EQUIPA DA ADF
Acima das ruas agitadas de Kampala, Nairobi e de outras cidades, câmaras de circuito fechado mantêm uma vigilância constante sobre as pessoas que se movem abaixo delas.
As câmaras fazem parte da iniciativa Cidade Segura, da gigante chinesa de telecomunicações, Huawei, que encontrou compradores em todo o continente, desde o Marrocos à África do Sul. A Huawei fez o lançamento do primeiro projecto Cidade Segura em Nairobi, Quénia, instalando 1.800 câmaras de alta definição em toda a cidade.
Os países africanos estão cada vez mais a abraçar ofertas de tecnologia chinesa para fornecer internet de alta velocidade, serviços móveis de 4G e 5G, e redes de câmaras de segurança de circuito fechado. Tais redes agora encontram-se operacionais em mais de uma dezena de países, com a maioria destes a adoptar o pacote Cidade Segura.
À medida que os governos, preocupados com a segurança, adoptam tecnologias de vigilância, os defensores dos direitos cívicos afirmam que esta aumenta o risco de esses mesmos governos seguirem o exemplo da China, de utilizar a tecnologia para perseguir os cidadãos e invadir a sua privacidade.
“A China alberga nove das 10 cidades com maior videovigilância do mundo, que representam mais de metade de câmaras em uso no mundo inteiro hoje,” Carine Kaneza Nantulya, directora de advocacia africana na Human Rights Watch, disse à ADF. “Ao adquirir estes sistemas, os governos locais podem precisamente visar alcançar esse objectivo, uma vez que estão preocupados, antes de mais nada, com a ‘sobrevivência dos regimes.’”
Em Uganda, o Presidente Yoweri Museveni escreveu no Twitter, no ano passado, que o sistema de 126 milhões de dólares tinha 83 centros de operações, 522 operadores e 50 comandantes, somente em Kampala. No início deste ano, o governo começou a expandir os sistemas para mais de 2.300 comunidades em todo o país.
“Eu testei o sistema com uma demanda improvisada em que me mostraram um fluxo de vigilância para Gobero e Namayum, a cerca de 50 quilómetros de Kampala, na Rua Hoima, que fizeram com sucesso,” comunicou Museveni na sua conta do Twitter.
Quando houve protestos em Uganda, em Novembro, a polícia confirmou publicamente que utilizou a tecnologia Huawei para localizar alguns dos 830 protestantes apreendidos.
Os defensores da Cidade Segura, em Uganda, dizem que ela serve como reforço para a força policial que tem falta de pessoal e que depende muito de testemunhas e é lenta na instauração de processos. Charles Twine, porta-voz do Departamento de Inteligência e Investigação Criminal da polícia, disse à Reuters que o pessoal da polícia está “seriamente em falta.”
Para além disso, a pandemia da COVID-19 obrigou as agências da polícia a utilizarem mais tecnologia dos “olhos no céu” para fazer a monitoria do comportamento público enquanto protegem os seus próprios oficiais de um possível contágio.
O grupo de advocacia de direitos cívicos do Uganda, Unwanted Witness, apelou ao governo que seguisse as leis e salvaguardas internacionais de direitos humanos implementados para controlar o uso de tecnologias intrusivas como o programa Cidade Segura.
Uganda não é o único país africano a utilizar tecnologia de vigilância chinesa de forma que pode invadir a privacidade ou sufocar a oposição. Activistas em Quénia e Zâmbia demonstraram estar preocupados com comportamentos semelhantes, uma vez que os seus governos assinaram acordos com a Huawei.
Câmaras de videovigilância de uma outra empresa chinesa, Hikvision, que também utiliza o reconhecimento facial, são famosas na África do Sul, Senegal e Quénia. No Sudão do Sul, existem alegações crescentes de que o Serviço Nacional de Segurança (NSS) está a utilizar tecnologia chinesa para perseguir oponentes do regime e recolher inteligência contra os cidadãos e entidades consideradas como sendo uma ameaça aos partidos no poder, disse Kaneza.
“O NSS obrigou as empresas de telecomunicação a entregarem dados dos clientes, incluindo números de telefone, e a utilizarem essa informação para grampear telefones de alvos suspeitos e outros com vista a efectuar prisões e instaurar processos,” disse ela.
O Sudão do Sul e outros 52 países africanos são signatários da Comissão Africana para a Protecção dos Direitos Humanos e dos Povos do continente. Em Abril, a comissão publicou a “Declaração de Princípios de Liberdade de Expressão e Acesso à Informação em África,” que apela aos Estados-membros a seguirem padrões internacionais de direitos humanos e protegerem os seus cidadãos de tecnologia intrusiva que pode invadir a sua privacidade pessoal e a privacidade dos seus dados.
Enquanto a Huawei e outras empresas chinesas aumentam a sua presença em África, grupos de cidadãos e de direitos cívicos pressionam para que os seus governos sigam os padrões internacionais e exigem garantias jurídicas, tais como pedidos de mandados judiciais para realizar vigilância, disse Kaneza.
“O alastramento de plataformas de segurança e de videovigilância chinesas, que também incluem o reconhecimento facial e a recolha de inteligência técnica, apenas pode colocar a privacidade e os direitos cívicos dos africanos em risco — e pode também potencialmente colocar as suas vidas em risco,” disse Kaneza.