Sete soldados nigerinos morreram durante uma batalha no final de Setembro contra centenas de insurgentes em motociclos em Kandadji, uma cidade do sudoeste do país, perto da zona da tríplice fronteira com o Burqiina Faso e o Mali. Outros cinco soldados morreram num acidente de viação enquanto respondiam aos combates.
Embora não tenha ficado claro quem lançou o ataque, tanto o grupo extremista Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimin (JNIM) como o Estado Islâmico no Sahel (IS Sahel) operam na área, que emergiu como o epicentro das insurgências na região. Há anos que os grupos terroristas, em especial a JNIM, utilizam motocicletas em ataques em massa em toda a região.
Em 2020, uma mulher de 57 anos chamada Hawa estava em casa, na cidade de Boukouma, no norte do Buquina Faso, quando o sobrinho alertou a família para o facto de se aproximarem homens armados em motocicletas. Em segundos, duas dezenas de homens abriram fogo contra a cidade.
“Mataram o meu marido e o irmão dele quando tinham as mãos no ar,” disse Hawa à Agência das Nações Unidas para os Refugiados. “Estou tão traumatizada que nem me consigo lembrar do que aconteceu. Não sei o que estou a dizer.”
A velocidade, a eficiência do combustível, a durabilidade em estradas irregulares e a capacidade de atravessar áreas fora de estrada de uma motocicleta tornam-na uma opção atractiva para os terroristas, e a procura de motocicletas levou a um comércio de tráfico generalizado e lucrativo na região.
A JNIM compra centenas de motociclos por mês, segundo Eleanor Beevor, analista sénior do Observatório da África Ocidental, da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC).
A organização prefere comprar motas novas — frequentemente modelos das marcas Aloba, Boxer, Hajoue e Sanili — em vez de motas usadas provenientes do enorme stock de motas roubadas na região, escreveu Beevor num novo relatório da GI-TOC intitulado “Motorbikes and Armed Groups in the Sahel: Anatomy of a Regional Market (Motocicletas e Grupos Armados no Sahel: Anatomia de um mercado regional).”
As motocicletas traficadas são frequentemente desviadas da cadeia de abastecimento legal quando chegam aos principais portos marítimos do Benin, da Nigéria e do Togo.
Os comerciantes de motociclos e os funcionários responsáveis pela aplicação da lei entrevistados por Beevor estimaram que 40% a 50% dos motociclos que passam pelos principais portos não são declarados. Normalmente, vão parar ao Sahel em grandes camiões, onde são escondidos debaixo de outras mercadorias, ou atravessam as fronteiras.
As redes locais trabalham com importadores que são normalmente membros de um grupo da diáspora com ligações no seu país de origem. Um comerciante de motas em Cinkassé, no Togo, por exemplo, disse a Beevor que muitas motas vêm da Ásia para Lomé, no Togo, através de uma filial de cidadãos indianos na cidade portuária. O comerciante disse que as forças de segurança são frequentemente pagas para não revistarem a sua carga.
“Quanto à questão de saber se as motocicletas cumprem as normas aduaneiras e regulamentares para serem vendidas no território, não tentamos saber,” disse o comerciante a Beevor. “Pagamos o preço mais baixo e escolhemos o fornecedor com capacidade para nos vender uma grande quantidade, porque não queremos voltar sempre, pois seria demasiado visível. Vendemos motocicletas no Burquina Faso e no Níger.”
Os vendedores de várias zonas controladas por grupos extremistas dizem que as organizações pagam acima do valor de mercado pelas entregas mensais de mais de uma dezena de motocicletas de cada vez.
“Para mim, é mais lucrativo trabalhar com estes grupos armados porque eles não negoceiam o preço e pagam o dinheiro no local,” um comerciante da província de Est, no Burquina Faso, disse a Beevor. “Posso até pedir dinheiro emprestado para comprar mais motas. Nas suas zonas, não pago impostos e os meus bens estão seguros.”
Em resposta às ameaças decorrentes do tráfico de motocicletas, o Benin, o Burquina Faso, o Mali e o Níger proibiram a circulação de motocicletas em certas zonas, tendo o Burkina Faso imposto igualmente proibições de venda e de importação a algumas marcas. No entanto, há poucas provas de que as proibições sejam eficazes a longo prazo.
Em Junho de 2021, o Burquina Faso proibiu a circulação nocturna de motocicletas nas províncias de Est e Sahel. Nesse ano, a JNIM foi responsável por 372 incidentes violentos contra civis ou forças armadas nessas zonas. Embora a proibição estivesse em vigor até 2022, a JNIM foi responsável por 365 incidentes deste tipo nas mesmas províncias, de acordo com dados do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos.
As proibições também afectam os civis que dependem das motas para a sua subsistência legítima e prejudicam os comerciantes legais de motas, ao mesmo tempo que aumentam as vendas dos traficantes.