EQUIPA DA ADF
Samuel Otoo e Alfred Ofore Kae lançaram a sua canoa de pesca artesanal nas águas de Jamestown, no Gana, antes do amanhecer.
Cerca de uma dúzia de colegas pescadores ajudaram-nos a arrastar a canoa para a margem quando regressaram ao meio da tarde. Só isso já é um trabalho árduo, e os homens pingavam de suor enquanto cantavam canções de trabalho da África Ocidental.
Otoo e Kae olharam para o que tinham apanhado — uma caixa de douradas e um pequeno balde de sardinelas — com um desapontamento frequentemente sentido.
“Há vinte anos, conseguíamos apanhar quatro ou cinco vezes mais,” disse Kae, de 42 anos de idade, ao jornal The Telegraph.
As unidades populacionais de peixe do Gana e de toda a África Ocidental têm vindo a diminuir há anos. Os pescadores ganeses e os analistas das pescas dizem que a frota de pesca em águas longínquas da China, a maior do mundo, é parcialmente responsável por esta situação. Os arrastões chineses podem capturar cinco vezes mais peixe num dia do que uma pequena frota de uma aldeia pode capturar num ano.
“Estão a roubar o que devia ser nosso,” disse um outro pescador de Jamestown ao The Telegraph.
A frota pesqueira chinesa é conhecida pelas suas práticas da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN), como a pesca de arrasto de fundo, que captura quantidades indiscriminadas de peixe e destrói ecossistemas essenciais para a sobrevivência da vida marinha.
De acordo com o Índice de Pesca INN, a China é o pior infractor de pesca ilegal do mundo. Entre as principais 10 empresas envolvidas na pesca ilegal, a nível global, oito são provenientes da China.
Devido à pesca predatória e a outras práticas ilegais, as unidades populacionais de pequenos peixes pelágicos do Gana, como a sardinela, diminuíram 80% nas últimas duas décadas, de acordo com a Fundação para a Justiça Ambiental (EJF). Uma das espécies, a sardinela aurita, encontra-se em colapso total, o que significa que as unidades populacionais de peixe estão em declínio acentuado.
Mais de 100.000 pescadores e 11.000 canoas operam no país, mas o rendimento médio anual caiu cerca de 40% por canoa artesanal nos últimos 15 anos, segundo a fundação. As reservas de peixe dizimadas fazem disparar os preços e provocam insegurança alimentar.
“Isso reflecte-se nas finanças das famílias,” disse Kae ao The Telegraph. “Estamos a ficar mais pobres.”
Para além de roubarem o peixe do país, as embarcações chinesas são conhecidos por destruírem os instrumentos de pesca utilizados pelos pescadores locais e por fazerem afundar as suas canoas.
“Colegas afogaram-se quando as suas canoas se viraram na esteira dos arrastões,” disse Otoo ao jornal. “Mas os chineses não se importam.”
Segundo a EJF, mais de 90% dos arrastões industriais que operam nas águas do Gana estão ligados a proprietários chineses que dependem de empresas ganesas fantasmas para contornar as leis nacionais que proíbem a sua actividade.
Os arrastões chineses que utilizam esta e muitas outras tácticas ilegais na África Ocidental tornaram a região no epicentro mundial da pesca ilegal.
Cerca de 20% do peixe capturado ilegalmente em todo o mundo provém de águas próximas da Gâmbia, Guiné, Guiné-Bissau, Mauritânia, Senegal e Serra Leoa, de acordo com um novo relatório da organização noticiosa Investigative Journalism Reportika, ou I-j Reportika.
Os arrastões de pesca pelágica chineses capturam cerca de 2,35 milhões de toneladas de peixe por ano na região, o que representa 50% do total das capturas chinesas em águas longínquas e vale cerca de 5 bilhões de dólares, informou a EJF.
O Gana tomou medidas para livrar as suas águas da pesca ilegal depois de a União Europeia ter emitido um “cartão amarelo” ao país em 2021, após ter concluído que o nível de desenvolvimento e de envolvimento do país contra a pesca INN era inadequado.
Um cartão amarelo é um aviso de que poderão ser impostas sanções se o país não melhorar os seus esforços para travar a pesca INN.
Em Marco de 2023, o Gana anunciou que tentará alcançar 100% de transparência na pesca industrial que opera na sua zona económica exclusiva até 2025. Para atingir esse objectivo, serão instalados nos barcos de pesca sistemas de monitorização electrónica, incluindo câmaras de vídeo, sensores remotos, sistemas de posicionamento global e discos rígidos, como monitores.