EQUIPA DA ADF
Frotas de pesca estrangeiras tiveram como alvo a costa do continente africano durante décadas, devastando as unidades populacionais de peixe, privando milhões de pessoas em rendimento e alimento e destruindo o ecossistema.
Mas os especialistas afirmam que existem várias formas através das quais os países podem contra-atacar.
Quando o Comité das Pescas do Centro-Oeste do Golfo da Guiné (FCWC) criou um Centro Regional de Monitoria, Controlo e Vigilância (RMCSC), em Maio de 2021, especialistas viram isso como uma forma de combater a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN).
Com sede em Tema, Gana, o centro ajuda países-membros do FCWC, nomeadamente Benin, Costa do Marfim, Gana, Libéria, Nigéria e Togo, a gerirem os seus sectores pesqueiros. O centro está equipado com sistemas de rastreamento de embarcações e pode recolher dados de embarcações de pesca autorizadas em toda a região.
“A criação do RMCSC traz-nos um passo mais próximo de ter abordagens coordenadas para medidas conjuntas, incluindo patrulhas para melhorar a segurança no domínio marítimo da nossa região,” Seraphin Dedi, secretário-geral do FCWC, disse ao GanaWeb.
Desenvolver bases de dados para rastrear o mundo sombrio de embarcações sinalizadas é uma forma de combater a pesca INN.
As embarcações chinesas são conhecidas por içarem “bandeiras de conveniência,” que é o uso de registos abertos africanos para pescarem em águas que estão além da jurisdição dos países africanos e o que se chama “flagging in,” que está ligado ao uso e abuso de regulamentos locais para atribuírem bandeira a uma embarcação de pesca operada por e pertencente a proprietários estrangeiros para que tenha um registo africano.
A China é o pior infractor de pesca INN do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN, e lidera a maior frota de pesca em águas longínquas do mundo.
As práticas comerciais marítimas ilegais custam aos países da África Ocidental aproximadamente 1,95 bilhões de dólares em toda a cadeia de valores pesqueiros e 593 milhões de dólares por ano em rendimento familiar. A pesca INN também tem sido ligada a actos de pirataria, raptos e tráfico de drogas, entre outros crimes.
Em 2021, a Fundação para a Justiça Ambiental e a empresa de análise de inteligência das pescas, Trygg Mat Tracking (TMT), uniram esforços com o Senegal num programa para promover a transparência entre os locais de pesca do país e livrar o país da pesca ilegal.
O projecto de três anos, avaliado em aproximadamente 1,2 milhões de dólares, publica listas de licenças de pesca actualizadas e registos de embarcações online. Também capacita pescadores artesanais para ajudar a fazer a monitoria do porto de Dakar assim como para participar nas decisões governamentais relacionadas com as pescas.
“Diferentemente de outros países costeiros da região, o Senegal possui experiência de vigilância participativa, e as suas autoridades reconhecem a sua importância,” Steve Trent, PCA e fundador da fundação, disse à ADF. “Os pescadores de pequena escala e as unidades locais de vigilância trabalham de mãos dadas para prevenir, deter e eliminar a pesca INN. Este trabalho enfrenta limitações operacionais, técnicas e de financiamento, que o projecto ajudará a vencer.”
Em Março de 2021, o Quénia ratificou o Acordo da Cidade do Cabo e a Convenção Internacional sobre os Padrões de Formação, Certificação e Vigia do Pessoal das Embarcações de Pesca.
Adoptado pela Organização Marítima Internacional, em 2012, o acordo descreve os padrões e regulamentos das embarcações de pesca para proteger as tripulações e os observadores dos locais de pesca, de acordo com Pew Charitable Trusts. As embarcações chinesas envolvidas na pesca INN têm a fama de não fornecer produtos alimentares, medicamentos e abrigo adequado para as tripulações, e os membros das tripulações, muitas vezes, são obrigados a trabalhar por longas horas em condições deploráveis.
Existem várias outras medidas que os países podem tomar para acabar com a pesca ilegal.
MELHORAR AS LEIS MARÍTIMAS LOCAIS
Pode parecer simples, mas é necessário que haja vontade política, conscientização do domínio marítimo e contribuições das comunidades de pescadores para aprovar leis que resolvam de forma eficaz o problema da pesca INN.
