, desde que o exército assumiu o poder em 2020. Este avanço causou o aumento de mortes, especialmente entre civis. “Grupos de militantes islamitas mataram aproximadamente três vezes mais pessoas em violência contra civis, durante o ano de 2022 do que em 2021,” afirma o relatório. “Houve mais mortes de civis em cada um dos primeiros dois trimestres de 2022 do que em qualquer ano anterior.”
Qualquer justificativa pelos conspiradores do golpe de Estado de que os seus mandatos resultam de fornecimento de melhoria da segurança torna-se nulo, particularmente no Burquina Faso e no Mali. Os golpes de Estado não demonstraram quaisquer sinais de melhoria das condições de segurança. Na verdade, o oposto é que parece ser o caso.
“Os golpes de Estado militares no Mali e no Burquina Faso … desviaram a preciosa atenção e recursos da luta, permitindo que os militantes ganhassem ímpeto e expandissem,” escreveu Shurkin.
Desde os golpes de Estado e a chegada do Grupo Wagner, os extremistas do Mali tornaram-se mais corajosos. No seu avanço em direcção a Bamaco, os militantes da Frente de Libertação de Macina dispararam mísseis contra o aeroporto Mopti-Sévaré, um centro de transportes crucial para a operação da Missão de Manutenção da Paz das Nações Unidas, comunicou o ACSS, em Agosto de 2022.
“No que diz respeito ao tempo, a violência extremista tem sido pior a cada trimestre desde que o golpe de Estado militar do que em qualquer outro trimestre que antecedeu a altura em que a junta assumiu o controlo,” comunicou o ACSS.
Agora, as forças russas do Grupo Wagner encontram-se entre os ofensores. Os mercenários estão a oferecer apoio em troca de concessões mineiras. No caso do Mali, isso significa acesso ao ouro. Desde que entraram naquele país, em finais de 2021, os combatentes do Grupo Wagner foram acusados de pilhar aldeias e executar civis em centenas.
As próprias autoridades do exército do Mali estão a debater-se com a deterioração das condições daquele país. Em meados de Setembro de 2022, o general El Hadj Ag Gamou descreveu um quadro negativo para os civis que vivem na aldeia nortenha de Djebock, entre Gao e Talataye.
“Não existem forças armadas ou quaisquer entidades para garantir a segurança da população nestas áreas,” disse Gamou, numa mensagem em áudio, em língua Tamashek, de acordo com a Agence France-Presse. A mensagem circulou no WhatsApp.
Gamou apelou os civis daquelas áreas para fugirem e se estabelecerem “nas grandes cidades para a sua segurança.”
“O inimigo irá, de certeza, assumir o controlo destas áreas, porque não existe segurança para impedi-los.”