EQUIPA DA ADF
Mais de um ano depois de ter sido assinado um acordo de paz para pôr fim à guerra na região do Tigré, na Etiópia, a capital regional de Mekelle está de novo a fervilhar. As crianças em idade escolar correm pelas ruas, os táxis de três rodas disputam posição e Edaga–Seni, o mercado ao ar livre da cidade, está cheio de vendedores a venderem os seus produtos.
No entanto, os observadores dizem que a vida na região em geral está longe de ser normal.
“As armas foram amplamente silenciadas, vimos melhorias no acesso a serviços como bancos e electricidade, algumas escolas também reabriram, mas 90% do Tigré depende de ajuda,” Yared Berhe Gebrelibanos, que dirige a Aliança das Organizações da Sociedade Civil de Tigré, disse à Agence France-Presse (AFP). “E a situação humanitária está a piorar.”
Era suposto que o Acordo de Pretória marcasse o início da reconstrução desta região devastada. Mas, um ano depois, mais de um milhão de pessoas deslocadas continuam a viver em condições miseráveis, onde a cólera e a malária são crescentes. Um estudo realizado pelo Departamento de Saúde de Tigré concluiu que 68% das mortes de tigrenhos, nos primeiros nove meses após o acordo de paz, foram devidas à fome.
Mulu Tadesse perdeu o filho no conflito e vive actualmente num campo para pessoas deslocadas em Shire, no noroeste do Tigré.
“Se eles concordaram com a paz, as pessoas deslocadas deveriam ter regressado a casa,” disse à BBC. “Teríamos ido para casa e começado a reconstruir. Éramos auto-suficientes, mas agora estamos à procura de ajuda.”
A reconstrução também está atrasada. Mais de 80% dos edifícios de saúde, das infra-estruturas de água e das escolas da região foram danificados durante a guerra. Os ladrões saquearam lojas e despojaram as fábricas de máquinas e matérias-primas.
“A destruição em Tigré é tão grande que é mais fácil contar o que sobreviveu à guerra do que enumerar as secções destruídas da infra-estrutura social e económica,” o Dr. Mulugeta Gebrehiwot, antiga directora do Instituto de Estudos de Paz e Segurança da Universidade de Adis Abeba, escreveu num artigo para a World Peace Foundation da Universidade de Tufts.
Mas Mulugeta salientou que pouco dinheiro foi reservado para a reconstrução. Ele disse que o orçamento federal aprovado em 2023 atribui menos dinheiro a Tigré do que a região recebia antes da guerra e não inclui dinheiro especificamente para a reconstrução. “Parece que o Governo Federal vai passar a responsabilidade da reconstrução para a comunidade internacional,” escreveu.
A segurança também continua a ser um desafio. Em Outubro, o Conselheiro Especial das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio advertiu que os “crimes de atrocidade,” como os assassinatos étnicos e a violência sexual, continuam no Tigré. Apesar do acordo de paz que prevê a retirada das tropas estrangeiras, as forças eritreias continuam a ocupar zonas próximas da fronteira.
Uma mulher que vive perto da fronteira disse à AFP que as tropas da Eritreia continuam a controlar o comércio e, por vezes, bloqueiam estradas e cometem raptos. Um homem da zona fronteiriça de Erob disse que a presença da Eritreia impediu o regresso à normalidade.
“Desde a assinatura do acordo de paz, foram abertos serviços como bancos, telecomunicações e electricidade, que estavam encerrados na maior parte das zonas de Tigré. Mas no distrito de Erob, nada mudou. A maior parte do distrito de Erob ainda é controlada pelo exército da Eritreia,” Hagos Tesfay disse à DW.com.
Há alguns raios de esperança. Uma administração inclusiva e interina está a governar Tigré e o governo federal lançou uma iniciativa de justiça transitória, de acordo com um relatório do Instituto de Estudos de Segurança (ISS). A Comissão Nacional de Reabilitação iniciou o lento processo de desmobilização, desarmamento e reintegração de cerca de 400.000 combatentes. Prevê-se que o processo leve dois anos.
“A construção da paz é sempre um trabalho em curso. A obtenção de dividendos de paz tangíveis exigirá um apoio sustentado aos esforços em curso para instaurar a paz e reconstruir os laços sociais,” escreveu Fikir Mekonen para o ISS.
Mas para muitos dos que ainda estão deslocados e de luto, os progressos são demasiado lentos. “Os nossos filhos já faleceram e já passou mais de um ano desde o acordo de paz; sim, sentimo-nos tristes,” disse Mulu à BBC. “Se conseguirmos regressar a casa, sentiremos que os nossos filhos não morreram em vão.”