EQUIPA DA ADF
Vários milhares de pessoas reuniram-se nas bancadas do Estádio Barthelemy Boganda, na capital da República Centro Africana (RCA), Bangui, para assistir a um filme russo chamado “Touriste.”
De acordo com a imprensa russa, “Touriste,” que foi filmado na RCA, foi financiado por Yevgeny Prigozhin, um oligarca próximo ao presidente russo, Vladimir Putin. Prigozhin também é alegadamente o financiador e director do assombroso grupo paramilitar, Grupo Wagner, que os especialistas acreditam que seja uma ferramenta da política estrangeira russa.
Exibir um filme num estádio cuja lotação não estava nem sequer a um quarto da sua capacidade pode parecer insignificante, mas o evento incluiu vários oficiais de alto nível do governo a proferirem discursos pro-Rússia. Especialistas afirmam que é apenas uma parte de uma campanha de propaganda nacional que está a ser levada a cabo na RCA.
Centenas de participantes receberam camisetes recentemente estampadas com a imagem de um cartaz do filme. Várias pessoas foram entrevistadas para vídeos das redes sociais pro-Rússia depois do show.
“Touriste” glorifica e desenha a história de um soldado russo que ajuda a combater a ofensiva rebelde na RCA dias antes das eleições, em Dezembro de 2020. Notavelmente ausentes estão as execuções, torturas e abusos de que os operativos russos foram acusados.
Jack Margolin, director de programas do Centro de Estudos Avançados de Defesa, disse que a propaganda disfarçada de filme de acção possui uma intenção subtil.
“Parece um filme feito para a televisão, mas o seu propósito fundamental é valorizar e fornecer narrativas abrangente para falar sobre o que os mercenários russos estão a fazer, por que eles estão nesses países de África, quais são os interesses da Rússia e como eles realmente ajudam as pessoas no terreno,” disse à Voz da América.
O filme também apresenta os soldados da manutenção da paz, das Nações Unidas, como sendo incompetentes e os franceses como neocolonialistas desonestos — o mesmo tipo de propaganda que o Facebook ligou a Prigozhin e o removeu, em Dezembro de 2020.
Alexander Ivanov, o representante oficial dos formadores militares russos na RCA, que também alegadamente possui ligações próximas com o Grupo Wagner, apareceu na tela, num segundo filme de propaganda em Bangui, em finais de Janeiro de 2022.
Com o título “Granite,” o filme fala sobre a incursão de uma empresa militar privada na província moçambicana de Cabo Delgado, em 2019. Também inspirado na história verídica do Grupo Wagner que lutava contra insurgentes e apresenta falsamente uma missão bem-sucedida, quando na realidade foi uma derrota e uma retirada humilhantes por parte dos mercenários russos.
Embora a Rússia procure glorificar os seus combatentes num filme, ela deu passos significativos para esconder a sua existência em outros lugares.
O governo da RCA e o Kremlin recusam a existência do Grupo Wagner, mas o país cercado de terra, no centro de África, recentemente encontrou-se envolvido num ataque relâmpago coordenado de desinformação russa.
Mattia Caniglia, um membro do Conselho Europeu de Relações Estrangeiras, disse à ADF que os esforços de guerra concertada de informação da Rússia estão directamente ligados à sua ambição de expandir a sua presença em África.
“O Kremlin está centrado em avançar as parcerias entre a imprensa estatal russa e a imprensa africana,” disse Caniglia. “Isso é muito mais perigoso porque eles não são tão óbvios, mas estão a ter um grande impacto em pressionar narrativas que são mais subtis.”
As campanhas de desinformação direccionadas são destinadas a distrair e encobrir as alegações de atrocidades e violações de direitos humanos cometidas pelas empresas militares privadas russas.
Desde que foram destacados para a RCA, os operativos russos centraram-se na imprensa local. O que começou com cartazes pro-Rússia e panfletos distribuídos nas ruas de Bangui evoluiu para o financiamento e uso da rádio e das redes sociais como armas de propaganda.
O antigo oficial da inteligência russa, Valery Zakharov, que foi nomeado pelo presidente da RCA, Faustin-Archange Touadéra, como conselheiro presidencial sobre a segurança nacional, no início de 2018, trouxe especialistas em propaganda e em comunicações políticas.
Em Bangui, sabe-se que Zakharov paga jornalistas locais para escreverem artigos pro-Rússia.
Um site da internet de recrutamento do Grupo Wagner, que surgiu pela primeira vez em Novembro de 2021, foi recentemente ligado à capital da RCA numa investigação do site da France24.
“Existem muitas pequenas pistas que indicam que provavelmente o site Join-Wagner seja uma mini-operação levada a cabo por um maior ecossistema de Prigozhin,” investigador Colin Gérard disse à France24. “É sempre complicado descobrir exactamente quem está por detrás destas acções, mas esta não é a primeira vez que eu vi estes canais de imprensa a agirem como canais de informação que servem os interesses de Prigozhin.
“Em termos gerais, um esforço de propaganda como este é levado a cabo para apoiar algum tipo de acção política. Este é o caso da República Centro-Africana com Lobaye Invest, uma empresa de mineração detida por Prigozhin. Esta empresa patrocina a estação de rádio da República Centro-Africana Lengo Songo.”
As imagens do site de recrutamento são semelhantes ao poster do filme “Touriste.”
Filmes de acção baratos não são a coisa mais perigosa que está a acontecer na RCA, mas são a prova de uma imagem maior.
“É algo chocante para os inimigos da Rússia assistirem? Sim,” disse Caniglia. “Será que nos diz alguma coisa sobre o quão organizados estes esforços de [desinformação] estão? Sim.”