EQUIPA da ADF
Na câmara do Senado de Abuja, na Nigéria, quatro candidatos a chefes dos ramos do serviço militar defenderam, um de cada vez, a sua aptidão para o cargo. Cada um apresentou as suas credenciais e delineou uma visão para melhorar a segurança no país.
“Sob o meu comando, as forças armadas continuarão a servir o povo nigeriano de forma zelosa e em conformidade com a Constituição da República Federal da Nigéria e outras leis em vigor na federação,” o Chefe do Estado-Maior da Defesa, Major-General Christopher Musa, disse aos senadores, em Julho de 2023.
Em seguida, os senadores interrogaram os candidatos durante três horas antes de confirmarem os quatro.
Este pode parecer um processo banal, mas incorpora um princípio vital: o controlo civil das forças armadas.
O princípio de que os civis devem controlar os militares remonta a centenas de anos. Os países que adoptaram este princípio determinaram que um exército responsável e apolítico é o mais capaz de garantir a segurança sem cair na tentação de conquistar o poder.
Este e outros conceitos foram consagrados na Carta da União Africana de 2007, que apela ao “controlo civil constitucional sobre as forças armadas e de segurança para garantir a consolidação da democracia e da ordem constitucional.”
Apesar de uma série de golpes de Estado recentes, as sondagens mostram uma forte preferência pelo governo civil em todo o continente. De acordo com uma sondagem do Afrobarómetro de 2021, 75% rejeitam o regime militar e 69% preferem a democracia a qualquer outra forma de governo.
Nos países que exigem controlo civil, as decisões sobre a forma de definir as ameaças e desenvolver estratégias de segurança são tomadas por representantes eleitos do povo. Os civis também tomam decisões sobre a forma como o sector da segurança deve ser dotado de pessoal e financiado, disse o Dr. Ibrahim Wani, um diplomata ugandês que foi director da Divisão de Direitos Humanos na Missão da ONU no Sudão do Sul.
“Todas as decisões políticas fundamentais devem ser tomadas pela componente civil,” disse Wani durante uma palestra em 2022 no Centro de Estudos Estratégicos de África (ACSS). “O papel das forças armadas está definido de forma muito, muito específica. O seu objectivo é aconselhar as autoridades civis na formulação dessas estratégias e políticas.”
Wani apontou três mecanismos que solidificam este controlo:
Mecanismos formais: Os documentos, como a Constituição e a legislação da “lei da defesa nacional”, definem os deveres e os limites do poder militar. Os membros eleitos ou nomeados do conselho de segurança nacional, os órgãos legislativos e os membros do conselho de ministros, como o ministro da defesa, asseguram o respeito por estes documentos.
Controlo e supervisão: Os funcionários civis auditam e investigam as actividades e as despesas militares. As comissões parlamentares e os meios de comunicação social também desempenham um papel no controlo das forças armadas.
Normas e padrões profissionais: Através do recrutamento, do ensino militar profissional, da formação e da promoção, os militares incutem os valores fundamentais de uma atitude apolítica, de lealdade à Constituição e de subordinação à autoridade civil.
Uma Estrada Sinuosa
Durante a transição dos países, do colonialismo para a independência, o controlo civil total das forças armadas foi, por vezes, considerado o “marco esquecido” no caminho para um Estado funcional. Raramente se trata de um caminho recto. Países como o Gana e o Togo sofreram golpes militares nos seus primeiros anos pós-independência, quando presidentes civis tentaram controlar e reformar as forças armadas. Em 1987, metade dos países do continente estava sob regime militar. Muitas vezes, os militares consideravam a supervisão civil como um incómodo.
“Noutros países recém-independentes, o exército via o controlo civil como uma intrusão desnecessária na esfera de competência militar,” escreveu o Coronel Kemence Kokou Oyome, das Forças Armadas Togolesas. “Nem o exército nem as autoridades civis conheciam os seus respectivos papéis no novo contexto nacional.”
Ao longo dos anos, os países têm-se esforçado por reforçar o princípio do governo civil. A Constituição do Quénia de 2010 prevê que a segurança nacional esteja “sujeita à autoridade desta Constituição e do Parlamento.” Apela igualmente a medidas de integridade, responsabilização e controlo.
Na África do Sul, após a transição para a democracia, o país adoptou uma Constituição de 1996 que sublinhava o controlo civil, com comissões parlamentares multipartidárias a supervisionar todos os assuntos relacionados com a defesa e as informações.
Wani disse que o conceito é hoje amplamente aceite, embora, na prática, seja muito mais de cedências mútuas do que uma regra rígida e firme.
Quando os países procuram formas de reforçar as relações civis-militares, os peritos dizem que há várias áreas essenciais.
Colocar as forças de segurança em condições de cumprir os seus deveres constitucionais: As rupturas nas relações civis-militares podem ocorrer quando as forças armadas são utilizadas de formas que não estão previstas na Constituição. Judy Gitau, uma advogada queniana e coordenadora regional da Equality Now, disse que, muitas vezes, isso acontece em resposta ao terrorismo ou à instabilidade interna. As forças armadas são destacadas para o interior do país, muitas vezes, sem a aprovação da assembleia nacional, e são chamadas a assumir uma missão fora do seu mandato.
