EQUIPA DA ADF
Um computador tablet, na língua russa, descoberto numa zona a sul de Tripoli traz ideias sobre a dimensão e o âmbito da operação do Grupo Wagner na Líbia.
O tablet foi descoberto depois de tropas leais a Marechal Khalifa Haftar terem sido expulsas na sua tentativa de capturar a capital nacional. Foi apenas uma parte da prova que incluía minas terrestres de fabrico russo e material escrito em russo que revelava o envolvimento de mercenários russos naquela luta.
Uma investigação feita pela BBC, no tablet e no seu conteúdo, descobriu dados que mostravam as localizações de forças em ambos os lados da linha da frente entre os combatentes de Haftar e as tropas que apoiam o Governo do Acordo Nacional, que na altura era reconhecido internamente. O tablet também continha nomes codificados dos combatentes do Grupo Wagner.
Os dois lados da guerra civil da Líbia, que já dura há anos, alcançaram o cessar-fogo em Outubro de 2020. Eles formaram um governo de unidade e apelaram que todos os combatentes estrangeiros saíssem do país — um apelo que o Grupo Wagner não conseguiu honrar.
Os combatentes do Grupo Wagner continuam a operar no país numa base aérea, em Al-Jufra. No início deste ano, utilizando maquinaria pesada, equipas do Grupo Wagner abriram uma trincheira de 70 quilómetros entre Al-Jufra e a cidade costeira de Sirte, uma parte fundamental da infra-estrutura de petróleo da Líbia.
Ainda no passado mês de Julho, a Fundação para a Democracia e Direitos Humanos informou ao governo da Líbia que tinha provas da existência de tropas russas normais no terreno, próximo de Al-Jufra, de acordo com o jornal The Libya Observer.
“A presença destas tropas deixa bem claro que a Rússia não tem nenhuma intenção de sair tão já da Líbia,” disse a fundação num comunicado.
O Grupo Wagner começou a apoiar Haftar em 2019, parte de um conjunto internacional de combatentes mercenários que inclui homens armados do Sudão e do Chade. Haftar não faz parte do Governo de Unidade Nacional.
A BBC também adquiriu um documento de 10 páginas que tinha a lista de equipamento militar russo, incluindo tanques e espingardas kalashnikov, que o grupo espera adquirir.
“Esta não é uma unidade que se contenta em ir para o campo com equipamento de segunda categoria,” especialista em armas, Chris Cobb-Smith, director da empresa de segurança, Chiron Resources, disse à BBC.
Nas primeiras posições da lista de compras encontra-se um dispositivo de radar que permitirá as forças do Grupo Wagner interceptar electronicamente tropas e outros grupos numa área muito ampla. A tecnologia indica que o Grupo Wagner tinha planos de transmitir inteligência electrónica “a um nível muito mais superior,” disse Cobb-Smith.
A lista de equipamento também mostra as conexões do grupo com os mais elevados níveis do governo russo, disse Cobb-Smith.
“Obviamente que é alguém que possui boas ligações, muito acima, quer politica quer militarmente no Grupo Wagner,” disse Cobb-Smith. “E, claramente, alguém com um acesso extremamente bom, na minha interpretação, com o governo russo.”
O Grupo Wagner é financiado por Yevgeny Prigozhin, um fiel aliado do presidente russo, Vladimir Putin. A composição dos seus membros, de acordo com a BBC, é uma mistura de mercenários profissionais, homens que procuram por trabalho onde puderem encontrar e homens que querem acção.
Andrey Chuprygin, que fala Árabe e estuda o envolvimento da Rússia no Médio Oriente e no Norte de África, na Universidade HSE da Rússia, disse à BBC que o governo russo utiliza o Grupo Wagner para expandir a sua influência para outros países enquanto mantém a negação do seu envolvimento.
A lógica, segundo Chuprygin, é: “Se resultar, podemos utilizar isso para o nosso proveito. Se der errado, então, nós não tivemos qualquer envolvimento nisso.”
A Líbia tornou-se um alvo da influência russa por causa das suas significativas reservas de petróleo e a sua proximidade com a Europa Ocidental.
Para além da Líbia, a presença do Grupo Wagner no continente africano inclui a República Centro-Africana, onde os membros servem como unidade de segurança do presidente. O grupo operou anteriormente em Moçambique, onde sofreu pesadas derrotas nas lutas contra os insurgentes, na província de Cabo Delgado.
Os líbios comunicaram que os combatentes do Grupo Wagner plantaram minas terrestres não assinaladas em zonas civis e mataram prisioneiros no campo de batalha. Ambos actos são considerados crimes de guerra.
Mohammed al-Kahasi, um antigo combatente do Governo do Acordo Nacional, contou à BBC o que aconteceu depois de uma batalha com os combatentes do Grupo Wagner quando um amigo, chamado Abdelraheem, ofereceu-se para render-se.
“Ele levantou as mãos, e eles dispararam contra ele,” disse al-Kahasi.