EQUIPA DA ADF
Benson Njiru Ndwiga, de 22 anos de idade, e Emmanuel Marura Ndwiga, de 19 anos de idade, tinham acabado de abrir um talho com o seu pai, em Kianjokoma, no Condado de Embu, poucos dias antes de os irmãos quenianos desaparecerem.
Aquele dia, 1 de Agosto, foi bom para as vendas. Eles trabalharam até tarde no mercado, mas foram presos pela polícia por terem violado o recolher obrigatório daquele país, das 22 horas, devido à COVID-19.
Os familiares encontraram os seus corpos numa morgue dois dias depois.
Levantaram-se protestos em Embu. A polícia disparou balas reais para dispersar a multidão, tendo alvejado mortalmente uma pessoa.
Os quenianos estão num alvoroço causado pela COVID-19, mas o seu vitríolo não é motivado pelo vírus ou pelo confinamento obrigatório imposto pelo governo, tanto quanto é dirigido às restrições por parte dos agentes da polícia.
A morte dos irmãos, que resultou em acusação de homicídio a seis agentes da polícia, tendo galvanizado o público para se juntar aos activistas e aos funcionários do governo na exigência da reforma.
“Este caso é um dentre muitos que deixou chocada a consciência do país e expôs o grau de brutalidade da polícia do Quénia,” Director-Executivo da Amnistia Internacional no Quénia, Irũngũ Houghton, disse à ADF. “A custódia e as esquadras da polícia não podem ser espaços para extorsão, tortura e violência, e os agentes da polícia não devem transformar-se em carrascos.”
As forças coloniais britânicas criaram os Serviços Quenianos da Polícia em 1907. Leis, como a Lei da Ordem Pública, também datam desde o período colonial e hoje ainda capacitam a polícia para prender pessoas por ociosidade, vadiagem ou por protestar de forma espontânea.
No dia 27 de Março de 2020, para acabar com a propagação da COVID-19, o Quénia utilizou a Lei da Ordem Pública, e a polícia recebeu a tarefa de fazer cumprir as restrições do confinamento obrigatório nas principais cidades, assim como o recolher obrigatório que dura desde o anoitecer até ao amanhecer.
Nos primeiros 10 dias do recolher obrigatório, pelo menos seis pessoas morreram nas mãos de agentes da polícia, de acordo com a organização não-governamental internacional, Human Rights Watch.
“A polícia, sem justificação aparente, disparou e bateu nas pessoas que estavam nos mercados ou que regressavam para a casa vindo do serviço, mesmo antes do início do toque de recolher obrigatório,” a organização fez estas denúncias na sua página da internet.
O Presidente Uhuru Kenyatta abordou esta questão quatro dias depois em Nairobi.
“Gostaria de pedir desculpas a todos os quenianos por alguns excessos que ocorreram,” disse.
O Quénia adoptou as reformas, incluindo a criação, em 2011, da Autoridade Independente de Supervisão de Policiamento (IPOA) para investigar todas as mortes em que a polícia fez uso da força.
Alguns agentes culparam as condições pobres e os salários baixos, enquanto outros centraram-se nos métodos de treino.
“Alguns destes agentes da polícia são muito jovens,” porta-voz da polícia, Charles Owino, disse numa entrevista televisiva, em Junho de 2020. “Eles podem facilmente ficar embriagados com o pouco poder que têm.”
A Amnistia Internacional do Quénia registou 166 mortes causadas pela polícia, em 2020, e pelo menos 15 das quais relacionadas com as ordens de confinamento obrigatório da COVID-19.
Aqueles números continuam a aumentar: 103 pessoas foram mortas pela polícia, de Janeiro a Agosto de 2021, de acordo com Missing Voices, uma coligação de organizações alinhadas para documentar mortes extrajudiciais e lidar com este problema.
A IPOA recebeu 1.324 queixas até Junho do presente ano.
Activistas chamaram as acusações de mau comportamento da polícia de “uma pandemia gémea” da COVID-19.
Kenyatta apelou a unidade e exigiu respostas para o caso dos irmãos Ndwiga.
Uma investigação feita pelos assuntos internos da polícia e outra feita pela IPOA indicam que três agentes estavam na parte traseira da viatura da polícia com os irmãos juntamente com outras oito pessoas que também tinham sido presas por violar o recolher obrigatório.
Os agentes acusados afirmam que os irmãos morreram quando saltaram da viatura em movimento, mas a família diz que as evidências da autópsia provam o contrário.
Houghton, da Amnistia Internacional, elogiou a rapidez da investigação e pressionou a IPOA para continuar a lidar com as queixas de violação dos direitos humanos.
Ele não questiona a viabilidade das restrições da COVID-19. O seu foco é a responsabilização.
“Os confinamentos obrigatórios são uma ferramenta útil para lutar contra a propagação do coronavírus e funcionam na maior parte do mundo,” disse. “O problema é a falta de adesão às disposições constitucionais e regulamentares relacionadas com o uso da força e de armas de fogo. Devemos ter tolerância zero para agentes que brutalizam os civis por má conduta como estar fora durante o período do recolher obrigatório e não usar máscaras.
“A responsabilização requer que os agentes da polícia que infringem as leis sejam investigados e julgados, e a IPOA é uma parte central disso.”