EQUIPA DA ADF
Num esforço para recrutar novos combatentes, as Forças de Apoio Rápido (RSF) paramilitares estão a invocar Faza’a, uma antiga tradição sudanesa pré-islâmica.
Faza’a permite que as tribos apelem aos seus membros e aliados para obterem apoio contra ataques de outras tribos ou para se vingarem de assassinatos. As RSF exploram a Faza’a para recrutar adolescentes e crianças para combater na linha da frente, tal como o fizeram há 20 anos no Darfur, quando eram conhecidas como Janjaweed.
Os especialistas dizem que este tipo de recrutamento pode ter consequências que mudam a vida das vítimas jovens.
“Há ramificações psicológicas e sociais nos recrutas infantis,” o Dr. Ikhlas Abbas Mohamed, director da Unidade de Aconselhamento Psicológico e Segurança do Ministério da Educação, disse ao site de notícias Al-Araby Al-Jadeed. As consequências incluem ansiedade, depressão, abuso de substâncias, isolamento social e a possibilidade de cometer crimes graves, como homicídio e agressão sexual.
Mais de 18 meses após o início do conflito, as Forças Armadas do Sudão (SAF) e as RSF estão a seguir caminhos muito diferentes no recrutamento de novos combatentes.
As SAF utilizaram as redes sociais para atrair combatentes voluntários e encaminhá-los para o comando ou unidade militar mais próxima para se inscreverem. Os novos recrutas vêm de todos os sectores da vida.
Mohamad Awadallah, um comerciante, respondeu a esse apelo como voluntário depois de as RSF terem invadido a sua casa no Estado de Sennar.
“Em Sennar, vi a morte,” Awadallah disse à PBS NewsHour em Setembro. “Houve violações. As RSF estavam a matar qualquer pessoa que encontrassem pela frente.”
Pouco depois do início dos combates, em 2023, o chefe das SAF, General Abdel Fattah al-Burhan, declarou num discurso que todos os homens jovens e capazes deviam alistar-se nas forças armadas. No início de Julho desse ano, al-Burhan afirmou que o Exército estava pronto para receber e equipar voluntários. Em Setembro, civis recrutados pelas SAF participaram num treino militar e numa parada em Wadi Hamid, no norte do Sudão.
Muitos dos novos recrutas das SAF eram jovens do Estado do Rio Norte, uma região que historicamente produziu muitos dos líderes militares e políticos do Sudão.
Novos recrutas do Estado do Rio Nilo disseram à Al Jazeera que foram motivados a juntarem-se às SAF por recearem que as RSF pudessem atacar as suas cidades, saquear os seus pertences e sujeitar as mulheres à violência sexual.
“Peguei numa arma para me defender a mim próprio, ao meu grupo étnico e à minha terra natal,” Yaser, de 21 anos, de Shendi, uma cidade do Estado do Rio Nilo, disse à Al Jazeera. “As RSF não estão apenas em guerra com o Exército. Estão em guerra com os civis.”
As RSF, por outro lado, obrigam os civis a juntarem-se à sua causa. De acordo com o Dr. Abdul Qader Abdullah, secretário-geral do Conselho Nacional para a Protecção da Infância, as RSF recrutaram crianças pelo menos 200 vezes desde o início da guerra em Abril de 2023.
Um deles era o irmão de 15 anos de Umm Kulthum Mohamed (pseudónimo por razões de segurança), que se juntou às RSF em Junho de 2023. Desde então, nunca mais se ouviu falar dele.
“Desde que o meu irmão partiu para combater com as RSF, ninguém me disse nada sobre ele e não sabemos se está vivo ou morto,” Mohamed disse ao Al-Araby Al-Jadeed.
A deterioração da situação humanitária no Sudão torna as crianças, sobretudo as que não têm família, alvos fáceis para o recrutamento pelas RSF, Siobhán Mullally, relatora especial da ONU sobre o tráfico de pessoas, escreveu num comunicado.
Para além de invocar tradições antigas como a Faza’a, as RSF também têm repetidamente retido alimentos aos civis nas regiões que controla para os coagir a pegar em armas em seu nome. O ultimato foi rotulado de “aliste-se ou morra.”
Uma investigação da CNN, em Março de 2024, descobriu que quase 700 homens e 65 crianças, muitos deles agricultores ou comerciantes, tinham sido forçados a juntar-se às RSF só no Estado de al-Gezira.
Em alguns casos, quando os homens recusaram a exigência das RSF, foram executados, testemunhas disseram à CNN.
O recrutamento forçado das RSF equivale a um sistema de trabalho forçado, Mohamed Badawi, advogado do Centro Africano de Estudos para a Justiça e a Paz, disse à CNN.
“As pessoas precisam de sobreviver — não têm outra escolha, não têm ninguém a quem se queixar. Se não matarmos por eles, seremos presos,” disse Badawi.