EQUIPA da ADF
Durante séculos, estudiosos avaliaram formas de como preparar melhor os soldados para tomarem decisões éticas. Por que razão algumas unidades escolhem violar as leis, pilhando ou abusando os civis? Por que outros escolhem colocar a si próprios em risco para salvar uma vida? Num extremo, por que razão algumas tropas planificam e levam a cabo um golpe de Estado enquanto outras recusam-se com toda a firmeza ficarem envolvidos na política?
Para aqueles que tentaram moldar soldados éticos, tudo se traduz numa única palavra: profissionalismo. Alguns exércitos incorporam os altos valores da profissão enquanto outros não conseguem.
“É imperativo que as instituições do exército sejam profissionalizadas, através da formação e ensino para que o exército possa compreender o seu lugar na sociedade e compreender que possui um papel que é tão importante para manter a estabilidade do país,” General Robert Kibochi, chefe das Forças de Defesa do Quénia, disse à ADF.
Criar esta cultura profissional não é sempre fácil. Os exércitos utilizam estratégias diferentes para introduzir a ética na sua formação e criar uma cultura duradoura que enfatiza o respeito pelo Estado de direito.
Ensino Superior
As instituições de ensino militar profissional (EMP) podem ajudar a incutir uma cultura de ética no seio das forças armadas.
De acordo com um estudo do Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS), pode existir uma ligação entre as instituições de EMP e a prevenção de golpes de Estado. O estudo do ACSS concluiu que dos quatro países da África Ocidental que tiveram golpes de Estado desde 2020 — Burquina Faso, Chade, Guiné e Mali — nenhum deles possui um colégio de guerra ou colégio de defesa. Apenas o Mali possui uma escola de comandos e de pessoal militar.
Alguns profissionais militares acreditam que existe uma ligação entre os valores ensinados nestas instituições e o respeito pela ordem constitucional e o Estado de direito.
“O ensino militar profissional ajuda a moldar líderes estratégicos para terem habilidades de tomada de decisão e liderança estratégica,” disse o Brigadeiro-General Daniel Kuwali, comandante do Colégio de Defesa do Malawi. “Isso inclui as tropas sob o seu comando.”
Kuwali disse que os oficiais militares educados possuem as ferramentas necessárias para liderar unidades disciplinadas.
“Desta forma, tende-se a desenvolver um espírito de equipa ao tomar decisões que sejam transparentes e responsáveis. Vocês trabalham com uma equipa,” disse à ADF. “Os vossos soldados não podem ir pelas suas costas para assumirem o governo, porque eles vos respeitam. Eles têm formas de resolver os conflitos.”
Outros alertam contra a criação de uma ligação directa entre o EMP e a prevenção de golpes de Estado. Dr. Kwesi Aning, um professor visitante da Universidade de Uppsala, na Suíça, disse que o recente aumento nos golpes de Estado é um produto do fracasso da classe política, na África Ocidental, de cumprir as promessas e governar. Ele acredita que os golpes de Estado irão continuar até que isso seja corrigido.
“O EMP é necessário, mas ele não é o baluarte contra os golpes de Estado,” disse à ADF. “O reaparecimento de golpes de Estado é resultado da má governação dos Estados da África Ocidental e nós ainda não vimos o seu fim.”
Ética nos Treinos de Campo
A ética não é apenas aprendida e reforçada na sala de aulas. Tornou-se comum que os treinos anteriores ao destacamento de tropas e os exercícios de treinos de campo replicarem os cenários éticos do mundo real.
Num cenário de treino, um soldado pode estar cercado por uma multidão hostil. Num outro, ele pode ter de decidir entre ajudar as vítimas civis e neutralizar um alvo de alto valor.
“O objectivo é deixar o pessoal militar acostumado a envolver-se com estas reflexões morais dentro da execução de acções tácticas no campo, em meio a dificuldades, sob a pressão do tempo, temperatura e stress,” escreveu o Brigadeiro-General Benoit Royal, da França, no seu ensaio, “Ética Militar: Da Teoria à Prática.” “O comportamento do soldado em combate deve ser influenciado constantemente pelo espírito e pelos valores centrais que ensinamos.”
O melhor tipo de treino irá simular situações como privação do sono, curta janela de tempo e informação do campo de batalha incompleta.
“O pessoal militar é chamado a tomar decisões morais sob algumas das condições mais desafiadoras,” escreveram os investigadores Megan Thompson e Rakesh Jetly no artigo “Treino Ético no Campo de Batalha: integrando os cenários éticos em exercícios militares de campo de alta intensidade.”
Thompson e Jetly afirmaram que tais situações são eticamente turvas. Um soldado pode ter de decidir entre os valores conflitantes, indicando duas escolhas diferentes. Um soldado também pode confrontar uma situação em que qualquer escolha irá prejudicar os civis ou os camaradas. A decisão correcta raramente é óbvia.
