O General Dennis Sitali Alibuzwi serviu no Exército da Zâmbia durante mais de 40 anos. Durante o seu serviço, ocupou vários cargos de comando e de Estado-Maior. Participou em missões de manutenção da paz das Nações Unidas em Angola, Darfur, Etiópia/Eritreia e Serra Leoa. Em 2019, foi nomeado vice-comandante do exército e em 2021 foi nomeado comandante do exército. Falou à ADF a partir do Quartel-General do Exército da Zâmbia, em Lusaka. Esta entrevista foi editada por questões de espaço e clareza.
ADF: A Zâmbia tem sido um dos principais contribuintes para as missões de manutenção da paz, com cerca de 1.000 soldados de manutenção da paz a servir em várias missões da ONU. Por que isso é importante e como é que o serviço no estrangeiro ajudou a reforçar a Força de Defesa da Zâmbia no seu país?
Alibuzwi: A nível local, estamos sobretudo envolvidos em operações que se situam em torno das nossas fronteiras. Mas é necessária uma experiência de missão, porque é uma das obrigações que temos de cumprir enquanto membros da ONU. Quando fomos destacados pela primeira vez para Moçambique, tivemos os nossos próprios desafios; saímo-nos melhor no Ruanda e continuámos a melhorar noutras missões. Isso proporciona a exposição de que os nossos soldados necessitam. Começamos sempre com a formação de pré-destacamento. Quando era major, costumava ser muito activo na preparação das tropas para o destacamento. A formação dá um sentimento de pertença àqueles que mantêm a paz mundial e também a paz em África. Quando nos preparamos adequadamente, descobrimos que o cumprimento das tarefas na missão é muito simples. Fica-se preparado para compreender a situação no terreno e conquistar os corações e as mentes do país de acolhimento. Isso traz um sentimento de pertença ao país de acolhimento.
ADF: Um grupo que recebeu um elogio especial foi a Equipa de Envolvimento Feminino da Zâmbia. Por que o destacamento feminino é importante?
Alibuzwi: Quando estava no Darfur, costumava ter três polícias zambianas –– irmãs, por assim dizer –– que podiam ir falar com os residentes locais e conhecer as suas experiências, especialmente no que dizia respeito a violações. A violação estava a ser utilizada como arma de guerra e as mulheres sentiam-se livres para falar com outras mulheres, expondo aquilo por que tinham passado. O contingente zambiano começou a concentrar-se em grande escala na formação de mulheres para que pudessem ir para o terreno e interagir com os residentes locais, especialmente mulheres e crianças, para obter o resultado desejado e também informações dos residentes locais.
ADF: A Equipa de Envolvimento Feminino provou ser muito eficaz e, desde então, solicitámos às Nações Unidas que também tivéssemos uma equipa neutra chamada Equipa de Envolvimento, porque alguns homens também são vítimas e não estão dispostos a falar com a Equipa de Envolvimento Feminino. Criámos uma equipa módulo para envolver os homens e, até agora, os resultados são muito encorajadores. Por esta razão, o ZAMBATT, o Batalhão da Zâmbia, onde quer que seja destacado na República Centro-Africana, os residentes locais não estão dispostos a ter nenhum outro contingente, lamento dizê-lo. Quando consegue obter o resultado desejado, é muito gratificante saber que se está a contribuir para o bem-estar dos residentes locais.
ADF: A Zâmbia é um país sem uma ameaça significativa de extremismo violento e está em paz com os seus vizinhos. Quais são as maiores ameaças que a Zâmbia enfrenta actualmente e como está a trabalhar para as abordar?
Alibuzwi: Penso que a grande ameaça neste momento somos nós próprios. Porque, em certos casos, falta-nos lealdade e falta-nos essa causa nobre de servir diligntemente o nosso país. Assistimos ao aumento dos imigrantes ilegais e a facilitação foi feita por nós próprios. Portanto, somos uma ameaça para nós próprios, porque não temos a consciência da segurança.
Para além disso, o que está a acontecer nos países vizinhos também pode acontecer na Zâmbia. As nossas fronteiras são muito largas e porosas, mas podemos fazer melhor e acabar com o que os irmãos e irmãs moçambicanos estão a viver e também com o tráfico de seres humanos, o tráfico de droga e outros vícios, incluindo o contrabando de minerais para fora do país. Se tudo isto for deixado crescer, criar-se-á uma situação que se tornará tóxica e perigosa para a segurança do país. Estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para resolver a situação e temos a boa vontade do Presidente e Comandante-em-Chefe, Hakainde Hichilema, que prometeu financiar-nos adequadamente e garantir a nossa formação e actualização. Estamos também a colaborar com os nossos vizinhos da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral e a garantir que haja um intercâmbio de informações, e somos capazes de enfrentar muitos desafios como um grupo regional.
ADF: A Zâmbia enfrenta a ameaça de catástrofes naturais, como cheias e ciclones. Como é que o Exército da Zâmbia está a trabalhar para melhorar a preparação para catástrofes e a sua capacidade de resposta?
Alibuzwi: Temos a Unidade de Gestão e Mitigação de Desastres. Actualmente, é o principal actor para esses desastres e desafios. Mas treinamos para os desastres. Estamos a reequipar-nos para fazer face a todos os tipos de catástrofes sob a égide do Comité Central de Operações Conjuntas, que leva a cabo as funções de uma abordagem unificada de todo o governo para lidar com situações como as catástrofes. Há um comité que se reúne sempre para analisar como armazenar, quando armazenar, onde e porquê, de modo a prepararmo-nos para o alerta climático do nosso departamento de meteorologia. Como exército, estamos preparados para tudo. Preparamo-nos para o pior cenário possível.
