O Tenente-General Molla Hailemariam é comandante da força terrestre da Força de Defesa Nacional Etíope (ENDF). A sua carreira militar começou em 1981, quando se juntou à luta contra o regime de Derg, que governava o país. Depois do retorno da Etiópia ao governo civil em 1991, ele juntou-se aos novos militares como piloto e subiu para se tornar comandante da Força Aérea. Actuou como chefe de política e estratégia e chefe do sector de logística no Quartel-General da Defesa. Ele também comandou as Forças Especiais antes de ser promovido a comandante da força terrestre em 2019. Ele falou com a ADF durante a Cimeira das Forças Terrestres Africanas em Addis Abeba, um evento que a Etiópia foi co-organizador com o Exército dos Estados Unidos para África. A entrevista foi editada para se adequar a este formato.
ADF: A ENDF vem passando por uma reforma do sector de segurança para elevar os padrões de profissionalismo nos militares. Quais são os objectivos deste esforço de reforma?
Tenente-General Molla: Em África, o que enfrentamos é que a maioria dos sistemas de segurança é afiliada a partidos políticos. Isto não cria um ambiente propício à democracia. O foco principal da reforma na Etiópia é tornar os militares imparciais.
Tradicionalmente na Etiópia, a instituição de defesa tem sido associada a alguns partidos políticos. Mas a Constituição deixa claro que a força de defesa deve estar livre de qualquer influência política. Aconteceu algumas vezes no passado. Não intencionalmente, mas aconteceu.
O governo deixou bem claro que as instituições de defesa devem estar livres da influência de qualquer partido político. Isto reforçou o ambiente democrático do nosso país.
Estamos também focados na construção da imagem do nosso sector de defesa. Queremos torná-lo mais atractivo para a juventude e mais confiado pela nação. Temos uma boa tradição nas forças de defesa etíopes que até interagimos com a comunidade. Isso constrói a confiança.
Nos últimos anos, passámos por uma crise política, que foi muito desafiadora para os militares. Agora estamos quase a sair dela. O que queremos fazer é aumentar a aceitação e a confiança do público para que possamos atrair bons cidadãos para se juntarem às forças de defesa.
ADF: Poderá a ENDF ser uma força unificadora na Etiópia, ultrapassando barreiras étnicas, religiosas e regionais?
Tenente-General Molla: Sim, é um modelo. Abordar a diversidade e construir a unidade é uma prioridade. No país enfrentamos tumultos, agitação civil e confrontos étnicos, mas a força de defesa é realmente respeitada e aceite por todas as etnias dentro da nação. É por isso que quando alguma agitação vai além da capacidade da polícia, a defesa é solicitada para ajudar a polícia regional ou as forças especiais regionais. Isso faz a diferença.
A evidência é que é importante que a força de defesa seja diversificada. Se ela cumprir a sua missão de forma justa, ela oferece um modelo para a sociedade. O governo e o público acreditam que a força de defesa é um modelo real para a diversidade do nosso país.
ADF: Nos últimos anos tem havido revoltas civis e agitação em várias regiões da Etiópia. Que papel específico a ENDF tem no restabelecimento da segurança nestas regiões? Que lições foram aprendidas?
Tenente-General Molla: A responsabilidade das instituições de segurança no nosso país está expressa na nossa Constituição, e é muito clara. A responsabilidade de controlar e gerir uma revolta é dos políticos, da administração local e das forças policiais. O que a força de defesa normalmente faz é ajudar as forças policiais no treino e no desenvolvimento de capacidades. Mas quando as revoltas estão além das capacidades da força policial, seguimos a Constituição e a política do país e respondemos aos pedidos dos estados regionais. Quando empreendemos uma missão, fazemo-lo em conjunto com a polícia e as autoridades administrativas regionais. O principal trabalho é ajudá-los a interagir com a comunidade e os grupos que estão no centro da crise, negociar ou levá-los a um acordo de paz. É uma participação muito limitada. Não queremos intervir em todo o lado. Em qualquer missão, respeitamos os direitos humanos e queremos minimizar as baixas. Onde quer que vamos para ajudar a polícia, em cada canto do país, a comunidade recebe a força de defesa, e eles cooperam plenamente.