“Em conjunto, esses factores criam ‘o ambiente psicologicamente ameaçador de combate,’” escreveram.
Mas se tal formação for limitada a módulos pré-destacamento ou exercícios anuais, não serão suficientes, afirmam os especialistas. Isso deve ser reforçado ao longo da carreira do soldado e ser mais complicado à medida que ele avança nos escalões.
No processo de manutenção da paz, disse Aning, os treinos devem ser um processo cíclico que incorpora lições aprendidas no terreno.
“Quando este treino é bem feito, ele torna-se uma situação de ganho para todos, quer para o país que contribui com tropas e as suas forças armadas quer para o país receptor, e posteriormente as lições podem ser passadas para outros,” disse Aning. “Eu sou um grande defensor e alguém que acredita na actualização do currículo, mas deve ser um currículo que é flexível, que responda às necessidades inconstantes do ambiente de manutenção da paz.”
Os formadores também devem colher informação sobre como o conhecimento é absorvido e utilizado no terreno. “Devemos desenvolver um ciclo de feedback,” disse Aning. “De que modo os soldados compreendem o que estão a ser ensinado? Como eles aplicam esse conhecimento? Como eles respondem ao feedback e como o utilizam como parte do processo de aprendizagem?”
Modelar a Ética
O comportamento ético não é apenas ensinado; ele é modelado. Muitos profissionais militares citam mentores como partes fundamentais do seu desenvolvimento profissional.
No seu Manual de Liderança, o Exército dos EUA encoraja relações de mentoria durante toda a carreira. Um grande inquérito de oficiais não comissionados e oficiais comissionados concluiu que 84% disse ter tido um mentor no decurso das suas carreiras. Estas não têm de ser necessariamente relações de superior-subordinado. Elas podem ser entre pares.
“Um conselheiro de confiança desempenha um papel significativo para moldar o carácter e o desenvolvimento de um soldado,” escreveu o Exército dos EUA. “Os mentores podem ajudar em estágios diferentes da carreira de um soldado; um soldado júnior que procura tornar-se um oficial não comissionado até quando estiver pronto para reformar-se para a vida civil.”
Aprender também não é um caminho de via única. “Os mentores também aprendem dos seus mentorados; um mentorado pode ser um líder e não sequer se aperceber,” disse Cris Arduser, gestor de programas do Programa de Apoio à Mentoria do Exército dos EUA. “Parte do que fazem os mentores é ajudar o mentorado a compreender as habilidades de liderança que ele já possui e como trabalhar com essas habilidades para criar o seu próprio estilo de liderança.”
Tratado Como um Profissional
Quando uma quebra no profissionalismo ou um lapso ético ocorre, geralmente não está isolado. Faz parte de uma falha sistémica. Os soldados que pilham ou aceitam subornos, muitas vezes, afirmam que não são pagos adequadamente. Os soldados que abandonam os seus postos ou recusam-se a seguir os comandos, por vezes, dizem não terem equipamento suficiente. E aqueles que subvertem a cadeia de comando afirmam que o processo de selecção para a promoção foi corrupto ou não é justo.
Nos países onde houve golpes de Estado, disse Aning, é comum que coisas como o recrutamento e a selecção estejam ligados à etnicidade e filiação política. Isso causa um efeito corrosivo no exército.
“Com o tempo, o ethos institucional fica prejudicado,” disse. “A tomada de decisões políticas e as afiliações começam a desempenhar um papel crítico. E, eventualmente, aquela relação orgânica entre a liderança política e o estabelecimento militar começa a quebrar-se.”
Um sistema quebrado pode levar a um comportamento não ético por parte do exército.
“Muita gente no exército começa a sentir como se aqueles que deviam estar a liderá-los não falam a seu favor,” disse Aning. “Ficam mais preocupados em falar com os seus mestres políticos. E quando esta quebra acontece internamente, no seio das forças armadas, os problemas de comando e controlo começam a quebrar-se, as questões de desrespeito pela autoridade civil começam a quebrar-se.”
Os investigadores da área de ética acreditam que o Estado pode possuir uma obrigação para com os seus soldados assim como os soldados para com o Estado.
“É confiado ao exército um poder violento pelo Estado que este defende,” escreveu Kula Ishmael Theletsane, da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul. “O Estado, por conseguinte, deve ser capaz de confiar ao seu exército a sua segurança. Quando o exército age sob a autoridade do Estado, a imagem do Estado também depende da reputação internacional do exército.”
O treino com ética ao longo da carreira ajuda os soldados a tomarem estas decisões, particularmente nas missões complexas de manutenção da paz, de prestação de ajuda humanitária e de combate aos insurgentes.
“Os líderes militares devem ser capazes de alternar cognitivamente entre aplicar força coerciva e empregar força restrita, entre garantir a segurança dos interesses do país e os interesses da comunidade internacional,” escreveu Theletsane. “A ética prepara os oficiais para liderarem as forças armadas em situações tão ambíguas como estas.”