EQUIPA DA ADF
Acidade de Nouadhibou, Mauritânia, prende-se ao continente numa península pequenina. A cidade, a segunda maior do país, tem aproximadamente 120.000 residentes e é um centro comercial.
O seu porto é a terminal da linha férrea da Mauritânia Railway, que abraça a fronteira com o Sahara Ocidental por mais de metade da sua extensão transnacional. Mas a ferrovia não é a maior infra-estrutura de desenvolvimento na cidade. Agora, Nouadhibou acolhe um extenso porto, financiado e modernizado por uma empresa chinesa, apenas um de uma série de projectos da Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) a emergir em África e em outros pontos do mundo.
O projecto é um exemplo claro de uma ligação entre a ICR da China e a sua frota de pesca em águas longínquas (PAL) e como essa ligação incorpora a influência marítima chinesa muito longe de casa, de acordo com um vídeo do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS). O trabalho do porto, financiado pela empresa Poly Hong Dong Fishery Co., da China, em mais de 100 milhões de dólares em investimento, possui grandes embarcações industriais que podem recolher de forma significativa mais peixe do que as pequenas canoas de pesca artesanal daquela região.
Uma espécie de peixe, a sardinela, prevalece na região e é comum na dieta local. A grande capacidade das embarcações chinesas para capturar este peixe migrador da sua base na Mauritânia irá implicar em problemas para outros países africanos — Senegal, Gâmbia, Gana e Libéria — que também dependem dela para o emprego dos pescadores artesanais e para alimentar grandes estratos da sua população, comunicou o CSIS.
“Se não fizermos nada em relação a este problema, estamos realmente a lidar com um desafio a dois níveis,” Dr. Whitley Saumweber, director do Projecto Stephenson para a Segurança dos Oceanos, disse num vídeo. “Estamos a lidar com o desafio dos Estados costeiros em vias de desenvolvimento, um desafio que afecta a sua soberania, sustentabilidade e segurança. A soberania, porque eles estão a perder o acesso às suas próprias riquezas naturais e o controlo sobre as mesmas. A sustentabilidade, porque eles estão a perder a habilidade de gerir esses recursos de uma forma sustentável. E a segurança, por causa do potencial dano que essa falta de gestão irá causar para um recurso que é de extrema importância para as suas próprias necessidades de segurança alimentar e para potenciais oportunidades de desenvolvimento.”
O ALCANCE DA FROTA
As dimensões da PAL da China estão abertas ao debate, mas os mais conservadores estimam que tenha uma capacidade de aproximadamente 3.000 embarcações. De acordo com a China Dialogue Ocean, a frota, que beneficia de subsídios de combustíveis, estava a recolher até 2 milhões de toneladas métricas de peixe até finais de 2018. A enorme pesca garante comida para a população de 1,4 bilhões, da China, e a outra parte é moída e transformada em farinha de peixe para ser utilizada como ração para a aquacultura.
A PAL da China é uma ameaça particular para África, mas não se limita ao seu litoral. A frota já esgotou mares próximos da Coreia do Norte, em toda a Ásia e mesmo próximo da América do Sul. Ao longo de vários anos, percorreu as águas ao largo das 21 massas de terra vulcânicas que compreendem as ilhas Galápagos. O famoso arquipélago, localizado no Oceano Pacifico ao largo da costa do Equador, é o local de nascimento natural da evolução darwiniana.
Foi quando navegava no HMS Beagle que o jovem Charles Darwin preencheu os cadernos com as observações das numerosas tartarugas e fringilídeos que habitavam nas ilhas cristalinas.
Cerca de 185 anos mais tarde, as ilhas, mais uma vez, atraíram navios que transportam homens encantados pela vida selvagem. Mas estes não procuraram preencher os cadernos com apontamentos e observações. Em vez disso, encheram os porões de carga enferrujados e cheios de crostas de sal com quantidades de peixe e mariscos.
Em Julho de 2020, uma grande frota de embarcações chinesas — que num determinado momento chegava a alcançar um total de 350 — começou a saquear o mar numa zona que se encontra a apenas 200 milhas náuticas fora da zona económica exclusiva (ZEE) da cadeia de ilhas, antes de saírem em meados de Outubro. A presença não era nova nem surpreendente. Em Agosto de 2017, o navio frigorífico de bandeira chinesa, Fu Yuan Yu Leng 999, foi encontrado próximo das ilhas, com cerca de 300 toneladas de “espécies raras, quase extintas ou em vias de extinção, a bordo, incluindo 600 tubarões,” de acordo com um artigo dos especialistas em matérias marítimas, Dra. Tabitha Mallory e Dr. Ian Ralby, do Centro de Segurança Marítima Internacional.
Uma presença chinesa próximo das ilhas pode ser rastreada até 2016, quando 191 embarcações começaram a aparecer fora da ZEE de Galápagos — até àquela detectada um ano atrás, de acordo com Mallory e Ralby. Eles escreveram que a presença da pesca da China próximo das ilhas aumentou para 298 embarcações, em 2019.
A presença da China nas águas que se encontram a aproximadamente 15.000 quilómetros da sua costa do Pacífico ilustra o desejo daquele país de cobrir o planeta procurando por mariscos para alimentar a sua população. Tendo já há muito tempo esgotado as unidades populacionais próximas, a PAL daquele país não se limita apenas ao Pacífico. Apesar das estimativas de cerca de 3.000 embarcações chinesas que actuam nos oceanos desde a Ásia até à América do Sul e desde o Este ao Oeste de África, um estudo feito pelo Instituto de Desenvolvimento Ultramarino colocou o número da PAL em perto de 17.000 barcos. Mas Mallory escreveu que a frota global provavelmente seja superior a 4.000 embarcações, uma vez que a maioria dos navios contados no estudo do instituto continua nos mares que se encontram próximos, perto da China.
