EQUIPA DA ADF
Existe uma incrível quantidade de ouro por ser descoberto no Sahel.
Para além das minas industriais em grande escala daquela região, existem pequenas minas artesanais — centenas delas em Burkina Faso, Mali e Níger —, com pessoas, incluindo crianças, a praticarem a mineração do ouro, com simples ferramentas manuais. Um relatório de 2019, do Grupo Internacional da Crise, afirmou que mais de 2 milhões de pessoas nos três países trabalham nas minas artesanais de pequena escala.
Com tantas minas e mineiros, os três países não são capazes de os proteger de ataques e rusgas perpetrados por terroristas e assaltantes.
A região tornou-se no centro de um aumento do terrorismo, com milhares de pessoas a serem mortas e outras milhares obrigadas a fugirem das suas casas. Áreas enormes dos três países encontram-se sem autoridade governamental e sem policiamento.
Enquanto a violência se propaga, ela ameaça outros países, incluindo os Estados costeiros de Benin, Costa do Marfim, Gana e Togo.
Ayisha Osori, directora da Iniciativa de Sociedade Aberta para a África Ocidental, disse ao Financial Times que se os terroristas destruírem a segurança do Sahel, haverá um efeito dominó de insegurança, violência em massa … destruição de fronteiras à medida que os deslocados se espalharem pelo Sahel e para outros lugares.
As tácticas dos terroristas variam de fornecimento de protecção paga, passando pelas pequenas minas até às invasões das minas e das cidades mineiras.
Para os extremistas poderem expandir e tomar os seus territórios, eles precisam de dinheiro, e acredita-se que somente as minas artesanais do Burkina Faso produzam até cerca de 30 toneladas de ouro por ano. As minas artesanais geralmente situam-se nas zonas recônditas longe da cobrança de impostos pelo governo — assim como da sua protecção.
O ouro das minas artesanais, de acordo com o Financial Times, geralmente é contrabandeado para o país vizinho, Togo, onde é tributado a uma taxa mais baixa em comparação com o Burkina Faso. A partir dali é levado por via aérea para os Emirados Árabes Unidos para processamento. Geralmente, o ouro é transportado em bagagens de mão e levado por via aérea em voos comerciais. Um estudo de 2018 indicou que cerca de 20 toneladas de ouro saem de Burkina Faso para o Togo por ano.
As minas artesanais de ouro daquela região servem os extremistas em mais formas do que apenas dinheiro. Os próprios mineiros são pobres e trabalham sob condições terríveis e perigosas. Muitas vezes, são os extremistas que os recrutam. Muitos deles são apenas crianças, na sua maioria rapazes, abertos à manipulação.
As minas artesanais de ouro, muitas vezes, envolvem o uso de explosivos como a dinamite e os extremistas utilizaram algumas das minas para formar recrutas no uso de dinamite como uma arma.
Os terroristas da região não limitaram os seus ataques apenas a pequenas minas artesanais. Eles também atacaram camiões e colunas utilizadas pelas grandes empresas de extracção mineira. No Burkina Faso, no dia 29 de Outubro de 2021, os terroristas atacaram uma coluna de autocarros e camiões de fornecimento que transportavam 33 funcionários e contratados de uma empresa mineira canadiana, Iamgold. Foi o segundo ataque desta natureza a uma coluna da Iamgold em três meses, noticiou o jornal The Globe and Mail.
DOIS GRUPOS PRINCIPAIS
Existem dois grupos principais de extremistas que operam no Sahel. Um é o Jama’at Nusrat al-Islam wal-Muslimin (Grupo para o Apoio do Islam e dos Muçulmanos, ou JNIM), uma coligação de grupos insurgentes formada em 2017. Desde essa altura, o grupo expandiu o território das suas operações pela África Ocidental enquanto travava uma guerra contra civis, forças de segurança locais, exércitos internacionais e soldados de manutenção da paz das Nações Unidas.
O investigador Jared Thompson, escrevendo para o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, disse que o JNIM foi bem-sucedido em fazer uso das insatisfações locais ao expandir os seus territórios, “enquanto as respostas aos insurgentes não abordavam os impulsionadores políticos do conflito e facilitavam as violações dos direitos humanos.”
“Os ataques às forças de segurança e a violência contra civis perpetrados pelo JNIM provavelmente venham a continuar à medida que a violência dos insurgentes inflama as tensões das comunidades e as dinâmicas políticas entre os Estados sahelianos e os parceiros internacionais impedem que haja um caminho abrangente para a paz,” observou Thompson.
O outro grupo é o Estado Islâmico do Grande Sahara (ISGS), um grupo filiado ao Estado Islâmico. Este grupo foi particularmente violento contra civis, autoridades locais e forças de segurança internacionais. “O grupo provavelmente continue a representar uma ameaça para as comunidades locais e os Estados sahelianos na medida em que os esforços de combate ao terrorismo alienam os cidadãos e não são capazes de recuperar os territórios ganhos pelo ISGS,” observou Thompson num relatório de Julho de 2021.
