EQUIPA DA ADF
Doze anos atrás, o Dr. Andrew Rhyne, um biólogo marinho e especialista em matérias de tráfico de produtos provenientes da fauna bravia, estava a tentar descobrir uma melhor forma de rastrear os peixes de aquário que eram importados para os Estados Unidos.
O sistema não foi capaz de manter-se a par devido ao volume comercializado. Cerca de 130 funcionários dos Serviços Pesqueiros e Fauna Bravia tinham de inspeccionar centenas de milhares de carregamentos de todos os tipos de animais. A maior parte desse trabalho exigia referência cruzada manual de informações sobre documentos de envio, com pessoas e empresas em listas negras por causa de delitos anteriores. Também exigia certificar que o peixe do carregamento correspondia àquilo que foi declarado. Com cerca de 40.000 espécies marinhas para rastrear, esta não era uma tarefa fácil.
“Existem tantas coisas que chegam para atravessar a fronteira, e os inspectores não têm tempo,” Rhyne disse à ADF. “Estamos a pedir que eles saibam sobre tudo e tentem descobrir coisas ilegais que ali estiverem.”
Rhyne e os seus co-criadores desenvolveram o Nature Intelligence System (NIS), que digitaliza documentos e utiliza logaritmos para examinar o histórico do comprador e do vendedor. Faz a referência cruzada destas pessoas com registos criminais e examina vários outros dados para certificar que os carregamentos sejam provavelmente a espécie e a quantidade correctas, e ainda se são realmente originários do país que afirmam ser.
“Se tiver este volume enorme de informação, basicamente estará a tentar procurar uma agulha no palheiro,” disse Rhyne. “Por isso, o nosso sistema essencialmente foi feito para aliviar a enorme quantidade de documentação que as agências agora possuem.”
O sistema ajuda as agências a utilizarem os seus recursos limitados, inspeccionando apenas os carregamentos que são mais propensos a serem ilegais. Isto é importante, uma vez que, em média, os inspectores têm tempo para verificar apenas cerca de 10% de todos os carregamentos que passam pelas alfândegas. O Aeroporto de Heathrow, em Londres, sozinho processa 28 milhões de animais vivos por ano.
Os traficantes tiram vantagens desta falta de capacidade para movimentar animais vivos ou partes de animais sem fazerem muito esforço para os esconder. Eles acreditam que a vantagem está do seu lado.
“Os agentes recebem muitas coisas, e nós pedimos que eles identifiquem 20.000 espécies de coisas e derivados,” disse Rhyne. “É tão injusto pedir que um ser humano saiba de todas as coisas, por isso, o computador faz mais ou menos isso para eles.”
O sistema venceu o Wildlife Crime Tech Challenge (Desafio de Tecnologia do Crime contra a Fauna Bravia), em 2016, promovido pela Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional. Rhyne espera que o mesmo possa ser adoptado de forma mais ampla.
O NIS é apenas uma forma através da qual as agências de cumprimento da lei estão a ganhar vantagem sobre os criminosos, através do uso da aprendizagem automática e de outras tecnologias.
Examinando das Redes Sociais
O tráfico ilegal da vida selvagem ocorre abertamente nas redes sociais. Embora os mais proeminentes sítios das redes socias agora proíbam a venda de animais, os negócios continuam a ser feitos naqueles lugares, e os traficantes de forma bem descarada exibem as suas actividades.
Um estudo de 2020 feito pela Aliança para o Combate aos Crimes Virtuais descobriu que, apesar das restrições, os traficantes continuam a vender centenas de milhares de dólares em animais vivos ou partes destes no Facebook. A aliança afirma que 58% das páginas do Facebook envolvidas no comércio ilegal da vida selvagem utilizaram de forma clara a palavra “comprar,” “venda” ou “vender.”
A aprendizagem automática pode ajudar a identificar estes perpetradores. Um estudo feito pelos pesquisadores finlandeses, Enrico Di Minin e Christoph Fink, demonstrou que os algoritmos podem procurar por termos-chave, pessoas ou mesmo reconhecer espécies específicas em fotografias e vídeos publicados nas redes sociais. Os programas podem ser feitos para reconhecer animais pelo som que emitem nos vídeos.
“Todo o sistema pode ser automatizado para que os dados sejam extraídos directamente das plataformas das redes sociais,” escreveram os autores. “O conteúdo é filtrado e apenas o relevante é guardado para futuras investigações por um computador ou uma pessoa.”
Os sistemas de aprendizagem automática também podem ser programados para identificar palavras-código dos traficantes e padrões de viagens suspeitos. Por exemplo, se uma pessoa for encontrada nas redes sociais a movimentar-se de um lado para outro entre pontos de maior actividade de tráfico, essa pessoa pode ser marcada para investigação.
Uma vez que os traficantes tendem a associar-se uns aos outros, os desenvolvedores podem criar um algoritmo para analisar todas as fotografias de um suspeito traficante para obter a sua informação de contacto. Os perfis das redes sociais oferecem um tesouro valioso de informação, incluindo localizações, métodos e números de telefone.
“As pessoas envolvidas no comércio da vida selvagem, muitas vezes, têm perfis de Facebook abertos e exibem abertamente a sua riqueza,” Stephen Carmody, investigador-chefe da Wildlife Justice Commission (Comissão para a Justiça da Vida Selvagem), disse ao The Independent, um jornal do Reino Unido. “Eles são operacionalmente muito fracos. Eles não mudam de números de telefone de forma regular, encontram-se com os clientes nos mesmos bares ou restaurantes e não praticam a vigilância. Em vez do crime organizado, eu chamaria crime desorganizado [dos criminosos da vida selvagem].”
