EQUIPA DA ADF
Tanyuy Etienne é um especialista em saúde mental que trata vítimas de violência baseada no género na região noroeste dos Camarões, onde a guerra civil continua no seu sexto ano.
Ele diz que já tratou 30 mulheres e raparigas — algumas com apenas 9 anos de idade — que foram violadas pelas forças de segurança ou por membros de grupos armados.
“Muitas pessoas estão a viver com perturbações de stress pós-traumático devido à crise,” disse à The Associated Press.
As execuções sumárias, as violações e a tortura são alguns dos abusos de que são vítimas os civis às mãos das forças de segurança, dos separatistas anglófonos e das milícias, segundo um novo relatório da Amnistia Internacional.
“Ninguém está a levar a sério a situação, pelo menos não o suficiente em relação à escala das violações dos direitos humanos cometidas,” Fabien Offner, investigador sénior da Amnistia, disse à The Associated Press.
Embora a crise dos Camarões tenha surgido das tensões da era colonial entre a minoria anglófona e a maioria francófona, o conflito intercomunitário agravou o caos. Os especialistas concordam que se trata de uma emergência que necessita urgentemente de atenção a nível mundial.
O Conselho Norueguês para os Refugiados incluiu, pelo quarto ano consecutivo, o conflito anglófono nos Camarões na sua lista das 10 crises de deslocação mais negligenciadas.
Entre 715.000 e 1 milhão de civis nas duas regiões anglófonas foram deslocados desde que os separatistas começaram a travar uma insurreição de baixa intensidade no final de 2017. Em Maio, o Centro Global para a Responsabilidade de Proteger confirmou o número oficial de pelo menos 6.000 mortos.
Os analistas afirmam que os números reais são provavelmente muito mais elevados, uma vez que os combates têm aumentado constantemente nos últimos anos.
Sem sinais de potencial paz nas regiões noroeste e sudoeste, o cientista político Chris W. J. Roberts comparou as condições nos Camarões às que conduziram à guerra civil no Sudão.
“Com uma crise de sucessão iminente, uma guerra interminável nas fronteiras, um partido governamental dividido em facções e forças de segurança fragmentadas, os Camarões enfrentam riscos semelhantes,” escreveu num artigo de 6 de Julho para a revista Foreign Policy.
“É possível que surjam lutas semelhantes no seio do partido no poder, com as facções a recorrerem a diferentes elementos dos serviços de segurança para apoiarem as suas reivindicações.”
O Presidente Paul Biya completou 90 anos de idade este ano, e o futuro político incerto do país poderá acrescentar uma tensão significativa ao status quo.
Raoul Sumo Tayo, especialista em defesa e professor convidado da Universidade de Maroua, apela às autoridades camaronesas para que se empenhem mais na pacificação e na protecção de todos os cidadãos.
“Não é aceitável que as pessoas não se sintam seguras perto do exército nacional,” disse à televisão France 24.
De acordo com um relatório da Amnistia Internacional, o exército camaronês parece ter recrutado “grupos de vigilantes” da comunidade Mbororo Fulani seminómada para ajudar na sua luta contra os rebeldes anglófonos.
Os separatistas, por sua vez, têm como alvo os Mbororo Fulani.
Os assassinatos por vingança são comuns nas regiões anglófonas e os civis são apanhados no fogo cruzado, disse Etienne, descrevendo as milícias de vigilantes como “muito hostis para com a população, cometendo actos como violação, tortura, morte e outras atrocidades.”
No seu relatório, a Amnistia Internacional criticou o governo por agravar a crise: “O governo anunciou a abertura de investigações sobre as violações dos direitos humanos cometidas por elementos das forças armadas. No entanto, em muitos casos, não foram divulgadas mais informações, o que suscita preocupações quanto à impunidade.”
Samira Daoud, directora regional da Amnistia Internacional para a África Ocidental e Central, lamentou o fluxo contínuo de armamento pesado para uma situação já deteriorada.
“Exortamos os parceiros internacionais dos Camarões a efectuarem avaliações rigorosas dos riscos em matéria de direitos humanos antes de enviarem mais armas e a controlarem a sua utilização final, a fim de garantir que a assistência militar não contribua para novas violações dos direitos humanos,” disse num comunicado.
“Sempre que existam provas credíveis de que as armas estão a ser desviadas para grupos armados acusados de cometer crimes graves, a prestação dessa assistência militar deve ser suspensa.”