Aumentar as multas para os violadores de INN é um factor de dissuasão, Ian Ralby, especialista em segurança marítima que já escreveu muito sobre questões relacionadas com as pescas, disse à ADF.
“Penso que uma das coisas que deve ser feita é mudar a dinâmica de penalizações, porque é um cálculo de risco-recompensa,” disse Ralby, PCA da I.R. Consilium. “Suponhamos que um Estado tenha, na verdade, vontade política para prender e julgar infractores de INN. Caso o custo destas infracções seja tão baixo a ponto de ser apenas o custo de se fazer um negócio, então, não fará grande diferença para realmente deter a actividade. As leis devem ser ajustadas, dado o benefício económico imenso que vem com o envolvimento em pesca ilegal,”
Ralby citou Senegal como o exemplo de um país que aumentou drasticamente a sua multa por pesca ilegal para 1,8 milhões de dólares. Num dos casos, o país cobrou 5 milhões de dólares em multas, possibilitando que o país comprasse um novo barco de patrulha. A medida levou que menos arrastões estrangeiros pescassem ilegalmente nas suas águas.
Outros países da África Ocidental que foram bem-sucedidos nesta área incluem Camarões, Costa do Marfim, Gabão e Gana.
“A coisa mais importante na realidade é trabalhar em equipa de [esforços de fiscalização da lei] entre o sector das pescas e a Guarda Costeira e fazer mais patrulhas entre agências que irão reproduzir o sucesso semelhante ao que a Sea Shepherd teve,” disse Ralby, referindo-se à organização sem fins lucrativos que fez parcerias com vários países para combater a pesca ilegal. “A outra coisa é quando as apreensões dos locais de pesca ocorrem, como é que as multas que são cobradas são divididas entre as partes envolvidas?”
A distribuição equitativa de multas servirá de incentivo para que as marinhas trabalhem com as guardas costeiras e os sectores das pescas para apreender os operadores de pesca INN, acrescentou.
PROCESSAR OS OPERADORES DA PESCA INN NO TRIBUNAL INTERNACIONAL
Isso é mais difícil do que parece. Envolve um processo longo, complicado e dispendioso e vontade política.
Ralby, que é jurista, disse que apreender uma embarcação, abrir um processo, depois provar no tribunal internacional é um processo que deve ser coordenado por políticos, ministério público, marinhas e guarda costeira.
“É uma tarefa muito, muito difícil,” disse. “Pode ser feito até um certo ponto, mas definitivamente não é a forma mais eficiente ou provavelmente a forma mais eficaz de combater as reais questões operacionais relacionadas com INN nas águas.”
Ralby disse que acredita que uma forma mais eficiente para acabar com a pesca INN é oferecer incentivos a empresas que “cumprem as normas de forma escrupulosa,” talvez oferecendo um dia a mais de quota “por essencialmente denunciar pessoas que não cumpram as normas.”
Isso daria aos operadores legais um interesse declarado num sistema regulamentar com boa gestão e cria um verdadeiro braço da fiscalização da lei.
“Eles dizem, ‘Olha, ninguém irá prejudicar os benefícios que obtivemos legalmente por operarmos ilegalmente, então, iremos garantir que partilhamos informação que vem até nós sobre qualquer pessoa que esteja a prejudicar o Estado de Direito.’”
DENUNCIAR E ACUSAR
Denunciar publicamente as empresas acusadas de pesca ilegal é amplamente visto como uma forma eficaz de dissuasão. A TMT, por exemplo, possui uma lista de “embarcações mais procuradas.”
Com um programa informático avançado e a sua própria credibilidade, a empresa “traz à luz as actividades tanto das embarcações como das frotas e seus próprios operadores e, em alguns casos, países de bandeira,” disse Ralby. A empresa expõe entidades que “se envolvem directamente ou possibilitam a pesca INN no mundo,” acrescentou. “Isso está a ajudar. Está a mudar as coisas.”
A página da internet gratuita da TMT (www.tm-tracking.org/combined-iuu-vessel-list) dispõe das melhores informações actualizadas sobre listas de pesca INN publicadas pela Organização Regional de Gestão das Pescas (RFMO).
