EQUIPA DA ADF
FOTOS DE: AFP/GETTY IMAGES
Depois de o Twitter ter apagado uma publicação do presidente nigeriano, Muhammadu Buhari, em 2021, a Nigéria encerrou o acesso ao site mais popular das redes sociais naquele país durante sete meses.
“A perda foi enorme,” blogueiro nigeriano e especialista em redes sociais, J.J. Omojuwa, disse à ADF. “Traz-nos um despertar para o facto de que isso pode acontecer em qualquer lugar.”
A empresa analista da internet, NetBlocks, estimou que o apagão lesou os nigerianos em cerca de 1,6 bilhões de dólares em perdas de negócios. Também interrompeu a informação vital sobre a COVID-19 que o Centro de Controlo de Doenças da Nigéria publicava na plataforma. Os grupos de direitos humanos condenaram o apagão como uma violação do direito de liberdade de expressão dos nigerianos. Por fim, o governo restaurou o acesso, mas apenas depois de o Twitter ter concordado em pagar impostos e abrir um escritório local sujeito às leis da Nigéria.
O apagão do Twitter na Nigéria faz parte a um espectro de acções directas e indirectas com a intenção de controlar como a informação é partilhada. E estes apagões de informação estão a tornar-se mais comuns em África. Em muitos casos, os controlos são impostos em nome da segurança nacional. Mas as interrupções resultantes criam menos segurança, uma vez que estão a prejudicar as economias locais, a interromper a educação e a causar desinformação.
Para além dos apagões da internet, os esforços de censura em África incluem novas leis que visam combater o crime cibernético e as campanhas feitas pelos chineses e pelas forças russas para moldar o ambiente de imprensa de África. Juntos, eles representam uma tentativa ampla de controlar o fluxo de informação no continente.
“Quando se trata de liberdade de expressão,” disse Omojuwa, “vocês estão sempre a defendê-la.”
DESLIGAMENTO DA INTERNET
O instrumento mais franco que os líderes utilizam para censurar os cidadãos é o desligamento da internet. África lidera o mundo nesse aspecto, de acordo com o monitor de internet, Surfshark. Desde 2015, 32 países africanos tomaram medidas para restringir o fluxo de informação nas suas fronteiras. Entre Setembro de 2020 e Janeiro de 2022, os países africanos representaram metade das 24 interrupções de internet a nível mundial.
O Burkina Faso sozinho desligou a internet três vezes, entre Novembro de 2021 e Janeiro de 2022, incluindo durante o golpe que depôs o Presidente Roch Marc Christian Kaboré.
Golpes de Estado, protestos contra o governo e eleições são os eventos que mais provavelmente possam causar um desligamento parcial ou total. Na Argélia e na Etiópia, os líderes bloquearam a internet, em 2021, para impedir que houvesse fraude nos exames nacionais. A Etiópia também impôs um desligamento da imprensa para controlar as notícias relacionadas com a actual guerra civil na região de Tigré.
Em alguns casos, os líderes têm a tendência de asfixiar o uso das redes sociais. Existe um motivo claro para isso, de acordo com Lawrence Muthoga, antigo gestor de envolvimento comunitário da Microsoft 4Afrika, com sede no Quénia.
“Isso porque é muito fácil mobilizar as pessoas nas redes sociais,” disse Muthoga durante um debate sobre censura em África, organizado pelo Grupo Moringa, do Quénia, através do Twitter Spaces.
“A maior parte da censura que decorre no país neste momento procura controlar a mobilização da população ou a disseminação de ideias,” disse Muthoga.
Omojuwa considera uma outra força em jogo: a lacuna geracional entre os líderes africanos e os seus jovens, cidadãos versados em tecnologia. A idade mediana dos africanos é pouco menos de 20 anos. “Eles [os líderes] não compreendem estes espaços,” disse Omojuwa.
Desligar a internet não é tão simples quanto encerrar um jornal ou silenciar uma transmissão de rádio, disse Omojuwa. Durante o apagão do Twitter na Nigéria, por exemplo, os nigerianos ainda assim podiam aceder à plataforma, utilizando as redes virtuais privadas que operam através de outros países.
“É um espaço tão democratizado,” disse Omojuwa. “Não é possível impedir que as pessoas falem.”
