EQUIPA DA ADF
Nos meses que passaram desde o golpe militar do Sudão, protestos e medidas repressivas das forças de segurança passaram a ser regulares nas ruas de Cartum. Dezenas de pessoas foram mortas e centenas foram feridas quando exigiam o regresso do governo civil.
Muitos sudaneses temem que perderam a sua melhor oportunidade para uma transição para a democracia quando o Primeiro-Ministro, Abdalla Hamdok, renunciou ao cargo, no dia 2 de Janeiro, depois de não conseguir encontrar um compromisso entre a junta e o movimento pró-democracia.
“Eu tentei o máximo que pude para impedir que o nosso país entrasse num desastre,” disse num discurso. “Agora, o nosso país está a passar por um ponto de viragem perigoso que pode ameaçar a sua sobrevivência, a menos que seja rectificado urgentemente.”
Sem mediação entre as duas partes, estão a surgir preocupações de que uma crise no Sudão pode piorar. Alguns manifestantes pró-democracia começaram a referir a si próprios como revolucionários.
As Forças para a Liberdade e Mudança (FFC, na sigla inglesa), um grupo coordenador de activistas, emitiu um comunicado, apelando para que “este período de desobediência civil seja um período para nos reunirmos, unirmos e prepararmos as nossas forças revolucionárias para combater a batalha decisiva para derrubar o golpe.”
Por um lado, as centenas de milhares de, na essência, jovens nas ruas têm falta de um órgão organizado com o qual se pode negociar. Por outro lado, os líderes do golpe — Tenente-General Abdel-Fattah al-Burhan e o Tenente-General Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido por “Hemeti” — estão determinados contra a ideia de uma transição dirigida por civis.
Al-Burhan, o presidente do Conselho de Soberania e Chefe de Estado interino, afirma que a junta apenas irá transferir o poder para uma administração eleita, a qual eles programaram para Julho de 2023.
No início de Janeiro, as Nações Unidas consultaram com a facção rival sudanesa para procurar um ponto comum entre os generais e o movimento pró-democracia.
Com o apoio da comunidade internacional, o representante especial da ONU, Volker Perthes, procurou agir rápido.
“Eu espero que estas consultas possam tornar-se algo como uma medida de construção de confiança e que possam ajudar a, pelo menos, reduzir a violência,” disse à imprensa no dia 10 de Janeiro.
Mas os grupos de manifestantes e a maior parte dos partidos políticos depostos até agora recusaram-se a negociar, considerando as conversações como uma forma de legitimação do golpe. Desde que o exército assumiu o controlo, no dia 25 de Outubro de 2021, pelo menos 76 manifestantes foram mortos, de acordo com o Comité Central de Médicos Sudaneses, que está alinhado com os manifestantes.
A última medida repressiva complicou os esforços para traçar uma saída.
Estabelecendo as opções, o advogado sudanês e comentarista jurídico, Ahmed el-Gaili, acredita que os dois cenários extremos — com qualquer um dos lados a ceder completamente — são improváveis.
“Uma eleição organizada pelo exército seria um teatro,” disse el-Gaili à revista Foreign Policy.
Ele igualmente não vê a junta a resolver a crise com violência e a impor um governo autoritário. Três outras possibilidades incluem:
- O Sudão rebaixar-se para uma guerra civil se os manifestantes continuarem a ser mortos.
- O exército abandonar o poder numa saída negociada.
- O exército fragmentado engendrar um contragolpe.
“Claramente, as ruas exigiram um fim a qualquer participação do exército no poder,” disse el-Gaili.
A economia vacilante do Sudão é uma área em que muitos observadores acreditam que a comunidade internacional poderia ajudar com sanções direccionadas contra os líderes do golpe.
Uma das muitas fontes de discórdia entre al-Burhan e Hamdok foram as empresas detidas pelos militares no Sudão, cujos proprietários resistiram à ideia de devolvê-las ao sector privado.
Hamdok, em 2020, indicou que apenas 18% dos recursos do Estado estão nas mãos do governo.
De acordo com a imprensa local, o exército e os serviços de segurança controlam 250 empresas de áreas vitais da economia sudanesa, como a mineração e agricultura — exportando ouro, borracha, farinha, gergelim e carne. Elas estão isentas de pagar impostos e operam sem nenhuma transparência.
“Todos exércitos do mundo investem em empresas de defesa,” disse ele à imprensa local, no dia 14 de Dezembro de 2020. “Mas é inaceitável que o exército e os serviços de segurança o façam em sectores produtivos, e, assim, competirem com o sector privado.”
Al-Burhan apenas expressou a vontade de fazer com que as empresas paguem impostos.
Com a maior parte da ajuda desesperadamente necessária do Sudão suspensa, os activistas e os analistas vêem uma abertura para mudança.
O Sudão pretende utilizar 70% um dos seus rendimentos provenientes da exportação do ouro para financiar bens estratégicos como o combustível e trigo, disse o seu novo Ministério das Finanças, no dia 3 de Janeiro. O país está a procurar financiar uma expansão do orçamento sem os bilhões de dólares da ajuda estrangeira que o país esperava antes do golpe.
Os líderes dos protestos acusaram os generais de má gestão da economia do Sudão e esbanjamento de petróleo e de ouro do país.
A inflação subiu para 443% em Dezembro de 2021, tendo aumentado de 163% registados no ano anterior. Existem carências de produtos básicos, desde comida a medicamentos.
Kholood Khair, parceiro de gestão de um grupo de reflexão de Cartum, chamado Insight Strategy Partners, suspeita que o descontentamento possa ser o começo do fim do governo militar.
“O Sudão está a caminhar em direcção ao colapso económico,” escreveu no Twitter. “O mesmo ciclo sem fim de inflações elevadas e cunhagem de dinheiro está a decorrer. A solução não é voltar a receber ajuda. É mudar sistematicamente as empresas detidas pelo Estado e a hegemonia das milícias na economia.”