EQUIPA DA ADF
Durante anos, a República Democrática do Congo (RDC) tem sido afectada por gangues internacionais que abatem e vendem partes de animais em vias de extinção.
“A RDC, que faz fronteira com nove países, serve como um importante ponto de trânsito para o movimento de peças traficadas,” informou a agência de notícias ambientais Mongabay em 2022. “A nação centro-africana, que alberga a maior faixa de floresta tropical da Bacia do Congo, é também um país de origem de produtos ilegais da vida selvagem.”
Num dos casos, as autoridades efectuaram investigações durante três anos antes de invadir um “esconderijo” na cidade de Lubumbashi, apreendendo 2 toneladas métricas de marfim avaliado em 6 milhões de dólares.
As autoridades que efectuaram a rusga disseram que as presas provinham de mais de 150 elefantes. As três pessoas detidas em Maio de 2022 eram consideradas membros de uma grande rede de tráfico de animais selvagens que operava em toda a África Austral, segundo a Mongabay.
Cinco meses mais tarde, os agentes de segurança prenderam dois homens e as autoridades apreenderam 3,5 milhões de dólares em marfim, cornos de rinoceronte e escamas de pangolim provenientes da RDC. Os homens reconheceram que, de Novembro de 2019 a Junho de 2021, enviaram 22 quilogramas de marfim de Kinshasa, cortando as presas em pedaços menores, pintando-as de preto e rotulando-as como madeira, informou a The Associated Press.
As presas de elefante, os chifres de rinoceronte, as escamas de pangolim e até as peles de burro são mercadorias muito procuradas na Ásia, sobretudo na China. As presas são esculpidas em ornamentos e jóias elaborados e caros, e os chifres, as escamas e as peles são utilizados na medicina tradicional chinesa (MTC). A procura de peles de burro só na Ásia está estimada em 5 milhões por ano. Nenhum destes materiais orgânicos é comercializado legalmente.
Os grupos criminosos acumulam estes materiais na RDC enquanto planeiam formas de os transportar para fora do país. O grupo de investigação ambiental Oxpeckers diz que o que acontece ao marfim e a outros bens apreendidos é geralmente desconhecido. O ambientalista da RDC Josué Aruna diz que esses bens apreendidos “provavelmente voltarão ao mercado negro,” porque as autoridades não revelam o que fazem com eles. Durante a Conferência das Partes da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (CITES), em 2019, as autoridades afirmaram estar “cientes de uma série de roubos de marfim de stocks detidos pelo governo nos últimos anos.”
Este comércio ilegal tem um custo enorme. Animais em vias de extinção são abatidos e centenas de guardas da vida selvagem foram assassinados no cumprimento do seu dever.
O contrabando é feito à custa da boa governação local, da estabilidade da comunidade e da segurança regional.
O dinheiro do comércio também financia grupos extremistas. Como refere a Humane Society International, vários grupos de milícias africanas “envolveram-se na caça furtiva de elefantes e utilizaram os lucros da venda do marfim para financiar as suas actividades terroristas.”
Os países de toda a África debatem-se com o manuseamento e armazenamento de marfim e chifres de rinoceronte confiscados. A organização de conservação Traffic, num relatório publicado em 2020, referiu que “uma das fontes conhecidas de marfim ilegal é a fuga de stocks detidos pelo governo.”
A Traffic constatou que o marfim e os cornos de rinoceronte confiscados podem acabar armazenados em bancos, postos de patrulha, estâncias aduaneiras, tribunais, esquadras de polícia e outras agências.
A Oxpeckers informou que, normalmente, estas agências podem conservar as mercadorias durante um período ilimitado e que os stocks não são inventariados.