LIMITAÇÕES LEGAIS
Os 39 países africanos que promulgaram leis contra o crime cibernético dizem que têm como alvo a desinformação e os riscos contra a segurança nacional. Os críticos afirmam que as leis ameaçam a privacidade e colocam as pessoas em risco de serem presas por se expressarem na internet.
“Os governos ainda não compreendem exactamente o que significa a liberdade de expressão na era da informação,” disse Setriakor Nyomi, director ganês da área de tecnologia da Escola Moringa, no Quénia, que ministra cursos de formação para empregos ligados à tecnologia.
“O ponto essencial na era da informação é como os governos devem lidar com isso,” disse Nyomi durante uma conversa com Muthoga via Twitter Spaces.
Os direitos humanos devem orientar o processo de criação de regulamentos sobre o uso da internet, de acordo com Admire Mare, um professor de comunicação, jornalismo e tecnologia de media, na Universidade de Ciências da Namíbia. Mare estudou legislação relacionada com crimes cibernéticos em 16 países da África Austral. O seu relatório, “Leis Sobre Cibersegurança e Crimes Cibernéticos na Região da SADC: Implicações sobre os Direitos Humanos (Cybersecurity and Cybercrime Laws in the SADC Region: Implications on Human Rights),” cita a África do Sul como o único país da região que promulga leis alinhadas com os direitos dos cidadãos.
“Nos países como Zâmbia, Zimbabwe, Namíbia e Malawi, existe um receio profundo de que a legislação nova e existente já esteja a ser utilizada para efeitos de controlo,” Mare escreveu num relatório publicado em conjunto com o Media Institute of Southern Africa (MISA).
O projecto de Lei de Protecção de Dados do Zimbabwe proíbe mensagens que incitam a violência contra as pessoas ou contra propriedades, proíbe a transmissão de informação falsa destinada a prejudicar e proíbe e-mails não solicitados, habitualmente chamados de spam.
O MISA afirma que a lei não possui salvaguardas para garantir que ela não será utilizada para bloquear o trabalho da sociedade civil, punir os denunciadores de irregularidades e violar o direito constitucional de livre expressão. Antes de a lei ser promulgada, a Transparency International Zimbabwe disse que haveria de impedir que o público fosse capaz de revelar a corrupção do governo.
“A interpretação e a implementação livre da legislação pelas autoridades já foi utilizada para reprimir os cidadãos que deviam proteger,” Muchaneta Mundopa, director-executivo da Transparency International Zimbabwe, escreveu na análise do grupo do então projecto de lei. “Este projecto de lei irá piorar a situação.”
Mundopa citou o caso do jornalista Hopewell Chin’ono, que foi acusado com base em leis anteriormente existentes de incitar a violência depois de expor a corrupção no processo de aquisições de materiais para a COVID-19 pelo governo. Os denunciadores de irregularidades, como Chin’ono, precisam das redes sociais para alertar o público sobre casos suspeitos, disse Mundopa.
“Por essa razão, nós consideramos esta proposta de lei como a mais recente tentativa do governo de silenciar a sociedade civil e a imprensa e ainda de impedir que possamos desempenhar o nosso papel de supervisão,” escreveu Mundopa.
A Nigéria atacou as redes sociais com duas propostas que foram recebidas com resistência firme por parte de activistas que defendem a liberdade de imprensa. Em 2015, a famosa proposta de lei das Petições Infundadas teve como alvo a desinformação online e as críticas contra as autoridades públicas, com multas de até 10.000 dólares.
Os activistas da liberdade de expressão argumentam que a lei ajudou os agentes públicos a silenciarem os críticos e lançou a campanha de #NãoaoProjectodeLeidasRedesSociais no Twitter. Enfrentando a oposição pública, os legisladores eventualmente eliminaram o projecto de lei.
Um outro anteprojecto de lei das redes sociais elaborado em 2019 foi concebido para criminalizar a publicação de informação falsa ou maliciosa online. Essa proposta de lei também foi eventualmente retirada.
Omojuwa disse que as duas tentativas da Nigéria de restringir as comunicações online colocaram os cidadãos em alerta. “Qualquer coisa que o governo fizer no futuro, haverá sempre uma resistência,” disse.
IMPRENSA E AUTOCENSURA
Para além dos desligamentos da internet e os esforços legislativos para regular a expressão online, os defensores da liberdade de expressão de África também enfrentam a crescente influência chinesa e russa no ambiente de media do continente.
