EQUIPA DA ADF | FOTOS DE GETTY IMAGES
Cerca de 100 saqueadores invadiram a cidade camaronesa de Mozogo à 1h30 do dia 8 de Janeiro de 2021. Pela forma como se vestiam e falavam, era óbvio que fossem extremistas do Boko Haram.
Entraram nas casas e saquearam-nas. Dispararam contra os habitantes da cidade que fugiam para as matas próximas. Um bombista suicida alcançou alguns deles e detonou um colete armadilhado. Doze pessoas morreram na explosão, incluindo oito crianças. Outras três pessoas ficaram feridas.
O bombista suicida era uma mulher. O Instituto de Estudos de Segurança diz que, nalgumas partes dos Camarões, 45% dos antigos membros do Boko Haram
são mulheres.
A utilização de mulheres como bombistas suicidas do Boko Haram remonta a Junho de 2014, quando uma mulher de meia-idade, montada numa mota, se aproximou do quartel de Gombe, na Nigéria. Enquanto era revistada, detonou explosivos presos ao seu corpo, matando-se a si própria e a um soldado.
“Com este acto, começou um novo capítulo na história destrutiva do Boko Haram: o grupo juntou-se às fileiras dos grupos terroristas de todo o mundo que incorporavam mulheres nos seus perfis organizacionais,” escreveram as investigadoras Mia Bloom e Hilary Matfess no seu estudo “Women as Symbols and Swords in Boko Haram’s Terror.”
O conflito do Boko Haram, que começou em 2009 no nordeste da Nigéria, já matou mais de 35.000 pessoas e deslocou 2 milhões nos Camarões, Chade, Níger e Nigéria.
O Boko Haram e a Província do Estado Islâmico da África Ocidental concentraram os seus ataques na região do Extremo Norte dos Camarões. O país também está a lidar com grupos separatistas armados que procuram a independência das regiões minoritárias de língua inglesa do país.
São frequentemente citadas várias razões para que as mulheres, historicamente oprimidas em muitas partes de África, se aliem aos terroristas. Bloom e Matfess afirmam que a vingança e a retribuição podem desempenhar um papel fundamental na “galvanização da participação feminina,” observando que há uma prevalência de viúvas entre as mulheres militantes.
Os estudos relacionam os problemas económicos como incentivos para que homens e mulheres se juntem aos extremistas por puro desespero. Alguns pesquisadores afirmam que as mulheres podem aderir aos extremistas por sua própria vontade, simplesmente devido a laços culturais e religiosos. Outros dizem que não é o caso. Numa coisa toda a gente está de acordo: as mulheres precisam de mais ajuda para quebrar o ciclo do terrorismo e, enquanto civis, precisam de se envolver mais na ajuda à desradicalização dos extremistas.
Demasiadas vezes, os esforços antiterrorismo e contra a radicalização centram-se apenas nos homens que constituem a maioria dos combatentes. Ignoram o papel que as mulheres podem desempenhar para persuadir esses homens a deporem as armas e a mobilizarem as suas comunidades contra o extremismo.
“Os membros do Boko Haram ainda têm mulheres nas suas aldeias e vêm comer aqui à noite,” disse um residente perto de Diffa, no Níger, ao Centro Global de Segurança Cooperativa. “Ninguém se atreve a denunciá-los. Se o fizeres, eles matam-te. Eles ainda estão enredados na nossa sociedade. A política de denúncia não funciona se não forem as mulheres a denunciar. Não se pode denunciar um marido, um filho ou um irmão. Esta guerra é complicada por causa das pessoas que estão do lado deles.”
ACTIVOS NEGLIGENCIADOS
No seu estudo, “Peacebuilding and Women Employment in Boko Haram Affected Countries,” Eugenie Rose Fontep e Armand Mboutchouang Kountchou afirmam que as mulheres precisam de se envolver mais na tentativa de trazer o Boko Haram para a mesa das negociações nos Camarões.