ADF: A Etiópia faz fronteira terrestre com a Somália e enviou forças para servir na Missão da União Africana na Somália (AMISOM). Qual é a importância de uma Somália segura para a Etiópia e para toda a África Oriental?
Tenente-General Molla: Segurança para a Somália é segurança para a Etiópia e vice-versa. Não se pode negar. Temos uma relação histórica. Temos muitos laços. Em algumas partes da Etiópia, as pessoas falam somali. Na verdade, a fronteira é artificial. É por isso que a Etiópia está preocupada com a segurança da Somália. Estamos a trabalhar duro na Somália na missão AMISOM. Embora haja progresso e bons resultados do que fazemos com as forças somalis e outros países africanos que contribuem para a missão, existem desafios.
Pelo que vejo, o principal desafio não é o povo somali, mas sim as elites políticas somalis e também os grupos exteriores à Somália, os quais desempenham um papel negativo. Alguns países ou grupos apoiam as regiões e outros apoiam o governo central. Em vez de uni-los para estabilizar o país e formar um governo central forte, estão a dividi-los.
Consideramos que não existe consenso na comunidade internacional quanto à forma como devem apoiar, a quem devem apoiar e à forma como devem apoiar a Somália. Isso atrasa a construção das Forças Armadas somalis. As Forças Armadas da Somália devem garantir segurança em todo o país. Há algumas lacunas que dão espaço ao al-Shabaab para florescer ou conduzir ataques contra as pessoas. Portanto, existe um desafio, mas continuaremos a trabalhar.
ADF: Como classificaria a cooperação entre os países da África Oriental? Os países da região estão a cooperar para fazer face a ameaças partilhadas, como a criminalidade transfronteiriça e o extremismo?
Tenente-General Molla: Temos uma longa tradição de cooperação mútua. Temos uma plataforma também; no nível da defesa temos relações bilaterais. Reunimo-nos semestralmente com a maioria dos nossos países vizinhos a um nível individual. Discutimos questões de segurança, progressos no que acordámos em fazer, intercâmbio de formação, reforço das capacidades e troca de informações. Portanto, estamos numa interacção muito activa com os países vizinhos da África Oriental. Mesmo com a Eritreia, a relação está a melhorar. É um avanço, na verdade. A paz prevaleceu e estamos a trabalhar para institucionalizar a relação a nível da defesa.
A nível regional, temos a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento. Sempre que há uma ameaça à segurança na região, os chefes reúnem-se para discuti-la juntos. Isso aconteceu recentemente em relação ao Sudão do Sul. Assim, existe uma cooperação individual, mas também uma plataforma regional.
ADF: Está a exercer o seu cargo actual há menos de um ano. Quais são as suas metas como comandante da força terrestre?
Tenente-General Molla: A minha preocupação é implementar o que o governo planeou. Concentro-me nas forças terrestres. Até recentemente não tínhamos um Comando da Força Terrestre. Tínhamos a Força Aérea, as Forças Especiais e o Quartel-General da Defesa, que lideravam directamente as unidades regionais. As reformas que estamos agora a implementar centram-se em diferentes áreas, como o sistema e a estrutura e os conceitos militares. Para combater a guerra não convencional e assimétrica, é preciso ter conceitos militares eficientes. Além disso, temos de trabalhar nas tecnologias e no desenvolvimento de capacidades. Estas são as áreas em que estamos centrados para implementar um programa de reformas. O meu foco é principalmente ter uma estrutura eficiente e sistemas e posturas corretas para que as forças terrestres sejam equipadas e utilizem de forma eficaz os escassos recursos que o nosso país investiu e confiou à instituição de defesa.