Com esta armada vasta e altamente subsidiada vem a rede de mecanismos de apoio e infra-estruturas que aumentam ainda mais as frotas de pesca em todas as regiões marítimas. O porto de Nouadhibou é apenas um exemplo em África. “É difícil sequer pensar numa cidade portuária do Golfo da Guiné e da costa ocidental de África em geral que não apresente algum tipo de impressão digital da China,” Ralby, PCA da I.R. Consilium, disse à ADF, num e-mail.
No sul da Mauritânia, no Golfo da Guiné, a China assinou, em 2018, um acordo de 50 milhões de dólares com o Gana para destruir e voltar a desenvolver a histórica aldeia de pesca de Jamestown, como um porto complexo moderno com ancoradouros, esporões e quebra-mares, obras de defesa do litoral, assim como instalações de produção, administração e apoio, de acordo com a Agência de Notícias do Gana.
O projecto exigiu a dragagem de 118.000 metros cúbicos do porto e dos canais de navegação. Onde antes apenas canoas artesanais actuavam nas águas com redes, as embarcações maiores em pouco tempo poderão atracar e descarregar as suas enormes quantidades de pescado.
O projecto prejudicou a cultura costeira do Gana. A vila de pesca de Jamestown, onde um antigo farol ainda existe, foi uma comunidade coesa onde as crianças passavam o tempo com brinquedos e bolas de futebol improvisados, enquanto os homens saíam em canoas antigas, feitas de madeira, para pescar. As mulheres defumavam e secavam o peixe sobre bases de concreto e pilavam o fufu — uma massa feita de mandioca — em almofarizes grandes com pilões.
A demolição começou em Maio de 2020, no enclave populacional mais denso e maioritariamente pobre, onde os trabalhadores locais construíram mais de 300 estruturas temporárias e permanentes, incluindo empresas, uma escola e igrejas, de acordo com a Voz da América. Espera-se que o projecto seja concluído no início de 2023.
As autoridades do Gana disseram à VOA que aqueles que perderam as suas propriedades seriam compensados e os que foram desalojados seriam realojados.
“Quando o porto de pescas for construído, irá melhorar a vida económica desta comunidade e isso é o que irá mudar as vidas de muitas pessoas na comunidade,” disse Seth Raymond Tetteh, presidente da Assembleia Metropolitana de Acra, do conselho distrital de Asheidu Keteke Sub Metro.
A ICR está estreitamente ligada à PAL da China e é apenas um dos canais do programa de infra-estruturas para transportar uma variedade de recursos — incluindo recursos pesqueiros — saindo das economias dos países para a economia chinesa. Resumindo, disse Ralby, o trabalho da China de construir portos faz parte da sua estratégia da ICR e da sua “estratégia geral de influência global.”
O investimento chinês, que, muitas vezes, deixa os países africanos mergulhados em dívidas, traz consigo um sentimento de direito e vantagem. “Penso que o plano da China de construir o porto essencialmente tem a ver com comprar uma base de apoio e comprar acesso através de uma presença marítima global,” disse Ralby.
SEGURANÇA E INTIMIDAÇÃO
Enquanto a tentativa da China de alcançar a hegemonia se expande além das suas fronteiras marítimas e da região marítima do Sul da China, observadores também notam o aumento de evidências de uma PAL militarizada, protegida e avançada pela presença da Milícia Marítima das Forças Armadas Populares. Por vezes, navega em barcos de pesca enferrujados e acrescenta uma nota de intimidação àqueles que ousam desafiar o novo alcance imperialista da China. Tais tácticas militares primariamente são vistas no Mar do Sul da China e próximo do Pacífico, disse Ralby, e ilustram o desejo da China de envolver todos os elementos da sociedade na sua estratégia global.
“Isso significa que quer seja militarizada, nacionalizada em alguns aspectos ou altamente financiada pelo governo através de subsídios, as frotas de pesca tendem a acabar por ser um braço do Estado chinês,” disse Ralby. “E, no que diz respeito à pesca ilegal, é cada vez mais difícil discernir onde o estatal termina e o criminal começa. Essa linha desfocada é um grande desafio. E sob o ponto de vista de segurança, também significa que, através das suas frotas de pesca, a China tem olhos e ouvidos nas águas cujos conhecimentos e presença podem ajudar a facilitar um amplo espectro de actividades.”
Este problema é ilustrado pelas incursões junto das Ilhas Natuna, da Indonésia, onde as embarcações da Guarda Costeira da China acompanharam os arrastões de pesca chineses para entrar na ZEE da Indonésia a fim de pescar. O governo chinês admitiu que os seus barcos tinham entrado na ZEE, em Dezembro de 2019, mas revindicou “direitos tradicionais de pesca” não especificados e “direitos marítimos” na região, de acordo com a The Diplomat, uma revista online.
“Esta pesca ilegal protegida pelo Estado significa que pelo menos uma parte da pesca ilegal está a ser feita com as cores da legitimidade chinesa e que os Estados onde ela ocorre estão a ser obrigados a confrontar não apenas os criminosos, mas também o governo chinês, de modo a impedi-la,” disse Ralby à ADF.
Embora tal mão forte ainda não esteja a acontecer na África Ocidental, a China utiliza pressão comercial e diplomática em apoio a certas práticas ilícitas e insustentáveis, disse Ralby. Exemplos recentes mostram que, se uma embarcação chinesa ficar envolvida em qualquer incidente — como ser apreendida por violações de pesca ou vitimizada por piratas —, o adido da defesa chinesa e o embaixador posicionado naquele país africano estarão no gabinete do ministro do governo relevante “em poucos minutos.”
“A velocidade com que o governo fica activamente envolvido é bastante surpreendente,” disse Ralby.