“É apenas através de raptos e torturas que as raparigas são usadas pelo grupo Boko Haram como combatentes, algumas das quais se tornam bombistas suicidas,” escreveram. “De facto, se não fosse pela força e por persuasões maliciosas, as mulheres poderiam estar a desempenhar um papel central no processo de construção da paz, uma vez que as sociedades e comunidades onde as mulheres gozam de um estatuto relativamente mais elevado têm maiores perspectivas de sucesso na construção da paz.”
As mulheres querem ter uma voz na construção da paz no seu país — elas constituem mais de metade da população dos Camarões — e estão a protestar contra o que dizem ser uma sub-representação nos esforços do país. Também querem ajudar no desarmamento, desmobilização e reintegração, ou DDR, de antigos insurgentes.
Um grupo auto-intitulado Negociações de Mulheres para a Paz nos Camarões diz que planeia reunir-se com combatentes e tropas governamentais para encontrar um caminho para a paz.
Sonkeng Rachel, uma das organizadoras, disse à Voz da América que, em situações de crise, as mulheres que são consideradas como tendo elevados padrões morais, integridade e disciplina devem ter a oportunidade de falar. Ela disse que as mulheres provaram que podem até ser as principais negociadoras de paz, porque fornecem necessidades humanitárias às populações afectadas, incluindo soldados e combatentes feridos. As mulheres, acrescentou, educam os combatentes e as tropas governamentais sobre a necessidade de construir a paz.
Num estudo de 2022 para o Instituto de Estudos de Segurança, os pesquisadores Celestin Delanga e Akinola Olojo defenderam que as mulheres dos Camarões devem encorajar os membros do Boko Haram a abandonar o grupo e a reintegrar-se na sociedade.
“As necessidades destes antigos membros do Boko Haram são, muitas vezes, compreendidas pelas mulheres das comunidades afectadas pelo extremismo violento,” escreveram. “Também conhecem as preocupações que existem nas comunidades de acolhimento ou de recepção relativamente aos processos de reintegração. Este conhecimento pode informar a programação nacional e regional sobre os processos de paz de forma a reflectir a sensibilidade ao género e a inclusão.”
O Grupo Internacional de Crise (ICG) afirma que as mulheres dos Camarões já estão envolvidas no trabalho para a paz, quer os homens o aceitem ou não.
“Ignorar as opiniões das mulheres significa ignorar círculos eleitorais importantes e novas perspectivas sobre o conflito,” comunicou o ICG em Março de 2022. “Apesar do carácter profundamente patriarcal da sociedade dos Camarões, algumas mulheres exercem uma influência considerável, sobretudo a nível das bases e no seio das famílias. Além disso, os diferentes danos sofridos pelas mulheres requerem uma atenção especial por parte do governo, dos separatistas e dos parceiros internacionais.”
O envolvimento das mulheres na reintegração nos Camarões é ainda mais necessário pelo facto de muitos dos insurgentes rendidos ou capturados, cerca de 20%, serem mulheres.
O serviço noticioso online HumAngle noticiou, em Novembro de 2022, que os Camarões tinham anunciado um plano de cinco anos destinado a reintegrar na sociedade os insurgentes e antigos combatentes do Boko Haram.
“O plano baseia-se em estratégias utilizadas em conflitos em todo o mundo, que tentam reintegrar pessoas que foram armadas e mandadas matar numa sociedade que as vê com desconfiança,” reportou o HumAngle.
O Comité Nacional de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (CNDDR) afirmou que iria ter “em conta as necessidades e interesses específicos das mulheres e raparigas associadas a grupos armados” nos seus esforços, particularmente nos seus centros de DDR.
“A implementação desta estratégia no terreno seria feita através de campanhas de formação e sensibilização, o aumento do envolvimento das mulheres e raparigas no processo de DDR, a sua protecção contra a estigmatização e a violência com base no seu género,” disse Jean Claude Obam, do comité, informou a HumAngle.
No final de 2022, os Camarões disseram que havia cerca de 770 combatentes e associados do sexo feminino nos seus centros de DDR em todo o país.