Melhor Óptica
Os avanços na tecnologia das câmaras significam maior capacidade das autoridades policiais em fazer a vigilância das fronteiras, estradas e reservas naturais. Mas a pergunta persiste: Como os investigadores podem classificar e categorizar estas imagens para descobrir dados valiosos e acabar com as actividades dos criminosos?
Uma resposta pode ser encontrada numa câmara do tamanho de um lápis com o suporte da aprendizagem automática. A instituição sem fins lucrativos RESOLVE desenvolveu o TrailGuard AI, em parceria com a empresa de tecnologia Intel. A câmara envia vídeos para um sistema que aprende a identificar animais, marca pessoas desconhecidas e capta outros sinais da caça furtiva.
Durante um teste de campo na Reserva Grumeti, na Tanzânia, a TrailGuard ajudou as autoridades a apreenderem 30 caçadores furtivos e a capturarem mais de 589 quilogramas de carne de caça. A equipa espera expandi-la para que seja utilizada em 100 reservas de caça em todo o continente.
“As enormes fronteiras dos parques e os terrenos irregulares fazem com que os fiscais, muitas vezes, se apercebam da caça furtiva quando já é muito tarde,” Eric Dinerstein, director de soluções da vida selvagem da RESOLVE, disse à Al-Jazeera. “A TrailGuard age como um sistema de alerta antecipado, fazendo a transição das equipas de fiscais para serem unidades totalmente móveis e de resposta rápida para que possam responder àqueles que pretendam ser caçadores furtivos e impedir os seus ataques.”
Enquanto os programas avançam, eles podem ser programados para reconhecer coisas como carcaças de animais ou armadilhas de caçadores furtivos. Alguns sistemas estão a desenvolver tecnologia preditiva que incorpora quantidades de dados para prever onde os caçadores furtivos podem atacar a seguir.
“Os algoritmos de reconhecimento de imagens podem analisar de forma rápida a vasta quantidade de dados ópticos que chegam em forma de correntes de vigilância e dar às equipas um alerta antecipado de qualquer ameaça para que elas possam responder,” escreveu o Royal Society no relatório “Science: tackling the illegal wildlife trade.” “Os algoritmos podem diferenciar a presença da vida selvagem e de seres humanos. Isso ajuda as equipas pequenas a compreenderem onde estão posicionados os animais selvagens e potenciais intrusos para que possam utilizar os seus recursos de forma eficaz.”
A aprendizagem automática também traz enormes possibilidades nos aeroportos e nos postos fronteiriços, fazendo com que seja possível classificar através das imagens de raio-X já captadas para procurar por partes de produtos provenientes da vida selvagem, como ossos.
Um projecto dirigido pelos pesquisadores da Universidade de New South Wales, na Austrália, foi capaz de utilizar tecnologia de raio-X para diferenciar espinhos de um animal criado domesticamente dum animal selvagem conhecido como equidna. Outras tecnologias estão a ser desenvolvidas para identificar itens como chifres de rinoceronte ou marfim quando estes aparecerem num raio-X.
Rhyne disse que já existe um reconhecimento global de que os agentes das fronteiras e os fiscais dos parques ficam transtornados com o âmbito do problema do tráfico. “Colocamos um fardo indevido sobre os inspectores da vida selvagem e sobre as agências reguladoras,” disse. “Eles não estão equipados para lidar com o que passa pelas fronteiras.”
Ele disse que é tempo de utilizarmos a aprendizagem automática como uma forma de resposta. Encorajou a todos os países, independentemente das suas dificuldades financeiras ou limitações tecnológicas, a procurarem parcerias que irão permitir que utilizem a tecnologia para combater o tráfico de produtos provenientes da fauna bravia. Existem empresas e grupos que estão ansiosos por juntar forças para combater este problema global. “Existe vontade suficiente no mundo para financiar e fazer isso,” disse Rhyne.
Como Funciona A Apredizagem Automática
Os programadores criam um algoritmo ou estabelecem regras, que ensinam a máquina a reconhecer uma imagem, palavra, som ou outros pormenores importantes. Enquanto a máquina recebe mais informação e um especialista humano identifica manualmente quais dados, como uma fotografia, são importantes e quais não são, a máquina pode melhorar a sua capacidade de identificar coisas importantes. Ela pode classificar nos vídeos ou nas páginas da internet de forma mais rápida do que um ser humano, poupando tempo. Também pode ser programada para captar pormenores imprevisíveis ao olho humano.
Medidas Para Acabar Com Os Crimes Contra A Vida Selvagem
Redes Sociais: Um algoritmo pode pesquisar as plataformas das redes sociais à procura de palavras-chave ou imagens relacionadas com o tráfico, a caça furtiva e a venda online de produtos provenientes da vida selvagem.
Vigilância: Câmaras emparelhadas com software de aprendizagem automática podem identificar caçadores furtivos, viaturas e animais nas reservas de animais selvagens, permitindo que os oficiais possam responder de forma mais rápida. Elas também podem detectar tiros de armas e outros sons.
Cumprimento da lei:
Os fiscalizadores das fronteiras podem carregar documentos das alfândegas para os programas e os algoritmos irão fazer uma verificação cruzada para certificar que não existam “sinais de alerta.” Isso significa verificar se os vendedores estão nas listas negras, garantir que o país de origem seja correcto e confirmar os pormenores, para ajudar os funcionários a determinarem se os animais que estão a ser enviados correspondem aos animais que estão na documentação.