EQUIPA DA ADF
Michael estava desconfortável com a ideia de aceitar um emprego a bordo de um arrastão chinês, no Golfo da Guiné.
O jovem do centro de Gana, Michael tinha de alimentar a sua família, mas não gostou da ideia de trabalhar no tipo de embarcação industrial que tem roubado os alimentos e os rendimentos dos seus conterrâneos durante décadas. O seu desconforto revelou-se profético, pois disse que ele e outros membros da tripulação sofreram abusos do capitão e da tripulação chineses, assim como trabalhos em condições perigosas e pouco higiénicas.
Numa amanhã, a tripulação observou uma parte danificada de um guincho do arrastão, mas os seus pedidos para repará-lo foram ignorados, de acordo com uma reportagem do African Arguments. Naquele dia, uma corda rebentou-se, um cabo de metal atingiu a perna de Michael e ele foi lançado para o ar. Ele caiu, ferindo o joelho, o ombro e a cabeça.
Ficou inconsciente e despertou numa rede de pesca, cheia de baratas.
“Eu estava a sangrar,” disse Michael, que falou ao African Arguments, utilizando um pseudónimo. “Foi muito doloroso. A minha mão, os meus pés, eu não os podia controlar. Soube naquele instante que algo mau tinha acontecido.”
Michael trabalhou como marinheiro num arrastão durante dois anos, mas agora está à procura de um outro emprego.
“Independentemente de quanto irei receber como salário, eu não irei voltar,” Michael jurou ao African Arguments. Tenho uma família para cuidar, por isso, não posso apenas arriscar a minha vida.”
A bordo do arrastão, Michael disse que a tripulação era de forma rotineira obrigada a realizar tácticas de pesca ilegais, como a Saiko — o transbordo de peixe no mar. A Saiko geralmente ocorre quando o peixe é transferido de um arrastão para uma canoa grande para esconder a origem da captura. Aquelas canoas podem transportar cerca de 450 vezes mais peixe do que as canoas de pesca artesanal.
Em 2017, a Saiko retirou 100.000 toneladas de peixe das águas ganesas, lesando o país em milhares de dólares de rendimento e colocando em risco a segurança alimentar e os empregos, de acordo com a Fundação para a Justiça Ambiental (EJF). A fundação também denunciou que 90% dos arrastões envolvidos em Saiko, em Gana, são de proprietários chineses, geralmente através de empresas locais fantasma.
Mais de 200 vilas costeiras do Gana têm a pesca como a sua fonte primária de rendimento. Houve uma queda na média anual do rendimento de até 40% por canoa artesanal nos passados 15 anos, de acordo com a EJF.
A China que lidera a maior frota de pesca em águas longínquas do mundo teve como alvo as águas da África Ocidental durante décadas e é o pior infractor da pesca ilegal, não declarada e não regulamentada (INN) do mundo, de acordo com o Índice de Pesca INN.
Membros da tripulação africanos a bordo de arrastões chineses, assim como os inspectores de pesca, queixam-se de abusos a bordo durante anos.
Emmanuel Essien, era um observador de pescas do Gana, de 28 anos de idade, quando desapareceu em 2019. Essien trabalhava a bordo de um arrastão chinês denominado Meng Xin 15 quando captou imagens de vídeo da tripulação envolvendo-se em saiko.
Duas semanas depois de Essien ter relevado o vídeo e denunciado a prática às autoridades locais, ele desapareceu da sua cabine do Meng Xin 15. De acordo com a EJF, um relatório da polícia concluiu que não encontrou sinais de actos desonestos relacionados com o desaparecimento de Essien, mas a sua família não espera vê-lo de novo.
Assim como em outras partes da África Ocidental, os arrastões chineses são conhecidos pela sua atitude agressiva para com os pescadores artesanais.
Michael disse ao African Arguments que o arrastão em que trabalhava, muitas vezes, se aproximava à costa à noite para pescar de forma ilegal na zona económica exclusiva do Gana para pratica o arrasto de fundo, que destrói os ecossistemas e captura um grande número de peixe juvenil, esgotando ainda mais as unidades populacionais de peixe.
Pescando tão próximo da costa, daquela forma, o arrastão de forma rotineira passava por cima de canoas artesanais e destruía o seu equipamento, disse Michael.
“Todas as noites passávamos por cima de uma rede,” disse ao African Arguments. “O capitão dizia-nos para apenas cortarmos e deitarmos aquelas redes. Sentimo-nos mal. Talvez eles sofrem e devem pedir empréstimos para reparar as redes. É como eliminar os nossos irmãos e pais ou um dos nossos familiares dos negócios.”