A página inclui informações sobre mudanças de identificação das embarcações, país de bandeira, posse e localização. As informações contidas na página provêm de diversas fontes, incluindo as listas INN originais da RFMO, base de dados de embarcações online, autoridades de pescas nacionais, investigações da TMT e inteligência recolhida junto dos seus parceiros e fontes de todo o mundo.
IMPLEMENTAR PERÍODO DE DEFESO DE PESCA
O Gana impõe um período de defeso de dois meses para os pescadores industriais e de um mês para os pescadores artesanais desde 2019.
Godfrey Baidoo-Tsibu, coordenador regional de monitoria, controlo e avaliação do FCWC, reconheceu que as unidades populacionais de peixe mais importantes da região “estão totalmente exploradas e sobreexploradas devido à capacidade acima da média, pesca excessiva e pesca INN,” de acordo com uma reportagem do jornal ganês, Daily Graphic.
As unidades populacionais de pequenos peixes pelágicos do Gana, como a sardinela, sofreram um decréscimo de 80% nas últimas duas décadas. Uma espécie, a sardinela aurita, já entrou em colapso total.
“A crise da pesca artesanal que se avizinha ameaça o crescimento económico do sector e apresenta um potencial problema de segurança interno que afecta directamente os meios de subsistência de 150.000 pessoas envolvidas no sector das pescas marinhas,” Nana Jojo Solomon, secretário do Conselho Nacional de Pescadores de Canoa do Gana, disse à Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional.
Em Dezembro de 2021, o Gana apelou o Benin, a Costa do Marfim, a Libéria, Nigéria e Togo para implementarem períodos coordenados de defeso da pesca de modo a ajudar a repor as unidades populacionais de peixe na região.
Paul Odartei Bannerman, director-executivo adjunto da Comissão das Pescas do Gana, disse que o impacto sobre as unidades populacionais de peixe da região seria insignificante se apenas o Gana observasse um período de defeso, de acordo com uma reportagem do jornal Daily Graphic. Bannerman acrescentou que os períodos de defeso das pescas de outras partes do mundo demonstraram ser eficazes na protecção das unidades populacionais de peixe.
Ralby concordou, mas disse que os períodos de defeso necessitam de conhecimento científico sobre que unidades populacionais de peixe precisam de ser protegidas e como fazê-lo da melhor maneira. Ele acrescentou que a segurança marítima deve permanecer vigilante durante os períodos de defeso, uma vez que as empresas de pesca INN ignoram de forma rotineira todos os regulamentos.
“Encerrar o período de pescas enquanto se permite que outros retirem o leite dos locais de pesca não é uma boa solução,” disse.
Tácticas Da Pesca Ilegal
As embarcações de pesca ilegal são conhecidas por aplicar um conjunto de tácticas. Eis algumas das mais comuns:
Içar uma “bandeira de conveniência,” que é quando uma empresa utiliza registos abertos para pescar em águas que estão para além da jurisdição dos países do litoral.
Usar equipamento ilegal, como redes com tamanho inapropriado da malha, o que permite que os pescadores capturem mais peixe do que o permitido.
Pescar em águas protegidas e subnotificar as suas capturas.
Passar por cima de barcos artesanais mais pequenos no mar e destruir o seu equipamento.
A “Saiko,” o transbordo de peixe no mar, que geralmente ocorre quando o peixe é transferido de um arrastão para uma canoa grande para esconder a origem da captura. Aquelas canoas podem transportar cerca de 450 vezes mais peixe do que as canoas de pesca artesanal.
O arrasto de fundo envolve arrastar uma rede pelo fundo do oceano e recolher todo o tipo de vida marinha, o que destrói os ecossistemas.
Pescar com cianeto, que deixa o peixe entorpecido e faz com que seja fácil de capturá-lo.
Utilizar explosivos, como dinamite, que matam o peixe que posteriormente flutua para a superfície, onde é facilmente recolhido usando redes.
RESPEITAR O ESTADO DE DIREITO
Existem várias medidas que os países podem tomar para acabar com a pesca ilegal:
- Desenvolver bases de dados para rastrear o sombrio mundo de embarcações assinaladas.
- Fortalecer as leis marítimas locais.
- Julgar os operadores da pesca ilegal no tribunal internacional.
- Publicar os nomes de empresas apreendidas sob acusação de pesca ilegal.
- Implementar períodos de defeso de pesca.