EQUIPA DA ADF
A Iniciativa do Cinturão e Rota (ICR) da China promete enormes investimentos em portos em todo o mundo. Mas o custo ambiental e humano destes projectos apenas está a começar a ser compreendido, de acordo com novos relatórios.
Os portos construídos pelos chineses em Angola, Camarões, Costa do Marfim, Djibouti, Mauritânia e Moçambique tornaram-se exemplos de como este tipo de projectos pode prejudicar os ecossistemas aquáticos e as comunidades de pescadores artesanais, de acordo com um relatório dirigido pelo Centro de Políticas para o Desenvolvimento Global, da Universidade de Boston.
Os países africanos da costa do Atlântico — particularmente Angola, Camarões e Costa do Marfim — enfrentam o maior risco para as suas comunidades de pescadores locais devido aos projectos portuários. As comunidades de pescadores artesanais dos Camarões lideram aquela lista, de acordo com os investigadores.
A construção do Porto de Kribi, dos Camarões, financiado pelos chineses, destruiu uma famosa zona de praias juntamente com a comunidade de Lolabe, lançando as populações locais e o meio ambiente para a confusão.
Os planificadores podem evitar criar conflitos com as comunidades de pescadores artesanais, assegurando que estes residentes estejam incluídos nos projectos de desenvolvimento de portos. Isso pode garantir que aquelas comunidades estejam em melhores condições ou pelo menos não em piores condições, no fim do processo, disse Rebecca Ray, uma investigadora sénior, que trabalhou no relatório.
“Os portos classificam-se como o sector de mais alto risco para a construção costeira, por causa das muitas possibilidades de existência de impactos ambientais e sociais. Para além do barulho, da luz e de prejudicar o meio ambiente, devido à própria construção, eles também trazem potencial para mudanças significativas nos ecossistemas locais, através da introdução de espécies invasivas que se ‘acoplam’ nos navios que chegam e do esgotamento das unidades populacionais de peixe local, devido a novas frotas de pesca que podem vir a utilizar o porto,” disse Ray à Voz da América.
Apesar dos riscos para os ambientes marinhos e para os meios de subsistência locais, os líderes continuam a pressionar para criar acordos portuários.
O governo da Serra Leoa concordou, em 2021, em vender 100 hectares de uma zona turística famosa para um porto que o governo diz que irá albergar frotas de pesca de atum. Parte da área portuária proposta inclui uma lagoa que é um local de reprodução crucial para a vida marinha local. Os defensores da comunidade e ambientalistas classificaram o projecto como “um desastre humano e ecológico” que irá destruir florestas primitivas, o ambiente marítimo, juntamente com os meios de subsistência locais.
“Se for permitido que isso aconteça, tal irá colocar em perigo toda a segurança alimentar do país onde 80% da proteína é proveniente do peixe e a pesca artesanal é o sustentáculo da maior parte das famílias costeiras,” um grupo conhecido como Proprietários de Terras de Black Johnson escreveu numa carta aberta ao Presidente Julius Maada Bio, fazendo um apelo para que ele rejeite o projecto.
No início de 2022, Bio concordou em submeter o projecto à revisão ambiental ordenada judicialmente, mas os grupos da comunidade continuam preocupados.
“O governo precisa de ser cuidadoso com a forma como se compromete com este tipo de acordos e deve esclarecer este acordo de Black Johnson,” escreveu Med Sillah, em resposta a um artigo de opinião publicado no Sierra Leone Telegraph, que desafiava a proposta do porto.
O Porto de Nouakchott Friendship, da década de 1980, da Mauritânia, que foi reabilitado como parte da ICR, em 2018, esteve debaixo de fogo causado pelas comunidades locais, por trazer frotas de pescas chinesas que dominaram as tripulações de pesca artesanal locais e danificaram o meio ambiente, de acordo com Ray.
Em Angola e Moçambique, mais de 2.000 quilómetros quadrados de habitats marinhos encontram-se em alto risco devido ao desenvolvimento de portos, observa o relatório.
A reabilitação e expansão do Porto de Pesca da Beira, de Moçambique, colocou o meio ambiente marinho ao redor em risco numa extensão de 10 quilómetros, fazendo com que este seja um dos projectos mais prejudiciais, de acordo com o relatório do Centro de Políticas para o Desenvolvimento Global.
Ray disse que, no conjunto de dados existentes, este é o único porto desenvolvido de forma explícita para efeitos de pesca, dando-lhe o potencial de ter um impacto ambiental significativo.
Para reduzir o impacto ambiental e social dos projectos portuários chineses, exige-se que os países imponham maiores salvaguardas e estabeleçam padrões mais elevados.
“É importante deixar claro que todos os planificadores e credores independentemente da sua nacionalidade devem ter cuidado com os recursos naturais que servem de suporte para as comunidades tradicionais e as economias costeiras como um todo,” disse Ray à ADF.