EQUIPA DA ADF
Cerca de um ano antes do início das hostilidades entre os generais rivais do Sudão, um jacto privado aterrou num aeródromo de Cartum.
Membros das Forças de Apoio Rápido (RSF) foram ter com o avião durante a sua breve visita. Segundo os relatos, a bordo estava um pacote de tecnologia avançada de vigilância, conhecido como Predator.
Os membros das RSF, liderados pelo General Mohamed Hamdan “Hemedti” Dagalo, transportaram rapidamente o pacote para o seu reduto em Darfur, antes que pudesse ser interceptado pelas Forças Armadas do Sudão (SAF), lideradas pelo rival de Hemedti, o General Abdel Fattah al-Burhan.
De acordo com os investigadores da Lighthouse Reports, a tecnologia de vigilância tem “o potencial de fazer pender a balança do poder no Sudão, graças à sua capacidade de transformar os smartphones em informadores audiovisuais dos seus proprietários.”
Por detrás das explosões e dos tiros que têm abalado o Sudão desde o início dos combates a 15 de Abril, os generais rivais al-Burhan e Hemedti têm estado a travar outra guerra pela supremacia, desta vez, no ciberespaço.
E, tal como acontece com os combates físicos, os civis do país são as principais vítimas da guerra cibernética.
A aquisição do software Predator por Hemedti permite às RSF aceder a todas as informações de um smartphone-alvo sem que o proprietário se aperceba.
“A posse deste software pelas RSF representa uma grave ameaça para as pessoas do Sudão, especialmente para os activistas e defensores dos direitos humanos,” escreveu num relatório o Digital Rights Lab Sudan, um defensor da internet.
Desde o início dos combates, no dia 15 de Abril, os principais provedores de internet do Sudão, a MTN e a Sudatel, sofreram longos cortes. A MTN teve um apagão que durou 10 horas no dia 16 de Abril. A Sudatel seguiu-se-lhe no dia 23 de Abril, privando os civis do contacto com os seus familiares, bem como das notícias e informações que poderiam utilizar para escapar aos combates, organizar protestos ou prestar ajuda aos necessitados.
“Desde que o conflito eclodiu, as pessoas do Sudão têm recorrido às redes sociais para se manterem ligadas, garantir comida e água para as famílias presas, procurar rotas seguras para escapar à violência e partilhar actualizações,” afirmou Marwa Fatafta, gestora de políticas e defesa do Médio Oriente e África do Norte, do grupo de defesa dos direitos da internet, Access Now, num comunicado publicado no site do grupo. “Apelamos urgentemente às partes beligerantes no Sudão — e à comunidade internacional — para que garantam que a internet permaneça acessível durante estes tempos de incerteza.”
O fornecimento de energia eléctrica a Cartum tornou-se pouco fiável desde o início dos combates, o que poderá ser responsável por algumas das interrupções, segundo os especialistas. Mas o governo sudanês tem um longo historial de manipulação do acesso à internet e de utilização das leis de cibersegurança do país, redigidas de forma pouco rigorosa, para impedir protestos ou espiar os seus cidadãos.
Quando a internet no Sudão está a funcionar, os dois lados beligerantes inundam os meios de comunicação social e as redes sociais do país com desinformação destinada a prejudicar o outro, de acordo com Raghdan Orsud, da Beam Reports, que investiga a desinformação no Sudão.
Pouco depois do início dos combates, uma nova conta no Twitter anunciou falsamente, em Árabe, a morte de Hemedti e afirmou revelar um agente de al-Burhan a trabalhar numa estação de rádio controlada pelas RSF.
O falso anúncio da morte de Hemedti foi visto um milhão de vezes e partilhado mil vezes no Twitter, segundo o Middle East Eye.
Antes disso, uma conta real das RSF no Twitter afirmava que as SAF tinham transmitido mensagens imorais e utilizado a agência de telecomunicações do governo para violar a privacidade dos cidadãos sudaneses.
A campanha de propaganda das RSF inclui 900 contas sequestradas no Twitter, que estão a ser usadas para repetir material publicado por Hemedti e voltar a publicá-lo em Inglês, como parte de um projecto para o fazer parecer mais popular do que é, de acordo com o Digital Forensic Research Lab (DFRLab), do Atlantic Council.
“As contas seguiram um padrão semelhante: depois de permanecerem inativas por anos, muitas se tornaram activas novamente em Dezembro de 2022, publicando no Twitter uma sequência de caracteres retirados das páginas da Wikipedia e, em seguida, impulsionando tweets de Hemedti e das RSF,” disse o DFRLab num relatório.
As SAF e al-Burhan têm usado o que Orsud descreve como desinformação “tradicional” para conduzir a sua campanha de propaganda anti-Hemedti. Entre as mensagens de propaganda, incluem-se mensagens a elogiar os militares e vídeos falsos que alegam mostrar dinheiro a ser apreendido em casa de Hemedti.
Cada uma das partes utiliza as redes sociais e os meios de comunicação tradicionais para se apresentar como desejosa de uma solução política para a crise — desde que a outra parte baixe as armas.