DUPLO PADRÃO
Há uma dualidade de critérios na reintegração das mulheres na sociedade, dizem Delanga e Olojo.
“Ao regressar a casa, algumas são vitimizadas pelas suas famílias ou comunidades,” escreveram. “São estigmatizadas quando tentam voltar a casar e, nalguns casos, são completamente rejeitadas. De acordo com a [Organização Internacional para as Migrações], nos Camarões, a vitimização é mais elevada entre as mulheres ex-membros do Boko Haram do que entre os homens. Se este facto não for resolvido pode dificultar os esforços de reintegração.”
Delanga e Olojo fazem estas sugestões para utilizar as mulheres no processo de DDR dos Camarões:
É necessário envolver mais mulheres no CNDDR dos Camarões. O comité foi criado em 2018, mas, no final de 2022, apenas um dos 16 membros era uma mulher. O decreto que criou o comité deve ser revisto para que as mulheres possam estar mais envolvidas na gestão dos centros de DDR do país. “A promulgação destas leis ganharia marcos importantes se os ministérios da justiça colaborassem com os ministérios da promoção da mulher e da família e dos assuntos sociais,” escreveram os autores.
As mulheres precisam de desempenhar um papel na concepção de programas de DDR para ex-membros do sexo feminino do Boko Haram.
A nível regional, a Comissão da Bacia do Lago Chade deve reforçar a sua atenção às necessidades em matéria de género. Os pontos-chave da comissão já se centram no trabalho com as mulheres e na capacitação e inclusão das mulheres e dos jovens.
A Comissão da Bacia do Lago Chade também precisa de se concentrar nas lições aprendidas e nas melhores práticas de reintegração. As reuniões do comité devem destacar temas que dêem prioridade às necessidades das mulheres.
“O envolvimento das mulheres no processo de desarmamento, desmobilização e reintegração dos Camarões permitiria uma resolução mais eficaz dos conflitos e a construção da paz,” afirmam os autores. “E, ao lidar com as preocupações relacionadas com o género, os problemas de discriminação também podem ser abordados.”
Promoção das Mulheres No Processo De Paz
A cientista política Angela Ajodo-Adebanjoko publicou um relatório no African Journal on Terrorism intitulado “Women’s Role in Countering Violent Extremism in North East Nigeria” (O papel das mulheres no combate ao extremismo violento no Nordeste da Nigéria) em 2021. Ela enumerou estes passos para promover a participação das mulheres no combate ao extremismo violento.
- Efectuar reformas jurídicas. Em primeiro lugar, as mulheres têm de ser reconhecidas, incluídas e protegidas como cidadãs de pleno direito e iguais perante a lei.
- A comunidade antiterrorismo tem de reconhecer que o género é uma questão central e não marginal.
- Os indicadores sensíveis ao género devem incluir sistemas de aviso prévio, recolha de informações e o reforço das estratégias de prevenção relacionadas com a violência contra as mulheres.
- As mulheres devem estar presentes à mesa das soluções. As mulheres devem ajudar a planear qualquer estratégia antiterrorista devido à sua capacidade de oferecer uma perspectiva diferente, mas vital.
- Os negociadores devem resolver as questões subjacentes à adesão das mulheres ao Boko Haram. É fundamental que a comunidade internacional se empenhe com as mulheres na prevenção do extremismo violento e se concentre nas razões relacionadas com o género que levam as mulheres a tornarem-se extremistas.
- A presença das mulheres entre os profissionais da luta contra o terrorismo, incluindo nas forças armadas, deve ser reforçada. As instituições têm de intensificar os seus esforços para recrutar e manter as mulheres, nomeadamente em funções operacionais, e garantir a eliminação dos obstáculos à sua progressão na carreira.
- As mulheres devem ser capacitadas nos sectores civil e da segurança, até ao nível nacional.
- As mulheres devem ser formadas em competências de advocacia que tirem partido das suas posições e localidades.
- Deve ser incluída uma dimensão de género nos esforços para promover diálogos interculturais e inter-religiosos.