EQUIPA DA ADF
Pouco depois da invasão da Rússia à Ucrânia, uma aeronave russa de carga ficou estacionada na pista em Cartum, Sudão.
De acordo com a CNN, o manifesto da aeronave afirmava que estava a transportar bolachas. Quando os inspectores entraram na aeronave para confirmar o seu conteúdo, encontraram algumas bolachas. Mas por debaixo das bolachas também encontraram uma tonelada de ouro contrabandeado destinado à Rússia, para ajudar a financiar a sua guerra na Ucrânia.
As operações de mineração e de contrabando da Rússia no Sudão estão ligadas ao Grupo Wagner, mercenários que se tornaram as ferramentas do presidente russo, Vladimir Putin, para exercer influência antidemocrática no continente.
Desde a invasão à Ucrânia, o ouro sudanês também ajudou Putin a dar a volta por cima das sanções internacionais que cortaram o acesso de cerca de metade das reservas financeiras da Rússia.
A mineração que financia a invasão teve um efeito acrescentado de prejudicar o fornecimento de alimentos do Sudão numa altura em que a invasão cortou exportações de cereais da Ucrânia e da Rússia.
“Moscovo está a obter o que deseja. Os líderes do golpe estão a obter o que desejam. Os verdadeiros perdedores são os cidadãos do Sudão,” Joseph Siegle, director de pesquisa do Centro de Estudos Estratégicos de África, disse à ADF, numa entrevista.
O Grupo Wagner e os seus aliados, como a empresa de mineração M Invest, operam na República Centro-Africana (RCA), Líbia, Mali e Sudão. Em cada um desses cada país, as forças do Grupo Wagner ajudam líderes autoritários a permanecerem no poder em troca de direitos de exploração mineira de cada riqueza mineral do país.
“Existe um rasto de instabilidade em todos os lugares onde a Rússia vai, em África,” disse Siegle. “Os governos autoritários estão a assinar acordos com Moscovo às custas dos seus cidadãos, às custas da sua soberania e às custas da estabilidade desses lugares.”
No Sudão, isso significa apoiar a junta militar cujo golpe de Estado, em Outubro de 2021, derrubou o governo de transição civil daquele país. O Grupo Wagner continua a aconselhar o governo dirigido pelo General Abdel Fattah al-Burhan, embora os cidadãos exijam eleições e um governo democrático.
O Grupo Wagner ganhou espaço no Sudão em 2017 quando o então governante, Omar al-Bashir, assinou um acordo de mineração com a M Invest, que agora opera através de uma empresa sudanesa chamada al-Solag. Al-Solag adquire ouro dos produtores artesanais próximo da sua instalação de processamento no nordeste do Sudão.
Depois de Al-Bashir ter sido deposto em 2019, o Grupo Wagner mudou as suas atenções para Al-Burhan e para o exército daquele país, que controla vastas porções da economia sudanesa, incluindo a mineração.
A principal relação do Grupo Wagner, contudo, tem sido com o adjunto e rival de Al-Burhan, Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido como Hemedti, e as suas Forças de Apoio Rápido (FAR), que são acusadas de violação de direitos humanos na região de Darfur e em outros lugares.
“Hemedti, em muitas formas, é o seu homem de confiança,” disse Siegle. Hemedti beneficia-se dos esforços de desinformação do Grupo Wagner que têm como alvo Al-Burhan. Assim como outras pessoas com boas ligações no Sudão, Hemedti recebe uma parte das acções de contrabando, disse Siegle.
“Não se encontra nos registos. Não existem receitas fiscais. Mas isso não significa que pessoas poderosas não estejam a beneficiar-se, que é por isso que ninguém acaba com isso,” disse Siegle.
Al-Burhan até emitiu um decreto que afirma que nenhuma aeronave russa pode ser inspeccionada antes de deixar o país.
No ano passado, o Ministro das Finanças do Sudão, Gibril Ibrahim, estimou que cerca de 20% do ouro daquele país passou pelos canais oficiais, que registaram cerca de 100 toneladas métricas produzidas em 2019. Destas, 21,7 toneladas métricas foram registadas como tendo sido exportadas, deixando mais de 4 bilhões de dólares em ouro não declarados.
Uma vez que a maior parte do apoio internacional do Sudão terminou depois do golpe de Estado, Ibrahim disse que as exportações de ouro irão desempenhar um papel maior na geração de renda para o país. Ele comprometeu-se em acabar com o contrabando.
Entretanto, nas zonas de extracção mineira da região oeste do Sudão, a Associação de Juristas de Darfur acusou o Grupo Wagner e as FAR de atacar e matar mineradores artesanais de ouro na região de Um Dafuq, próximo da fronteira com a RCA.
“O Grupo Wagner está a operar e a formar milícias e eles estão a ajudá-lo a pilhar o nosso ouro,” activista da democracia, Nasr Eldin Safiyah, disse na página da internet, Coda Story.
A RCA, onde o Grupo Wagner está profundamente enraizado no governo do Presidente Faustin-Archange Touaderá, serve como uma rota alternativa para o contrabando de ouro para fora do Sudão.
Embora o Grupo Wagner se apresente como uma fonte de formação militar e segurança, os factos no terreno apresentam uma figura muito diferente, desse Siegle, acrescentando tratar-se de uma figura da Rússia que ajuda líderes corruptos a permanecerem no poder, contra os desejos dos seus cidadãos.
“A realidade é que os russos não estão a oferecer muito economicamente. Não estão a investir; não estão a atender as demandas dos protestantes,” disse Siegle. “É uma estratégia a prazo muito curto.”
Observação: Este é o primeiro artigo de uma série de duas partes sobre pilhagem de ouro pelos mercenários russos nos países africanos.