EQUIPA DA ADF
O mistério do navio de carga russo atracado na maior base naval da África do Sul, no início de Dezembro, fez mais do que despertar preocupações de comércio ilegal de armas.
Renovou o enfoque sobre as ainda latentes acusações de corrupção e da enorme influência russa que afectou a África do Sul durante anos.
No dia 6 de Dezembro, na calada da noite, a embarcação Lady R navegou em direcção a Simon’s Town, com o seu transponder de identificação desligado. A embarcação foi sancionada a nível internacional como fazendo parte do negócio de exportação e importação do exército russo desde que a Rússia invadiu a Ucrânia.
Os cidadãos viram uma carga ser descarregada, com guardas armados a vigiarem.
“Estamos cientes de que houve descarregamento de munições,” político Kobus Marais, disse num comunicado. “Estamos claramente cientes de que foram transportadas e entregues num depósito de munições específico na África do Sul.”
Depois de duas semanas de silêncio, o Ministro da Defesa confirmou que o navio russo efectuou a entrega de munições.
Assim como muitos sul-africanos, Marais ficou com perguntas perturbadoras.
“Por que existem tantos segredos? Por que fazer isso durante a noite?” disse à CTV News. “Claramente que isso serve de suporte para a narrativa que diz que alguma coisa tem sido feita de forma irregular e mais provavelmente também ilegal.”
A falta de transparência remonta à era não tão distante de “captura do Estado,” uma frase considerada sinónimo da pilhagem dos recursos sul-africanos por cidadãos com ligações políticas.
Mas as preocupações estão enraizadas no presente.
A África do Sul absteve-se de todas as votações das Nações Unidas sobre a invasão da Rússia na Ucrânia durante 2022 e, de forma repetida, recusou-se a condenar a agressão militar.
Actualmente, mais e mais sul-africanos soaram alarmes sobre a permanente influência autocrática e corrupta de Vladimir Putin, que foi mais evidente durante a administração do antigo presidente Jacob Zuma.
Alguns consideraram o governo de Zuma como “comprometido” e observaram que havia uma ligeira inclinação em direcção ao governo autocrático no seu segundo mandato.
Em 2017, membros do partido da oposição caracterizaram a abordagem de Zuma para a governação como “uma tentativa de emular o estilo autoritário de Putin, a democracia de baixa intensidade, com encontros registados entre esta facção e as suas contrapartes na Rússia.”
O jornalista político sul-africano e autor John Matisonn alerta que tais encontros continuam até hoje.
“A ansiedade sobre a influência do estilo de Putin, que tem a capacidade de corromper as instituições sul-africanas, vai muito além do acordo nuclear da Rússia, a figura de cartaz da captura do Estado, que eventualmente fez descarrilar Jacob Zuma como presidente,” escreveu no dia 12 de Dezembro para o jornal The Daily Maverick.
Matisonn também considerou a reestruturação radical de Zuma, no sector de inteligência da África do Sul, especificamente a Agência de Segurança do Estado (SSA, na sigla inglesa) “preocupantemente semelhante à da Rússia.”
De acordo com investigações e inquéritos do governo:
- A SSA interveio na política interna para ajudar Zuma.
- Foi autorizada a criar negócios “geradores de rendimento.”
- As declarações de juramento dos agentes foram alteradas para jurar aliança ao presidente.
Zuma, um antigo chefe de inteligência do seu partido político, recebeu alguma formação militar na Rússia e teve pelo menos 13 encontros conhecidos com Putin, um antigo operativo do KGB, que se tornou o líder do sucessor do KGB, o FSB.
“O que Putin e Zuma parecem ter em comum é o cinismo sobre os valores subjacentes da democracia,” escreveu Matisonn. “Mais Zuma foi paralisado, em parte, por a nossa constituição e a sociedade civil serem ambos mais fortes aqui.
“A captura do Estado foi uma mancha no sistema e foram aplicadas verificações e equilíbrios suficientes para interrompê-la.”
O antigo Comissário-Adjunto dos Serviços da Receita Sul-Africana, Ivan Pillay, que privou várias vezes com Zuma, disse que África do Sul ainda está a começar a sua luta contra a captura do Estado.
“Temos muito por fazer,” disse numa entrevista do dia 15 de Dezembro, no meio de comunicação sobre política e legislação, polity.org.za. “Alguns dos corruptores dos Estados foram demitidos dos seus cargos. Muitos ainda continuam. Entretanto, a corrupção penetrou aos níveis mais inferiores da instituição, de modo que potencialmente, agora, qualquer transacção tem o potencial de estar corrompida.
“Não podemos apenas dizer que estamos a lutar contra a corrupção. Não é suficiente. A luta contra a corrupção deve ser combinada com a reparação das instituições, e eu receio que não estejamos a fazer o suficiente.”