EQUIPA DA ADF
No ano passado, o mundo ficou chocado com a morte de cerca de 70 crianças na Gâmbia, que foi associada a um xarope para a tosse proveniente da Índia.
Os medicamentos continham níveis “inaceitáveis” de dietileno e etilenoglicol e as crianças desenvolveram problemas renais agudos depois de tomarem os medicamentos, que podem ter sido distribuídos através de mercados informais, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
Os incidentes, que o director da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, caracterizou como “para lá de desoladores,” puseram em evidência uma tendência de tráfico ilícito de drogas e medicamentos de e para a região do Sahel e da África Ocidental.
Drogas e medicamentos ilegais matam anualmente cerca de 500.000 pessoas na África Subsariana, de acordo com um relatório de Fevereiro de 2023, do Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (UNODC). Cerca de 45 milhões de dólares por ano são gastos no tratamento de pessoas que utilizam tratamentos contrafeitos ou de qualidade inferior para a malária.
Cerca de 267.000 mortes por ano na região estão ligadas a medicamentos antimaláricos falsificados e de qualidade inferior e mais de 169.200 mortes estão ligadas a antibióticos falsificados e de qualidade inferior utilizados para tratar a pneumonia grave em crianças.
De acordo com o relatório, cerca de 50% dos medicamentos na África Ocidental são falsos ou de baixa qualidade. Os medicamentos provenientes de países como China, Bélgica, França e Índia chegam normalmente à região através dos portos de Benin, Gana, Guiné, Nigéria e Togo.
Os medicamentos perigosos são, na sua maioria, produtos antiparasitários, como os antipalúdicos, antibióticos, opiáceos, como o tramadol, e produtos relacionados com a saúde sexual e reprodutiva. O tramadol é, de longe, a droga mais traficada na África Ocidental.
“Quando um produto [legítimo] é desviado da cadeia de abastecimento, há muito pouca [supervisão] sobre como ele está a ser usado,” disse François Patuel, chefe da Unidade de Pesquisa e Sensibilização do UNODC. “Se… pedir um antibiótico no mercado, poderá comprar. Se é o antibiótico certo que deve ser usado, ou mesmo se deve ser usado, não é algo que seja controlado. Isso está a contribuir para a resistência bacteriana e para a resistência antimalárica.”
Uma vez na África Ocidental, os contrabandistas transportam os produtos médicos em autocarros, automóveis e camiões para o Sahel, a fim de evitar os controlos nas fronteiras. Os produtos são normalmente traficados através de rotas utilizadas há séculos para o comércio.
“Os grupos do crime organizado transnacional aproveitam as lacunas na regulamentação e supervisão nacionais para vender produtos médicos de baixa qualidade e falsificados,” disse a Directora-Executiva do UNODC, Ghada Waly, num relatório da ONU. “Precisamos de ajudar os países a aumentar a cooperação para colmatar as lacunas, reforçar a capacidade de aplicação da lei e da justiça criminal e sensibilizar o público para manter as pessoas seguras.”
A maior parte do tráfico em grande escala de produtos médicos no Sahel e na África Ocidental tem origem na corrupção. O relatório do UNODC identificou os traficantes como funcionários de empresas farmacêuticas, funcionários públicos, agentes da autoridade, trabalhadores de agências de saúde e traficantes de rua.
O papel dos grupos extremistas violentos no tráfico ilícito de drogas e medicamentos é limitado, embora alguns grupos do norte do Mali e do norte do Níger tenham influência em segmentos das rotas de contrabando nos seus territórios. De acordo com o UNODC, estes grupos consomem normalmente os produtos ou cobram “impostos” sobre eles nas zonas sob o seu controlo.
Os países afectados estão a combater o flagelo com algum sucesso. As autoridades da África Ocidental apreenderam mais de 605 toneladas de produtos médicos entre Janeiro de 2017 e Dezembro de 2021.
O Gabinete Central de Estupefacientes do Mali apreendeu mais de 3 toneladas de produtos médicos ilegais em Julho de 2020, alegadamente de um grupo organizado que traficava medicamentos não autorizados entre o Mali e o Burquina Faso.
O UNODC apresentou recomendações para travar o fluxo ilícito de drogas e medicamentos falsificados, incluindo a introdução de legislação mais rigorosa para impedir crimes como o contrabando, o branqueamento de capitais e a corrupção.