EQUIPA DA ADF
Após mais de 18 meses, a guerra do Sudão parece estar a transformar-se num conflito étnico à escala nacional, segundo um grupo de defensores da paz sudaneses.
“Ambas as partes intensificaram perigosamente as suas narrativas de guerra, alimentando uma retórica etnicamente carregada que mobiliza as comunidades segundo linhas étnicas e regionais,” afirmou o Grupo de Apoio à Paz no Sudão (AGPS) numa declaração pública.
O grupo alertou para o aumento da lealdade tribal e do ressentimento em regiões-chave do país, especialmente nas planícies de Butana e no leste do Sudão, bem como nas regiões de Darfur e Kordofan, no Rio Nilo e nos Estados do norte.
As Forças Armadas do Sudão (SAF) e as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares atacaram comunidades em zonas controladas pelas suas opositoras: Darfur, Kordofan e El-Gezira, no caso das SAF, e El-Gezira Oriental, no caso das RSF. Os ataques mataram civis, aumentaram as deslocações e danificaram infra-estruturas.
Segundo a Rádio Dabanga, os ataques das RSF no Estado de el-Gezira ocorreram depois de Abu Agla Keikil, um comandante local, ter desertado para as SAF juntamente com algumas das suas tropas. Os habitantes da zona de el-Butana, no sudeste do Sudão, alertaram para a possibilidade de uma retaliação severa por parte das RSF, o que faz prever um ciclo de vingança mortal.
Os ataques em curso estão a levar os líderes locais a apelar a que se atinjam as comunidades associadas às SAF e às RSF para se vingarem.
“Esta escalada alarmante corre o risco de levar o conflito a uma fase catastrófica de alinhamento tribal e regional, ameaçando massacres generalizados e uma imensa tragédia humana,” afirmou a AGPS.
Em Abril de 2023, as SAF e as RSF transformaram o Sudão numa zona de guerra, quando os seus líderes, o General Abdel Fattah al-Burhan, das SAF, líder de facto do país, e o General Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo, chefe das RSF, lançaram uma batalha para controlar o país.
As RSF alastraram-se rapidamente pelo sul do Sudão, desde Darfur a oeste até Sennar a leste, enquanto as SAF consolidavam o controlo das regiões norte e nordeste, dividindo efectivamente o país.
Nos últimos meses, as SAF reconquistaram zonas importantes, incluindo partes de Omdurman, na região da capital. Também tem o controlo do Darfur do Norte, graças a uma aliança com as milícias do Movimento de Justiça e Igualdade (JEM) e do Movimento de Libertação do Sudão (SLM), que se uniram no início deste ano para formar a Força Conjunta Sudanesa para enfrentar as RSF no Sudão Ocidental.
As duas milícias adoptaram uma posição neutra no início do conflito entre as SAF e as RSF, optando por defender as suas comunidades no Darfur de todos os ataques. Enquanto as RSF conquistavam a maior parte do Darfur, deixando atrás de si o caos e a catástrofe, o SLM e o JEM aliaram-se ao exército nacional.
A ascensão da Força Conjunta Sudanesa não-árabe como contraponto às RSF, uma comunidade árabe, reflecte amplamente as divisões étnicas na região do Darfur e, de um modo mais geral, em todo o Sudão.
O Sudão é uma mistura de 500 grupos étnicos que incluem os árabes que dominam a população, juntamente com grupos não-árabes como os Nuba no sul, e os Fur, os Masalit e os Zaghawa que estão enraizados no Darfur.
A guerra agravou a fragmentação étnica que assola o Sudão há mais de 50 anos. Neste processo, a guerra transformou-se em múltiplas pequenas guerras, à medida que as milícias armadas se aliam às SAF ou às RSF.
“As comunidades que antes viviam em paz pegaram agora em armas para se defenderem das RSF, o que marca um desvio significativo em relação ao passado,” a organização Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED) disse num relatório recente sobre o Sudão.
A AGPS alertou para o facto de a violência étnica poder conduzir o Sudão a um genocídio semelhante ao que ocorreu no Ruanda há 30 anos.
“As facções beligerantes e os agitadores devem ser responsabilizadas pelos crimes de genocídio que se perfilam no horizonte,” declarou o grupo num comunicado. “O Sudão está à beira do abismo.”