EQUIPA DA ADF
Dois países do Golfo estão a desempenhar um papel de relevo na guerra civil do Sudão, competindo por influência diplomática e militar.
Os rivais Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos (EAU) foram acusados de tornar o conflito sudanês mais intratável ao tomarem lados opostos.
Apesar dos seus desmentidos, os EAU estão alegadamente a dar apoio militar às Forças de Apoio Rápido (RSF) chefiadas por Mohammed Hamdan “Hemedti” Dagalo. A Arábia Saudita está estreitamente ligada ao Egipto, que apoia as Forças Armadas do Sudão, e tentou assumir o papel de mediador.
Os Estados do Golfo foram aliados durante décadas, mas a relação entre o príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman Al Saud, e o presidente dos Emirados, Mohammed bin Zayed, deteriorou-se.
“Nas últimas semanas, observadores e especialistas políticos têm especulado que as divergências entre Abu Dhabi e Riade chegaram a um ponto em que o príncipe herdeiro saudita e o presidente dos Emirados já não se falam,” refere o site de notícias Amwaj num artigo de 27 de Maio.
Os dois países começaram a desenvolver relações diferentes com o Sudão nos últimos anos do regime de Omar al-Bashir. Bashir forneceu combatentes das RSF para a intervenção saudita e dos Emirados na guerra civil do Iémen.
Na sequência da expulsão de Bashir em 2019, a Arábia Saudita e os EAU alinharam-se no Sudão, uma vez que ambos desempenharam papéis na breve transição democrática do país. Desde então, porém, os dois Estados têm vindo a afastar-se, tanto nos seus objectivos no Iémen como no Sudão.
O golpe militar do Sudão em 2021 preparou o terreno para a actual guerra civil entre as RSF e as Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo General Abdel Fattah al-Burhan.
“Como hegemonias emergentes do Médio Oriente, Riade e Abu Dhabi estão agora em desacordo — cada um procurando controlar os recursos, a energia e as portas de logística do Sudão, alinhando-se com Burhan e Hemedti, respectivamente,” o estudioso do Médio Oriente, Talal Mohammad, escreveu num artigo de 2023 para a revista Foreign Policy. Consultor independente em assuntos governamentais, geopolítica e inteligência estratégica, Mohammad considera que ambos os países estão a usar o Sudão num cabo-de-guerra geopolítico.
“Para a Arábia Saudita, controlar o Sudão pode aumentar a sua estatura como líder regional e reforçar a sua influência nos mundos árabe e islâmico,” disse Mohammad à revista The Africa Report. “Por outro lado, os EAU vêem o Sudão como um meio de enfraquecer o domínio de Riade na região e expandir o seu poder.
“Para os sauditas, a segurança alimentar e a segurança do Mar Vermelho são fundamentais. Para os EAU, o ouro, os recursos minerais e a presença no Mar Vermelho e, por conseguinte, a influência sobre as rotas comerciais entre o Canal do Suez e o estreito de Bab el-Mandeb são muito importantes.”
Os EAU estão alinhados com a Rússia no apoio às RSF, dado que Hemedti é um parceiro-chave na indústria do ouro dos Emirados, que tem ajudado a mitigar o impacto na Rússia das sanções internacionais pela sua guerra na Ucrânia.
Os EAU têm vindo a assumir cada vez mais um papel militar nos seus assuntos africanos. Alegadamente, estabeleceu uma base militar em Amdjarass, no Chade, onde facilita o apoio militar a Hemedti — uma alegação considerada “credível” pelas Nações Unidas, mas negada por Abu Dhabi.
“Os EAU controlam todo o comércio ilegal de armas para o Sudão, que beneficia as RSF através do Uganda e do Chade,” o professor associado do Kings College London, Andreas Krieg, disse ao site The New Arab, num artigo publicado a 14 de Maio. “Tudo isso faz parte da procura de relevância dos EAU, tornando-se um mediador e interlocutor fundamental entre os actores não estatais que controla e as grandes potências.”
A ONU calculou em 15.000 o número de mortos na guerra do Sudão e disse que cerca de 9 milhões de pessoas fugiram das suas casas. Os analistas dizem que o número de mortos da ONU está provavelmente muito subestimado, uma vez que o país é demasiado perigoso para os observadores.
Com as suas complexas redes de apoiantes, as SAF e as RSF lutaram até um certo ponto de impasse. Os especialistas acreditam que nenhum dos lados é capaz de uma vitória absoluta, deixando a Arábia Saudita e os EAU num estado de rivalidade latente na África Oriental.
“A queda do Sudão sob o controlo de Burhan ou de Hemedti — e, consequentemente, da esfera de influência saudita ou dos Emirados — alteraria o equilíbrio de poder no Golfo e aumentaria as tensões entre Riade e Abu Dhabi,” escreveu Mohammad. “Mas é pouco provável que o resultado da guerra seja tão claro: à semelhança da Líbia, é provável que o Sudão se fragmente ainda mais, talvez em termos de linhas étnicas e tribais.”
A correspondente de guerra, Lindsey Hilsum, fez eco dessas preocupações na sua reportagem de Maio de 2024 para o Independent Television News.
“Se as partes não forem obrigadas a negociar, o que é que vai restar do Sudão?” indagou. “Nada que possa ser remontado, mas um Estado falhado numa guerra eterna, com a sua população dispersa e destituída.”