“A forma como as forças armadas estão estruturadas não se presta à aplicação da lei,” disse Gitau à ADF.
De acordo com a Constituição queniana, as forças armadas só podem ser mobilizadas a nível interno em caso de catástrofe natural ou de manutenção da paz. Nestes casos, o destacamento deve ser autorizado pelo parlamento e limitado a um período definido.
“As forças armadas servem um objectivo militar; as excepções estão previstas na lei, como por exemplo, as forças armadas podem usar a sua força em caso de conflito ou em caso de catástrofe,” afirmou. “É nessa altura que podem sair do quartel, mas não devem ser utilizadas para a aplicação da lei no dia-a-dia, porque não foram concebidas para isso.”
Demasiadas vezes, disse Gitau, é pedido aos militares que assumam funções que deveriam ser tratadas pela polícia, como sejam o controlo de multidões, a detenção de suspeitos e a recolha de provas.
“Uma vez que essa linha é ténue, torna-se fácil para a administração do dia usar ou mesmo abusar dos militares e quebrar as relações civis-militares como deveriam ser,” disse Gitau à ADF.
Melhorar a transparência: O controlo civil só é possível com o acesso à informação. A falta de transparência nos assuntos militares pode conduzir à corrupção. Um exemplo altamente publicitado são os pagamentos a “soldados fantasmas” que existem no papel, mas não na vida real.
“A informação é essencial para o exercício da supervisão civil por parte do executivo, do legislativo, do judiciário e dos cidadãos,” escreveu Godfrey Musila, investigador e antigo comissário da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos no Sudão do Sul.
Musila afirmou que, desde 2000, 19 países africanos aprovaram legislação que reforça o acesso à informação. Em 2012, a Comissão da UA para os Direitos Humanos e os Direitos dos Povos desenvolveu uma lei modelo para este efeito.
Ainda assim, Musila disse que o acesso à informação no sector da defesa está atrasado em relação a outras áreas do governo e dificulta a supervisão civil. Sem transparência, a corrupção pode florescer e as forças armadas podem ser utilizadas de formas que não são do interesse público.
“O desafio é que, na grande maioria dos Estados do continente, o sector da segurança funciona tradicionalmente numa cultura de secretismo,” escreveu. “A ‘segurança nacional’ é frequentemente invocada de forma incorrecta como uma consideração que se sobrepõe a tudo; uma vez invocada, levanta um véu que impede qualquer tipo de escrutínio do que o governo faz.”
Reforçar as instituições: Quando os soldados derrubam o governo, normalmente justificam as suas acções apontando uma liderança civil inadequada ou corrupta. Gitau disse que há uma necessidade desesperada de melhorar as instituições judiciais e democráticas para que os civis nunca sintam a necessidade de apoiar um golpe de Estado ou uma transferência de poder não democrática.
“Os sistemas devem funcionar, as pessoas devem saber que podem mudar nas próximas eleições e não precisam de sentir que a única salvação são os militares,” afirmou.
As comissões parlamentares que supervisionam o financiamento e os efectivos das forças armadas podem ser reforçadas. Em muitos países africanos, os parlamentos têm uma elevada taxa de rotatividade e não são vistos como um contrapeso credível ao poder executivo. O Dr. Ken Opalo, um académico nascido no Quénia que ensina na Escola de Serviço Externo da Universidade de Georgetown, acredita que uma supervisão parlamentar mais forte melhoraria a responsabilização do exército.
“Os parlamentares precisam de desempenhar um papel mais importante na supervisão do financiamento do sector da segurança nos seus países, mas também de contribuir para as políticas que o sector da segurança implementa, porque conhecem melhor os seus eleitores,” disse Opalo durante um fórum do ACSS sobre responsabilização.
Nos melhores casos, os parlamentares desenvolvem uma relação com os líderes militares que permite uma discussão bidireccional sobre as prioridades de defesa e as ameaças que o país enfrenta. “Isso exige confiança e um diálogo construtivo e empenhado, em oposição às posturas de confronto que são comuns em muitas legislaturas,” afirmou Opalo.
Quando funcionam correctamente, os oficiais militares oferecem aconselhamento e conhecimentos especializados, mas permanecem sob a supervisão de líderes civis que agem em nome do público. Isso conduz a prioridades de segurança que respondem às necessidades mais prementes do público.
“A mensagem aqui é o reforço das instituições para efeitos de responsabilização, governação e Estado de direito,” disse Gitau. “Desta forma, existem canais adequados e vias adequadas que permitem aos civis exprimir as suas opiniões, responsabilizar os líderes, mas, mais importante ainda, no que diz respeito às relações civis-militares, isso garante que eles continuem a ser o princípio e o exército continue a ser o agente.”