EQUIPA DA ADF
O Coronel Alpha Yaya Sangaré exibiu um sorriso orgulhoso perante uma sala cheia de pessoas na Escola de Manutenção da Paz Alioune Blondin Beye de Bamako, Mali, no dia 24 de Fevereiro. A ocasião foi uma sessão de autógrafos do seu novo livro intitulado “Mali: O Desafio do Terrorismo em África.”
No entanto, quando a junta militar no poder descobriu partes do livro que criticavam as suas tácticas e abusos contra civis, emitiu um comunicado de imprensa a 1 de Março para o denunciar.
“Certos parágrafos deste livro contêm alegadas incriminações graves de violação de direitos humanos por parte das FAMa (forças armadas do Mali), com a cumplicidade da hierarquia militar, e de sabotagem contra o Estado do Mali,” lê-se no comunicado, que promete ainda que Sangaré “será sujeito aos regulamentos em vigor.”
No final do dia 2 de Março, homens não identificados, vestidos a civil, levaram Sangaré da sua casa em Bamako e fugiram com ele num veículo sem matrícula, disse uma fonte militar à Agence France-Presse.
“Foi certamente fora do processo normal de justiça,” o correspondente da Radio France Internationale, Serge Daniel, disse numa entrevista em vídeo.
O livro de 400 páginas de Sangaré, publicado em Dezembro de 2023, citava alegações feitas por grupos de defesa de direitos humanos sobre as forças armadas do Mali.
“Desde 2016, as FDS [Forças de Defesa e Segurança] comete abusos contra pessoas acusadas de pertencer a grupos terroristas,” escreveu, acrescentando que o pessoal do exército cometeu abusos “com a cumplicidade da hierarquia militar.”
A investigadora sénior da Human Rights Watch para o Sahel, Ilaria Allegrozzi, denunciou a crescente repressão da junta contra a dissidência, a oposição política e os meios de comunicação social.
“As forças armadas do Mali responderam a alegações de abusos graves perseguindo o denunciante em vez de resolverem os próprios abusos,” afirmou no site da sua organização. “As autoridades devem anunciar imediatamente onde o Coronel Sangaré está detido e libertá-lo em segurança.”
O Mali tem vindo a lutar contra múltiplas insurgências desde 2012, quando grupos armados associados à al-Qaeda e ao grupo do Estado Islâmico aterrorizaram o país e se expandiram pelo Sahel central.
As Nações Unidas e vários grupos internacionais de defesa de direitos humanos acusaram as tropas malianas e os seus parceiros mercenários russos de crimes de guerra na sua luta contra os insurgentes islamitas, incluindo execuções sumárias, tortura, violações de direitos humanos, violação e roubo.
O massacre mais mortífero em mais de uma década teve lugar na aldeia de Moura, no centro do Mali, em Março de 2022, quando mais de 500 civis foram executados. Num relatório divulgado em Maio de 2022, a ONU acusou o exército maliano e combatentes “estrangeiros,” mais tarde identificados como mercenários russos do Grupo Wagner, de serem os autores dos assassinatos.
Vários oficiais superiores do exército e ministros de transição estiveram presentes na sessão de autógrafos de Sangaré, incluindo o amigo de Sangaré, o Coronel Abdoulaye Maïga, que é Ministro de Estado da Administração Territorial do Mali e porta-voz do governo.
Horas antes da detenção extrajudicial de Sangaré, o governo enviou outro comunicado de imprensa para esclarecer que Maïga e os oficiais do exército estavam no evento “em privado e por razões sociais” quando “descobriram o trabalho incriminado na sala.”
Embora Sangaré não tenha sido visto nem ouvido falar desde o seu desaparecimento, Allegrozzi manifestou preocupação pelo seu bem-estar e apelou à protecção dos denunciantes no Mali.
“O Coronel Sangaré deu um passo corajoso ao optar por não permanecer em silêncio perante as violações de direitos humanos,” afirmou. “Este caso sublinha a necessidade de o governo proteger as pessoas que revelam publicamente irregularidades.”