PROTECÇÃO DE UMA RESERVA
Mesmo quando o marfim e outros bens confiscados não regressam ao mercado negro, permanece o problema de saber o que fazer com eles. O Zimbabwe, que alberga a segunda maior população de elefantes do mundo, a seguir ao Botswana, possui um depósito de marfim e de chifres de rinoceronte confiscados no valor de 600 milhões de dólares. O armazenamento das 130 toneladas métricas de marfim e das 6 a 7 toneladas métricas de cornos de rinoceronte é um problema de segurança dispendioso devido ao volume do material.
O Zimbabwe pretende vender o marfim e o corno de rinoceronte confiscados para ajudar a financiar a protecção da vida selvagem do país. O canal digital TRT Afrika informa que a Autoridade dos Parques e da Vida Selvagem do Zimbabwe tem tido dificuldades devido a restrições financeiras nos últimos anos.
A autoridade não está incluída no orçamento nacional e, independentemente, precisa de pelo menos 20 milhões de dólares anuais para garantir o seu trabalho de conservação. A autoridade precisa de mais carros de patrulha, drones de vigilância e pessoal.
Há dois anos que o Zimbabwe tem vindo a solicitar a compra. Até à data, a resposta tem sido negativa.
Em 1989, a CITES proibiu a venda de marfim. No início, a proibição funcionou e a procura de marfim em algumas partes do mundo caiu para um mínimo histórico. A Humane Society International referiu que “o comércio ilegal foi severamente restringido e as fábricas de escultura em marfim da China e as lojas de Hong Kong foram encerradas.” Mas em 1999, a CITES aprovou uma venda única de quase 50 toneladas de marfim armazenado do Botswana, da Namíbia e do Zimbabwe ao Japão. Isso desencadeou um interesse renovado pelo marfim e, de Janeiro de 2000 a Junho de 2002, mais de 1.000 elefantes africanos foram encontrados mortos, para retirada das suas presas.
Em 2008, mais uma vez com a aprovação da CITES, o Botswana, a Namíbia, a África do Sul e o Zimbabwe exportaram 102 toneladas métricas de marfim armazenado pelo governo para o Japão e a China. A Humane Society International afirmou que a venda desencadeou mais massacres de elefantes africanos.
A sociedade defende que, para salvar os elefantes, a venda de marfim deve ser ilegal, sem excepções para as vendas legais de reservas. Mais de 20 países em todo o mundo determinaram que a única forma segura de manter o marfim e o corno de rinoceronte confiscados fora do mercado é destruí-los, normalmente através de incineração ou esmagamento.
O Quénia foi o primeiro país a realizar uma incineração pública em 1989. Na altura, Paul Udoto, porta-voz do Serviço de Vida Selvagem do Quénia, disse que a incineração histórica era uma “medida desesperada destinada a enviar uma mensagem ao mundo sobre a destruição dos elefantes do Quénia através da caça furtiva,” informou mais tarde a Tsavo Trust, uma organização de conservação. A incineração do marfim não é uma tarefa fácil: demora cerca de uma semana para incinerar uma presa de elefante macho médio.
Os conservacionistas e os governos que apoiam a destruição dos bens confiscados afirmam que esta prática reforça o apoio público à protecção dos animais em vias de extinção e envia uma mensagem aos caçadores furtivos de que o seu trabalho é imoral e inútil. Os críticos afirmam que esta prática não só pode aumentar a caça furtiva ao criar uma percepção de escassez no mercado negro, como também priva os países da oportunidade de ganharem milhões de dólares com o seu trabalho de travar os contrabandistas.
MTC ESTENDE-SE PARA ÁFRICA
A prática de utilizar coisas como chifres de rinoceronte, escamas de pangolim e partes de tigre na MTC remonta a séculos. Os ingredientes animais não têm qualquer valor no tratamento de doenças, mas a sua utilização é tão frequente na MTC que algumas das criaturas se tornaram ameaçadas de extinção. Foram abatidos tantos pangolins asiáticos que os contrabandistas passaram a capturar pangolins africanos.