A China passou muitos anos a construir uma rede continental de imprensa e de difusão de media para promover a sua marca de jornalismo pró-governo. A China também investe muito na publicidade entre alguns dos canais comerciais de notícias e fornece equipamento dispendioso para outros, tais como antenas parabólicas, como uma forma de ganhar influência.
A China financia centenas de jornalistas africanos anualmente para receber formação em salas de imprensa chinesas. Nesses locais, eles aprendem a marca do jornalismo da China que enfatiza o apoio às políticas do governo em vez de reportagens tradicionais destinadas a fazer com que o governo preste contas aos seus cidadãos.
“No espírito do regime de Pequim, os jornalistas não devem ser um contrapoder, mas, ao invés disso, devem servir a propaganda dos Estados,” Christophe Deloire, secretário-geral dos Repórteres sem Fronteiras, escreveu no seu artigo “Busca da China pela Nova Ordem Mundial de Imprensa.”
A Rússia segue uma abordagem de mão-de-ferro mais pesada ainda. Através da sua empresa militar privada, Grupo Wagner, abriu uma estação de rádio que tem o apoio da Rússia, na República Centro-Africana (RCA), que difunde música assim como notícias e talk shows.
Valery Zakharov, o conselheiro nacional para questões de segurança do Presidente da RCA, Faustin-Archange Touadéra, nomeou dois especialistas em relações públicas russos no seu gabinete para reforçar a imagem do presidente.
Entretanto, a maior parte dos meios de comunicação social da RCA seguiu a orientação pró-Rússia, dando cobertura extensiva a acções russas, como a doação de equipamento desportivo a uma escola. Sem nenhuma publicidade para apoiar o seu trabalho, os repórteres da RCA, por vezes, recebem dinheiro para escrever artigos favoráveis aos russos, de acordo com o analista Thierry Vircoulon, coordenador do Observatório da África Central e Austral, do Instituto Francês de Relações Internacionais.
A estratégia de imprensa da China pertence à sua filosofia de “barco emprestado,” que utiliza os veículos de comunicação e repórteres africanos para publicarem artigos favoráveis à China.
Quanto menor o mercado jornalístico, maior a influência da China, de acordo com Dani Madrid-Morales, professor da Universidade de Houston e especialista em manipulações de imprensa da China, em África.
“O que a China foi capaz de fazer é estabelecer estas relações a nível pessoal,” disse Madrid-Morales à ADF. “Criando estas ligações a nível pessoal, a China ajuda a ser o guardião que controla as informações que são publicadas.”
Isso, disse, cria uma forma de censura mais subtil do que os desligamentos da internet ou o controlo legislativo: a autocensura feita pelos canais de media que suavizam a cobertura para evitar perder apoio financeiro e artigos favoráveis dos jornalistas formados para evitar desafiar o poder.
A rede sul-africana de imprensa, IOL, recentemente foi vendida a um grupo de investidores chineses. Pouco depois disso, os editores formados no Ocidente da rede foram substituídos por editores mais favoráveis ao modelo chinês. Quando o colunista Azad Essa criticou o tratamento da China da sua minoria Uyghur, perdeu o seu cargo no dia seguinte.
“Aparentemente, eu tinha entrado numa arena não negociável que atingiu o próprio centro dos esforços de propaganda da China em África,” escreveu Essa, mais tarde, na revista Foreign Policy.
OLHANDO PARA O FUTURO
O que o futuro reserva à liberdade de expressão na imprensa e nas comunidades online de África? Em termos gerais, a tendência é para mais restrições, de acordo com Kian Vesteinsson, um analista da Freedom House.
“Infelizmente, a liberdade da internet reduziu em toda a África nestes últimos anos,” escreveu Vesteinsson. “Num patamar mais elevado, os desafios para as transições democráticas em países como a Etiópia e o Sudão moldaram o declínio da liberdade da internet naqueles países.”
Omojuwa disse que o apagão do Twitter na Nigéria provou ser um fracasso vergonhoso, mas pode inspirar imitadores em outros lugares à medida que mais africanos encontram suas vozes na internet.
“Penso que muitos governos do continente estão à procura de saber como a Nigéria dominou o Twitter,” disse. “A Nigéria conseguiu sair impune.”
O impacto das restrições da liberdade de expressão será determinante para a democracia, disse.
“Se as pessoas não tiverem a capacidade de falar, qual é a vantagem da democracia?” Questionou Omojuwa.