EQUIPA DA ADF
Justine Tinou recordou-se de quando a praia de Pointe-Noire, uma cidade portuária da República do Congo, ficava perfilada de sardinha, atum, tubarões e raias à espera de serem adquiridos, processados e vendidos.
Isso foi há cerca de 20 anos quando a indústria de pesca do país estava no auge. Actualmente, graças ao fluxo de entrada de arrastões industriais estrangeiros, a praia fica quase vazia no final do dia de pesca.
As espécies mais pequenas de peixe já há muito foram objecto de pesca excessiva e o número de tubarões e raias foi diminuindo drasticamente, ameaçando, desta forma, os meios de subsistência daqueles que dependem da indústria de pesca, esgotando uma fonte importante de proteína animal e prejudicando o ecossistema.
Pescadores locais disseram à BBC que as suas capturas agora são, na essência, de peixe juvenil — um sinal de que as práticas actuais de pesca são insustentáveis.
“A pesca artesanal já foi rentável, mas agora não é mais,” Tinou, que vende peixe defumado num mercado de Pointe-Noire, disse à BBC. “Os preços subiram devido à escassez de peixe. O tubarão e o atum — ambos andam mais escassos agora. Mesmo a sardinha, que antes era tão abundante, não se vê mais.”
O pescador local, Alain Pangou, disse que um barco artesanal podia capturar até 100 tubarões por dia. Depois, chegaram números cada vez mais crescentes de arrastões industriais.
“Estes dias é mais complicado,” disse Pangou.
A captura de tubarões e raias começou a intensificar-se por volta do ano 2000, motivado pela demanda por barbatanas no Leste e no Sudeste da Ásia, Jean-Michael Dziengue, oficial de programas da Associação La Bouée Couronne, disse à TRAFFIC.
“Houve trabalhadores de barcos asiáticos que começaram a ter interesse pelo comércio de barbatanas,” disse Dziengue, num filme produzido pela TRAFFIC, uma rede de monitoria de comércio de produtos provenientes da fauna bravia. “O tubarão passou a ser muito procurado no Congo. Existe toda uma indústria à volta de tubarões. A pesca de pequena escala encontra-se sob pressão. Por um lado, existem plataformas de petróleo e, por outro, a pesca industrial. Elas impedem as actividades dos pescadores de pequena escala.”
Embora a maior parte da carne de tubarão e de raia seja vendida e consumida internamente, quase todas as barbatanas são exportadas, muitas das quais retiradas de espécies identificadas pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e Flora Silvestres Ameaçadas de Extinção (CITES). Um estudo da TRAFFIC concluiu que não existe comprovativos de exportação que estejam em conformidade com os regulamentos da CITES.
Embora a China tenha registado um total de 131.594 quilogramas de barbatanas de tubarão secas provenientes do Congo, entre 2005 e 2019, não existem registos de exportação de barbatanas nos dados do sector de pescas a nível nacional ou nos dados das alfândegas, revelou o estudo. A China é o pior infractor das normas da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) e a suas frotas de pesca em águas longínquas são dominantes na África Ocidental.
As águas do Congo estão cheias apesar do decréscimo da população de peixe. Existe uma frota activa de mais de 110 embarcações industriais e aproximadamente 700 barcos artesanais ao longo dos 169 quilómetros da linha da costa do Congo, excedendo, em grande medida, a capacidade da zona económica exclusiva nacional de cerca de 30 embarcações industriais, demonstrou o relatório da TRAFFIC.
A crescente zona de exclusão do país, ao redor de plataformas petrolíferas, também reduziu o tamanho da zona destinada à pesca artesanal em quase dois terços, enquanto um fluxo de entrada de pessoas nas regiões costeiras do país fez com que houvesse mais pescadores artesanais no mar, noticiou a BBC.
Como em outras partes da África Ocidental, o Congo não possui recursos adequados de segurança marítima. Um estudo feito pela Sociedade para a Biologia de Conservação demonstrou que até um terço das pescas do Congo ocorrem em zonas proibidas e que os arrastões industriais estrangeiros representam cerca de 84% das actividades ilegais.
A contínua exploração excessiva de tubarões e raias pode ter efeitos devastadores a longo prazo. A sua perda pode causar um drástico desequilíbrio no ecossistema, que pode degradar os recifes de coral e destruir as algas marinhas que fornecem um habitat de estufa para os peixes juvenis, disse Steve Trent, director-executivo da Fundação para a Justiça Ambiental.
“Os tubarões e as raias são particularmente vulneráveis à sobrepesca porque eles tendem a apresentar um crescimento lento, alcançam tardiamente a maturidade sexual e possuem baixas taxas de reprodução,” disse Trent à ADF, num e-mail. “No mundo inteiro, um quarto de todas as espécies são classificadas como estando em perigo de extinção como resultado directo da sobrepesca.”
No ano passado, o ministério das pescas do Congo criou um centro de monitoria, controlo e vigilância, num esforço para reduzir a pesca INN.
Através de uma parceria com o CLS Group, uma empresa global de monitoria de pescas, as autoridades agora possuem maior acesso à informação sobre licenciamento das embarcações e melhores sistemas de monitoria que lhes ajudam a determinar em tempo real se as embarcações estão em zonas proibidas ou não.
“Devemos ter muita cautela quanto ao número de barcos de pesca,” Henri Djombo, Ministro da Agricultura, Gado e Pescas do Congo, disse num comunicado de imprensa. “Apenas os barcos com uma licença de 2020 têm a permissão de pescar. A administração deve garantir que estas disposições sejam respeitadas e fazer com que os barcos que operam nas águas marítimas congolesas cumpram a lei.”