A African Wildlife Foundation refere que os caçadores furtivos matam cerca de 2,7 milhões de pangolins africanos por ano, o que faz deles o mamífero mais traficado do mundo. As escamas são utilizadas na MTC para tratar uma variedade de doenças, incluindo a artrite e o cancro. As escamas são compostas por queratina, o mesmo material das unhas humanas.
“O nível a que os pangolins estão a ser traficados é enorme em comparação com o que era no passado,” afirmou Sarah Stoner, da Wildlife Justice Commission, em 2020, segundo a revista National Geographic. “É um nível completamente diferente.”
A situação vai piorar. A Iniciativa do Cinturão e Rota da China, que financia infra-estruturas em todo o mundo, tem como objectivo declarado a difusão da MTC. A Agência de Investigação Ambiental afirma que “grandes empresas e inúmeras clínicas já se estabeleceram em todo o continente e alguns retalhistas planeiam estabelecer cadeias de abastecimento completas, desde o abastecimento até às vendas.”
A nossa preocupação real é que uma expansão tão grande da MTC em África, como a que está a acontecer no âmbito da Iniciativa do Cinturão e Rota da China, tenha o efeito de aumentar drasticamente a procura de tratamentos que contenham animais selvagens,” informou a agência. É “uma receita para o desastre de algumas espécies animais ameaçadas, como leopardos, pangolins e rinocerontes.”
COMO ACABAR COM O TRÁFICO?
Os conservacionistas e os defensores da protecção dos animais dizem que é necessário mais trabalho para acabar com a venda ilegal de animais em vias de extinção e evitar que os materiais confiscados voltem a entrar no mercado negro. A Fundação Africana para a Vida Selvagem afirma que todos os controlos da comercialização de partes de animais começam com uma estratégia de três vertentes: “Acabar com as mortes, com o tráfico e com a procura.”
A Agência de Investigação Ambiental tem um plano para acabar com o comércio de marfim, mas este também se aplicaria, em parte, a outras formas de tráfico de animais. O plano inclui o desmantelamento de redes criminosas, através de investigações secretas, o trabalho para encerrar todos os mercados de marfim, a exposição do centro global do comércio ilegal de marfim, o desmantelamento de sindicatos de tráfico de marfim e a continuação da pressão para que sejam adoptadas leis internacionais que proíbam essas vendas.
Outras agências e peritos recomendaram as seguintes medidas para acabar com a venda de partes de animais no mercado negro:
Aumentar a protecção das espécies ameaçadas. O Malawi está a utilizar tecnologia acessível, como os drones de vigilância, para apoiar os guardas-florestais na sua tentativa de proteger a vida selvagem.
Incentivar o turismo. Investir em infra-estruturas para que os turistas possam visitar as reservas de vida selvagem pode ser um ganho financeiro. Para além das receitas turísticas, os turistas munidos de uma máquina fotográfica podem dissuadir os potenciais caçadores furtivos. Países como o Botswana, que têm uma forte orientação para a conservação, atraem turistas que estão ansiosos por ver rinocerontes, elefantes e outros animais.
Parceria com grupos da sociedade civil. Os governos têm tido sucesso na colaboração com instituições de caridade e grupos ambientais que protegem espécies ameaçadas. Estes esforços dos sectores público e privado podem pressionar os países de destino a reforçar a aplicação da legislação.
Processar agressivamente os traficantes de animais selvagens. “Coordenar investigações transfronteiriças e reunir as provas necessárias é complicado,” refere a Mongabay. “Os crimes contra a vida selvagem não são, muitas vezes, considerados prioritários pelas agências de aplicação da lei ou pelas autoridades judiciais.” Outros peritos afirmam que a acção penal só pode ser tão boa quanto a integridade dos sistemas judiciais e o profissionalismo no tratamento das provas. O grupo de defesa da vida selvagem concluiu: “A corrupção e/ou a falta de aplicação adequada da lei permite que o crime organizado e o terrorismo ganhem terreno em alguns países e alimenta o comércio de marfim.”