EQUIPA DA ADF
A China lidera a maior frota de pesca em águas longínquas (PAL) do mundo, possui o pior registo de pesca ilegal, não reportada e não regulamentada (INN) do mundo e a sua tripulação é conhecida por cometer abusos contra trabalhadores estrangeiros, de acordo com a Fundação para a Justiça Ambiental (EJF).
Um relatório da EJF divulgado em Março oferece a primeira análise global da PAL da China. O mesmo baseia-se numa análise de dados limitados das pescas da própria China, que o país disponibilizou recentemente. A frota de pesca da China tem como alvo as águas africanas, especialmente o Golfo da Guiné, durante décadas.
“As embarcações chinesas possuem as mais elevadas taxas (não apenas números de casos generalizados) de alegada pesca INN e abusos,” Max Schmid, director de operações da EJF, disse ao site de notícias Mongabay.com. Schmid acrescentou que é “extremamente importante” que a China abrace a transparência e as melhorias regulamentares para reformar as suas frotas.
O relatório identificou mais de 300 infracções pesqueiras confirmadas e 240 suspeitas, entre 2015 e 2019, uma série significativa de violações de direitos humanos e práticas de pesca destrutiva — como o arrasto de fundo — cometidas por embarcações chinesas.
Em África, as frotas de arrasto de fundo da China capturam aproximadamente 2,35 milhões de toneladas de peixe por ano, avaliadas em mais de 5 bilhões de dólares, de acordo com a EJF. Para além de roubar o alimento e os rendimentos do continente, o arrasto de fundo destrói os ecossistemas que os peixes precisam para sobreviver e indiscriminadamente captura todas as formas de vida marinha.
Os arrastões chineses também, muitas vezes, praticam a “saiko,” o transbordo ilegal de peixe no mar.
Em 2017, a saiko retirou 100.000 toneladas de peixe das águas ganesas, lesando o país em milhares de dólares em rendimento e ameaçando a segurança alimentar e os postos de trabalho, de acordo com a EJF. A fundação também comunicou que 90% dos arrastões envolvidos em saiko no Gana são de proprietários chineses, geralmente através de empresas fictícias locais.
Membros da tripulação ganeses a bordo de embarcações chinesas vieram a público este ano com denúncias de abusos perpetrados por capitães chineses e membros da tripulação. Todos os 10 membros da tripulação entrevistados pela EJF tinham experimentado ou testemunhado abuso físico perpetrado pelos capitães chineses. Cada membro queixou-se de péssimas condições de vida nas embarcações e disse que eram obrigados a comer alimentos com baixo teor nutricional e a beber água não potável.
A intrusão da China nas águas ganesas teve um efeito catastrófico sobre as mais de 200 aldeias costeiras que dependem da pesca como a sua fonte primária de rendimento. Houve uma redução no rendimento médio anual de até 40% por canoa artesanal nos passados cerca de 15 anos, de acordo com a EJF.
Devido à sobrepesca ilegal, as unidades populacionais de peixe do Gana encontram-se em declínio acentuado. As suas pequenas unidades de peixe pelágico — aquelas que vivem próximo da superfície como a sardinela — reduziram em 80% nas últimas duas décadas. Uma espécie — a sardinela aurita — já se encontra em colapso total.
Os pescadores artesanais da Serra Leoa culpam as frotas estrangeiras de dizimarem as unidades populacionais de peixe daquele país. Até Julho de 2018, as empresas chinesas detinham 66 embarcações que operavam na Serra Leoa, de acordo com um comunicado da embaixada chinesa.
A redução das unidades populacionais de peixe obriga os pescadores locais a irem mais distante no mar, gastando dinheiro valioso em combustível, mas, muitas vezes, regressando com pouca ou nenhuma captura. O presidente serra-leonino,Julius Maada Bio, disse que a pesca ilegal lesa o país em cerca de 50 milhões de dólares por ano.
Saio Kamara, o presidente da associação de jovens na região costeira de Tamba Kula, disse que os pescadores locais estão cansados da situação.
“Quando eles vêm com as suas redes e capturam esse peixe, nós não podemos obter a nossa captura,” disse Kamara à Mongabay. “E isso significa que estamos a gastar todo o nosso dinheiro para ir ao mar para nada.”
O relatório da EJF apelou a China para garantir a maior transparência em relação à verdadeira pose das suas embarcações, registar dados correctos das capturas, actualizar a informação sobre os crimes marítimos cometidos pelas suas frotas, trabalhar para lidar com abusos laborais e abolir os subsídios governamentais que financiam as frotas até 2023, entre outras recomendações.
É pouco provável que a China dê ouvidos, Whitley Saumweber, professor de assuntos marítimos e membro sénior da Iniciativa de Transparência Marítima da Ásia, disse à Mongabay.
“Mas se pudermos convencê-los que um compromisso com a transparência e padrões globais para a sustentabilidade são para o seu melhor interesse, isso teria um efeito transformador sobre o mercado global e um impacto em cascata sobre o comportamento de outras frotas,” disse Saumweber.