ADF: Quando foi nomeado Comandante do Exército da Zâmbia em 2021, o Presidente Hichilema disse que o exército “deve ter o interesse do povo no coração e servir diligentemente o país.” Como é que interpretou esta missão e como é que tentou melhorar as relações civis-militares no país?
Alibuzwi: Esta questão é apaixonante para mim, porque ensino a necessidade de ser leal desde o tempo em que era segundo-tenente. Foi-me dada a oportunidade de começar na escola de formação; na altura chamava-se Escola Militar de Aprendizagem. Começo pela base de como entrámos para o exército. A Zâmbia é uma nação cristã; quando nos alistamos e quando somos integrados, seguramos a Bíblia na mão direita para fazer o juramento de fidelidade. Quando prestamos o juramento de fidelidade, dizemos: “Protegerei o Presidente da República da Zâmbia, preservarei a Constituição da República da Zâmbia, protegerei os cidadãos da Zâmbia e cumprirei os meus deveres com zelo e diligência.” Este juramento de fidelidade consiste em subordinar-se à autoridade civil sob a representação do próprio presidente. É ele que nos dá ordens e instruções, através da Lei da Defesa. Por isso, sou um servidor da Zâmbia, sou um servidor do Presidente, sou um servidor das autoridades que conduzem a direcção deste país. Com este entendimento, portanto, não posso fazer nada para além daquilo que me é orientado pelo comandante-em-chefe das Forças de Defesa. Esforço-me muito por manter a disciplina no seio da hierarquia. Esforço-me muito por fazer com que todos vejam o sentido do ditado que diz que “cabe a nós obedecer prontamente às ordens e cumprir obedientemente as tarefas.” Somos a última defesa desta nação e não podemos dar-nos ao luxo de não cumprir ordens, de não seguir directrizes, porque o nosso dever é desempenhar funções de acordo com as instruções do Presidente. Portanto, é muito simples: é possível seguir se soubermos de onde viemos.
ADF: Há alguma ferramenta de comunicação estratégica que utiliza para melhorar as relações civis-militares?
Alibuzwi: Abrimo-nos para que as pessoas saibam quem somos. Temos uma página no Facebook e um site do exército onde publicamos assuntos que nos ajudam a relacionarmo-nos com a população para saberem o que é este exército e com quem interagem quando saímos em público e nos vêem de uniforme. A população está bem informada sobre o que é o exército. O mesmo se aplica à Força Aérea, ao Serviço Nacional da Zâmbia e à Polícia da Zâmbia. É por isso que temos uma comunicação estratégica com a população, para que esta tenha confiança em nós e saiba que estamos lá para a defender. Não estaríamos fardados se não fosse por eles. Fazemo-lo com orgulho, e eles devem saber que este é o exército do povo. Estamos também a utilizar o desporto como um campo para transmitir quem somos. O exército tem futebolistas do sexo feminino e um bom número delas representa o país no Campeonato do Mundo.
ADF: Porque é que acha que os golpes de Estado estão a ocorrer com tanta regularidade em África, depois de décadas em que estavam em declínio?
Alibuzwi: Não quero falar em nome daqueles que estão a ultrapassar o seu mandato, tal como previsto na lei militar, para assumir governos. O que quero sublinhar é que aqui, a começar pela formação de base de todos os soldados, incluindo os oficiais, damos ênfase à necessidade de cumprir a lei. Também reconhecemos o facto de não sermos nós quem deve corrigir os erros. O nosso objectivo é proteger a Constituição, obedecer ao governo do dia e manter a paz nesta nação. Por conseguinte, deixamos bem claro que, na nossa mente, não há qualquer momento em que devamos pensar em assumir o governo, porque esse não é o nosso domínio. A formação dos nossos homens e mulheres soldados é orientada para fazer o que a lei prevê e não o que está fora da lei. Conseguimos manter a situação sob controlo, e os nossos soldados são profissionais. Talvez alguns elementos tenham tais pensamentos, mas, uma vez descobertos, livramo-nos deles rapidamente, para que abandonem este nobre uniforme.
ADF: No início deste ano, foi indicado no International Fellows Hall of Fame da Escola de Guerra do Exército dos EUA, que frequentou em 2013. O que é que isto significa para si?
Alibuzwi: Ser reconhecido ao mais alto nível é uma grande conquista. Para muitos, não é assim. Diria que é um feito para toda a vida, mas foi conseguido através de trabalho árduo, mantendo-me leal ao governo do dia, concentrando-me no significado do curso e no que queria alcançar com ele. Voltei do curso e pude ampliar as minhas abordagens ao ensino. Regressei e voltei ao meu cargo de instrutor-chefe no nosso Colégio de Comando e Estado-Maior. Por isso, partilhei essa experiência na qual melhorei a minha compreensão de certos conceitos militares. Acima de tudo, estou no auge da minha carreira; o próximo passo é a reforma. Assim, ser homenageado traz a gratificação de que, sim, se levou uma vida militar muito boa.
ADF: Ao olhar para o futuro, quais são os seus objectivos para o Exército da Zâmbia?
Alibuzwi: Teria gostado de fazer muitos programas, mas estamos a sair de uma economia muito difícil. As necessidades de recursos são concorrentes. Por isso, não consigo obter o que pretendo para levar a cabo a modificação do exército num prazo que considero adequado. No entanto, estou concentrado no crescimento do exército para poder defender adequadamente esta nação, para poder ter o equipamento correcto e moderno para esse efeito. Lenta, mas seguramente, continuarei a bater à porta do comandante-em-chefe e das outras instituições governamentais para garantir que o exército receba a atenção de que necessita para ser profissional e moderno.