EQUIPA DA ADF
Apesar da crescente deterioração da segurança e do panorama económico no Burquina Faso, a junta militar no poder e os mercenários do Africa Corps da Rússia continuam a ser populares, em grande parte devido a uma longa campanha russa de propaganda e desinformação.
Embora os especialistas em segurança divirjam quanto à profundidade da popularidade da junta burquinabê e quanto ao momento em que a paciência da população civil com a crescente insegurança irá expirar, não há dúvidas quanto às campanhas de desinformação da Rússia para apoiar juntas militares e visar governos democraticamente eleitos na África Ocidental e no Sahel.
“A Rússia tem aproveitado eficazmente as oportunidades para manipular as frustrações dos cidadãos através de campanhas de desinformação,” Torianna Eckles, do grupo de reflexão Wilson Center, escreveu num artigo de opinião de 22 de Janeiro.
“No Burquina Faso, a desinformação gerada pela Rússia incentivou o retrocesso democrático, promoveu golpes de Estado e aumentou o apoio a regimes repressivos (no país e no estrangeiro), independentemente do seu historial em matéria de direitos humanos.”
Em 2021, os especialistas em segurança cibernética avisaram o Presidente do Burquina, Roch Marc Kaboré, que a Rússia estava a utilizar uma rede elaborada de contas falsas nas redes sociais e de sites de notícias falsas para divulgar propaganda pró-russa e antidemocracia no YouTube e no Facebook.
O Burquina Faso está a lutar contra extremistas ligados ao grupo do Estado Islâmico e à al-Qaeda desde 2015. A deterioração da segurança levou a dois golpes militares com apenas oito meses de intervalo em 2022. A expulsão de Kaboré pelo Tenente-Coronel Paul-Henri Damiba deu rapidamente lugar ao golpe do Capitão Ibrahim Traoré.
No entanto, desde que Traoré tomou o poder, o número de burquinabês mortos por extremistas quase triplicou e 2 milhões de pessoas foram deslocadas.
“Traoré ainda não enfrentou uma reacção generalizada, apesar do agravamento da situação de segurança durante o seu governo,” explicou Eckles. “Em vez disso, os apelos populares foram de apoio aos líderes do golpe e, em geral, de apoio ao autoritarismo: ‘Não à França, sim à Rússia.’
“As operações de desinformação russas em toda a África Ocidental conduziram a um aumento sem precedentes do apoio popular à Rússia, à exigência de intervenções russas por parte dos cidadãos e, em alguns casos, a novas parcerias militares entre os países africanos e a Rússia.”
Um relatório de Abril de 2022 do Centro de Estudos Estratégicos de África identificou 23 campanhas de desinformação que visavam países africanos desde 2014. Destas, 16 estavam ligadas à Rússia.
Um relatório sobre a desinformação na África Ocidental, publicado em Junho de 2023 pelo grupo de reflexão sobre assuntos internacionais do Conselho do Atlântico, examinou a forma como a Rússia bombardeou o povo burquinabê com propaganda do Grupo Wagner.
“Os apelos à assistência russa na luta contra os jihadistas no Burquina Faso parecem ter sido fortemente influenciados pela percepção do sucesso militar da Rússia noutros países africanos, incluindo a República Centro-Africana (RCA) e o Mali,” afirma o relatório.
“A influência da RCA e do Mali nas narrativas anti França e pró-Rússia foi evidente no período que antecedeu o golpe de Estado de 2022 no Burquina Faso.”
De acordo com o relatório, o envolvimento em publicações no Facebook que mencionavam o grupo mercenário aumentou 6.363% nos quatro meses anteriores ao golpe.
Eckles disse que a Rússia testou e aperfeiçoou o seu plano para o sucesso da desinformação em toda a África. “A campanha de desinformação da Rússia no Burquina Faso baseia-se nos receios e frustrações legítimos da população burquinabê, reafirmando as suas preocupações,” escreveu.
“A desinformação manipula o descontentamento, culpando a França pelos desafios do Burquina Faso, apresentando a Rússia como um salvador, exagerando as façanhas do Grupo Wagner e abraçando líderes autoritários como Traoré, que estão prontos para fazer parceria com a Rússia.”
A Rússia construiu uma máquina de desinformação fazendo-se passar por e comprando meios de comunicação social legítimos, contas nas redes sociais e até uma estação de rádio. Os operativos russos criaram desenhos animados e filmes para difundir propaganda no continente. Pagam a jornalistas locais, bloguistas, activistas e influenciadores das redes sociais para difundir desinformação e propaganda.
No Burquina Faso, influenciadores pagos criaram grupos para difundir propaganda ainda mais radical no WhatsApp e no Telegram. Os grupos acabaram por ser utilizados para organizar falsas manifestações populares e difamar jornalistas locais e internacionais.
Eckles concluiu que, embora os esforços de desinformação da Rússia na região tenham capitalizado eficazmente as queixas, mascaram a ineficácia e as consequências das suas operações mercenárias e um profundo desrespeito pelos civis.
“A parceria russa não dá prioridade aos cidadãos burquinabês nem aborda adequadamente o agravamento da situação de segurança do país,” escreveu. “O principal objectivo da Rússia é extrair recursos e espalhar influência e poder militar na região.
“Não está interessada nem é capaz de abordar as causas subjacentes ao mal-estar económico e à instabilidade do Burquina Faso.”