No início de 2023, homens armados raptaram pelo menos 66 mulheres, raparigas e bebés que andavam à procura de alimentos no norte do Burquina Faso, perto da fronteira com o Mali.
As vítimas foram provavelmente obrigadas a procurar alimentos no mato devido à escassez ligada a grupos terroristas que cortaram as rotas comerciais e as linhas de abastecimento. Rodolphe Sorgho, vice-governador da região do Sahel, condenou o atentado, que faz parte de um número crescente de raptos na região do Sahel.
“Quando saíram à procura de frutos silvestres, estas mulheres, mães e filhas foram injustamente levadas por homens armados,” declarou Sorgho num comunicado. “Assim que o seu desaparecimento foi comunicado, foi feita [uma busca] para encontrar todas estas vítimas inocentes sãs e salvas.”
As vítimas foram libertadas uma semana depois, mas o exército burquinabê não revelou pormenores sobre a sua libertação.
O ataque perto da fronteira com o Mali sublinhou uma tendência de raptos entre os insurgentes ligados à al-Qaeda, que utilizam esta táctica para diversos fins. A organização Jama’at Nasr al-Islam wal Muslimi (JNIM), afiliada à al-Qaeda, é a principal responsável pelos raptos no Burquina Faso e em toda a região do Sahel.
De acordo com um relatório de 2023, de Flore Berger, analista da Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC), “os raptos tornaram-se, na sua maioria, um dos instrumentos do grupo para estabelecer e controlar territórios — através da intimidação, da verificação, da punição e do recrutamento — sendo o lucro através do resgate um factor secundário.”
A JNIM é responsável por 845 dos 1.100 raptos perpetrados no Burquina Faso, no Mali e no Níger entre 2017 e 2023, de acordo com um novo relatório do Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED). Grupos afiliados ao grupo Estado Islâmico, ou EI, também cometem raptos na região.
O número de vítimas é provavelmente muito mais elevado, uma vez que é difícil obter dados exactos e porque um incidente pode envolver numerosas vítimas, como o rapto em massa no Burquina Faso. Só nesse país, os raptos aumentaram 30 vezes desde 2017.
“Isso explica-se, em particular, pela reorganização e reestruturação levadas a cabo pelos grupos jihadistas na sequência da Operação Serval [operação militar francesa no Mali, lançada em 2013], mas também pela expansão da insurreição jihadista que se seguiu,” Héni Nsaibia, investigador sénior sobre o Sahel no ACLED, disse à The Africa Report.
“Os recursos e o financiamento foram descentralizados, em resultado da evolução das estruturas ligadas à JNIM. Surgiram subgrupos mais auto-suficientes, o que encorajou mais raptos.”
De acordo com Guillaume Soto-Mayor, investigador associado sobre a África Subsaariana no Middle East Institute, a estratégia de rapto da JNIM é “altamente codificada” e foi aperfeiçoada ao longo de 40 anos.
Os subgrupos que cometem raptos “fazem-nos de acordo com os códigos de comando da JNIM,” disse Soto-Mayor à The Africa Report. Soto-Mayor argumenta que apenas organizações bem estabelecidas são capazes de manter reféns durante vários anos.
As vítimas são normalmente mantidas em boas condições para que organizações como a JNIM possam cobrar avultados pagamentos de resgate. De acordo com Soto-Mayor, os funcionários não governamentais e os funcionários públicos são também alvos comuns de raptos.
No relatório da GI-TOC, Berger argumentou que a sociedade civil pode desempenhar um papel na eliminação da ameaça, continuando a denunciar casos de rapto no Burquina Faso, especialmente em zonas com segurança deteriorada, onde a ameaça de desinformação está a aumentar.
No Burquina Faso, as forças de segurança do Estado são reforçadas pelos Voluntários para a Defesa da Pátria (VDP). O governo afirmou ter recrutado 90.000 VDP, civis que passaram por duas semanas de treino militar.
Berger escreveu que “é necessária uma estrutura mais consistente de controlo e supervisão dos VDP, desde uma verificação minuciosa nos processos de selecção até uma formação mais aprofundada e um destacamento cuidadoso.”