EQUIPA DA ADF
Sentada no pátio de terra ocre da sua casa em Pala, no sudoeste do Chade, Béatrice Naguita olhava fixamente para a distância enquanto contava a sua provação de Abril de 2023.
“Por volta da uma da manhã, homens armados entraram na casa do meu pai e raptaram-nos com o meu primo,” a aluna de 22 anos disse à Agence France-Presse. “Durante duas semanas, como prisioneiros no mato, enquanto o meu pai juntava a quantia exigida, fomos torturados. Como mulher, perdi a minha dignidade.”
Para as pessoas que vivem na região da tríplice fronteira, onde o sudoeste do Chade e o noroeste da República Centro-Africana (RCA) se encontram com a região norte dos Camarões, a área tornou-se uma colmeia de crime conhecida como “o Triângulo da Morte.”
A combinação de fronteiras porosas e forças de segurança centradas no terrorismo na região do Lago Chade, a norte, faz da área um paraíso para os criminosos, onde os raptos dispararam nos últimos anos.
Nestor Déli, de 51 anos, jornalista que escreveu dois livros e vários artigos sobre a onda de sequestros nas últimas duas décadas, disse que o Triângulo da Morte está fora do controlo do Estado.
“O Estado parece mais preocupado com as rebeliões no norte e considera isto um epifenómeno,” disse à Agence France-Presse.
A análise de Déli reflecte-se nos habitantes da zona, que sentem que não têm alternativa senão organizarem-se em grupos de vigilantes. Amos Mbairo Nangyo, de 35 anos, coordena um dos grupos.
“Somos como agentes de informação civil,” disse à AFP. “Somos os olhos e os ouvidos do governador e das forças de segurança, a quem transmitimos as informações.”
Barka Tao, coordenador de uma organização não-governamental local chamada Organização de Apoio a Iniciativas de Desenvolvimento, disse que o número de vítimas de rapto é difícil de conhecer porque muitas não são comunicadas às autoridades policiais.
“Algumas pessoas recusam-se a falar por medo de represálias, mas em 20 anos podem ter sido cerca de 1.500 vítimas,” disse à AFP.
Déli disse que as origens do problema remontam às incursões para a captura de escravos que despovoaram a região nos tempos pré-coloniais.
“O primeiro caso registado data de 2003,” disse ao jornal francês Le Monde. “A partir dessa data, as guerras civis da República Centro-Africana e do Sudão favoreceram a circulação de armas e de combatentes nas zonas fronteiriças do Chade.”
O Triângulo da Morte estende-se desde Mayo-Kebbi Ouest e Logone Oriental, no Chade, e Lim-Pendé, na RCA, até à região norte dos Camarões. Déli descreve a região como isolada, subdesenvolvida e ausente de autoridades estatais — um refúgio ideal para traficantes de drogas e de armas e bandidos desvairados conhecidos desde a décade de 1980 pelo termo genérico “zaraguina.”
“Hoje, os raptos ocorrem em plena luz do dia, por vezes, até no centro das cidades,” disse Déli. “Os seus autores hesitam cada vez menos em desfazerem-se de reféns cujos pais são lentos a pagar.”
Remadji Hoinathy, um investigador da África Central e da Bacia do Lago Chade, baseado na capital do Chade, N’Djamena, e que trabalha para o Instituto de Estudos de Segurança, concordou com Déli que “a geografia e mesmo a demografia e antropologia daquela zona” ajudaram a torná-la um centro de raptos e de recrutamento para grupos armados.
“Muitas pessoas no Chade [cresceram] com rebeliões [e aprenderam] que a única vida que têm é uma ligação às armas,” disse ao jornal britânico The Guardian. “Estão a encontrar formas de viver pelas armas … ou se é rebelde [ou] com o exército, ou se acaba como mercenário, raptor, no banditismo ou no Boko Haram.”