Os dois grupos possuem objectivos semelhantes, incluindo a imposição da rigorosa Sharia. Os mineiros comunicaram que extremistas apareceram nas suas minas e os orientaram a deixarem crescer as suas barbas, encurtarem as suas calças e realizarem orações diárias.
Ambos grupos exploram as tensões comunitárias e a impossibilidade dos governos para intervir e garantir a segurança. Ambos levam reféns para obtenção de resgate, roubam gado e fornecem serviços de «protecção», incluindo o controlo de rotas de contrabando.
Thompson disse que os dois grupos já trabalharam juntos em pelo menos cinco ocasiões, mas tiveram uma separação no início do Verão de 2019. O grupo do Estado Islâmico encorajou o ISGS a ser mais agressivo ao lidar com o JNIM, que também teve deserções para o seu rival. O analista em matéria de segurança, Christian Nellemann, disse que os dois grupos estão a lutar para ganhar o controlo de locais de exploração mineira.
“A propaganda do Estado Islâmico inclui este conflito de forma proeminente, detalhando os ataques perpetrados contra as células do JNIM e encorajando activamente deserções do JNIM para o ISGS,” escreveu Thompson. “A profundidade do conflito sugere que, enquanto algumas células locais podem ser capazes de reduzir o nível de violência intra-jihadista, os dois grupos têm poucas probabilidades de reiniciar a colaboração da forma como foi observada em 2019.”
A COVID-19 piorou a situação. A pandemia encerrou os portos e as fronteiras em toda a África, o que reduziu o dinheiro e o fornecimento para ambos grupos. Isso, por sua vez, pressionou os extremistas a entrarem mais ainda para o mercado do ouro.
“A região de fronteira tríplice entre Burkina Faso, Mali e Costa do Marfim é caracterizada pelo contrabando e tráfico de armas de pequeno porte que acompanha os bens que são transportados através da Costa do Marfim para os centros comerciais do Mali e do Burkina Faso,” observaram Daniel Eizenga e Wendy Williams, num comunicado de imprensa de Dezembro de 2020, publicado pelo Centro de Estudos Estratégicos de África. “Esta região também está a desenvolver-se num novo centro de mineração artesanal do ouro.” Eles comunicaram que uma série de ataques, que iniciou em 2020, “combinados com a possibilidade de exploração de ouro, aumentou o risco de insegurança nesta região.”
Mahamadou Sawadogo, um analista em matéria de segurança, de nacionalidade burquinabê, disse, em Junho de 2021, que os extremistas tinham passado o ano anterior a expandir os seus territórios ao redor de Burkina Faso. “Independentemente de qual seja a região, o seu primeiro alvo é controlar as regiões de exploração mineira,” disse ao Financial Times. “É a sua principal fonte de rendimento e também um bom lugar para poderem recrutar jovens.”
Num estudo, o Grupo Internacional da Crise observou que a mineração artesanal do ouro está a alimentar a violência e as redes criminosas. O grupo concluiu que a única forma de acabar com os extremistas é aumentar a segurança sub-regional e internacional em todas as regiões mineiras.
SITUAÇÃO INADMISSÍVEL
Os investigadores observaram que a actual situação, em que os locais de mineração artesanal praticam a mineração com insuficiência ou inexistência de protecção de segurança, é inadmissível. O estudo recomendou que:
A mineração artesanal do ouro deve ser preservada por causa das suas “consequências positivas,” que incluem o fornecimento de empregos para os cidadãos que poderiam de outra forma ser obrigados a trabalhar com extremistas. Em alguns casos, os mineiros do ouro são extremistas reformados.
Nas regiões que possuem ouro, marcadas pela violência, os governos devem destacar as suas forças de segurança para estarem próximas dos locais ou formalizar o papel de grupos de segurança independentes a nível local. Tais necessidades de segurança não devem necessariamente ser destacadas para as minas de ouro especificamente.
Ao empregar grupos de segurança independentes, os governos precisarão de instalar mecanismos de supervisão para prevenir que tais grupos se tornem “elementos predadores.”
Os grupos dirigentes precisam de fortalecer os regulamentos sub-regionais e internacionais e melhorar a diligência para melhorar o controlo da produção do ouro, limitando a sua captura pelos extremistas violentos.
Os governos precisam de formalizar os processos de mineração, através da emissão de licenças de mineração do ouro e criação de pontos comerciais autorizados.
As autoridades devem conceder vantagens de impostos ou fornecer serviços básicos para demonstrar aos mineiros artesanais que o governo pode ajudá-los.
Os governos devem encontrar um equilíbrio entre a industrialização dos locais, geração de rendimento tributário e preservação das minas artesanais para que os trabalhadores continuem a ter empregos.
“Os Estados sahelianos devem encorajar a formalização das actividades da mineração do ouro, enquanto prestam atenção para não alienar os mineiros do ouro,” observou o estudo. “Eles devem redobrar os seus esforços para garantir a segurança dos locais de mineração do ouro e impedir que as forças de segurança ou as milícias aliadas se tornem elementos predadores. Os governos destes países e aqueles que compram o seu ouro devem fortalecer os regulamentos do sector.”