EQUIPA DA ADF
A recente rebelião do Grupo Wagner contra o exército russo vai certamente provocar mudanças na organização mercenária que afectarão as suas operações em África.
Mas, qualquer que seja a entidade que acabe por controlar o Grupo Wagner — ou mesmo que o grupo mercenário se limite a obter uma nova marca e um novo logotipo — isso não mudará as tácticas que a Rússia utiliza há anos para espalhar influência e colher recursos nos países africanos.
Utilizando o Grupo Wagner como seu representante, a Rússia tem estado a “testar e a aperfeiçoar um plano de pesadelo para a captura do Estado” na República Centro-Africana (RCA), de acordo com um novo relatório da organização de investigação e política, The Sentry.
Em apenas cinco anos, o Grupo Wagner infiltrou-se e assumiu o controlo das forças armadas da RCA e dos seus sistemas político e económico, disse Nathalia Dukhan, investigadora sénior e chefe do programa Wagner, da The Sentry.
“A República Centro-Africana tornou-se o laboratório de terror do Grupo Wagner,” afirmou num comunicado de 27 de Junho. “A Rússia revelou o seu plano de guerra psicológica e de dominação — um verdadeiro novo tipo de colonialismo ultraviolento.
“Sem uma acção global urgente e coordenada para combater esta ameaça, a rede terrorista predadora do Grupo Wagner continuará a espalhar-se e a semear a devastação onde quer que se enraíze.”
O Presidente Faustin-Archange Touadéra convidou os mercenários russos para a RCA no final de 2017 para constituírem a sua equipa de segurança pessoal, fornecerem treino militar e evitarem uma ofensiva rebelde que se aproximava da capital, Bangui.
Desde então, o Grupo Wagner instalou um agente como principal conselheiro de Touadéra para a segurança nacional e desenvolveu uma rede transnacional de representantes e empresas fantasmas que operam a partir dos Camarões, Madagáscar e Sudão — todas com ligação a Moscovo.
“Há tantas subsidiárias africanas,” Julia Stanyard, analista sénior da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional, disse ao The New York Times. “Só conhecemos a ponta do icebergue.”
O Grupo Wagner tem vindo a reforçar o seu controlo sobre os recursos naturais mais preciosos da RCA, nomeadamente o ouro e o diamante, numa altura em que a Rússia precisa desesperadamente de resistir às sanções internacionais impostas pela invasão à Ucrânia, em 2022.
Segundo o político, Crépin Mboli-Goumba, Touadéra é uma vítima da captura do Estado pela Rússia.
“A República Centro-Africana e Touadéra estão reféns de uma máfia — não nacional, mas internacional — o Grupo Wagner,” disse à revista The Africa Report.
No entanto, as principais vítimas é a população da RCA. Os combatentes do Grupo Wagner foram acusados de atrocidades e violações de direitos humanos, incluindo assassinatos e tortura de civis.
No ano passado, a RCA registou a taxa de mortalidade mais elevada do mundo, com 5,6% da população a morrer, mais do dobro do que em qualquer outro lugar, de acordo com um relatório da Universidade de Columbia, de 2023, que associava directamente a escala de mortalidade à presença do Grupo Wagner.
Várias fontes militares disseram à The Sentry que parte da formação do Grupo Wagner envolvia “limpeza” e “varredura,” o que significava matar comunidades inteiras, incluindo mulheres e crianças.
“Foi um instrutor russo que deu a formação… incluía treino de comandos, interrogatórios, técnicas agressivas, tortura, violência,” um membro da guarda presidencial que recebeu a formação disse à The Sentry.
Duas semanas após o motim abortado do Grupo Wagner na Rússia, cerca de 600 mercenários do Grupo Wagner terão abandonado a RCA, o que deu origem a especulações de que poderiam ter sido convocados para se juntarem ao exército russo ou às forças do Grupo Wagner no exílio na Bielorrússia.
No dia 8 de Julho, um porta-voz do governo da RCA disse que a desmobilização fazia parte de uma rotação e não de uma retirada. Não se sabe quantos permanecem, embora se acredite que 1.900 mercenários russos tenham sido destacados a uma determinada altura.
Apesar do caos, a Rússia garantiu aos funcionários da RCA que as suas operações continuarão “sem interrupção.”
Benjamin Haddad, deputado francês, considerou a rebelião do Grupo Wagner na Rússia “um aviso” para os líderes africanos que empregam o grupo de mercenários, segundo o Politico.
“A lição que se aprende aqui é que a instabilidade que o Grupo Wagner está a tentar exportar acaba por se voltar contra o seu próprio regime,” afirmou. “As nações que recorrem aos seus serviços perdem uma parte da sua soberania.”