POR DR. KAMAL-DEEN ALI, MARINHA DO GANA (REFORMADO) E DR. HUMPHREY ASAMOAH AGYEKUM
Desde a independência, a Marinha do Gana tem sido a única instituição que vai ao mar com responsabilidade de garantir a segurança das águas daquele país. Actualmente, a sua missão expandiu-se, assim como as ameaças de segurança no Golfo da Guiné. Pirataria, pesca ilegal, tráfico ilícito e potencial terrorismo marítimo constituem as preocupações de grande envergadura para os cidadãos, proprietários de negócios e dirigentes eleitos do Gana. E a Marinha já não se encontra sozinha nas suas responsabilidades. Deve trabalhar com os ministérios governamentais, outras instituições de segurança e entidades privadas para cumprir com o seu mandato.
Quando o Gana procura alcançar benefícios económicos a partir da “economia azul,” enquanto protege os preciosos recursos naturais, questionamentos fundamentais levantam-se. De que modo o papel da Marinha do Gana irá evoluir em linha com o seu perfil de segurança marítima expandido? Estarão a capacidade e o equipamento navais de Gana em condições de acompanhar o ritmo? E como pode a Marinha do Gana utilizar a aquisição de novas embarcações, a tecnologia, a formação e as parcerias de segurança domésticas e internacionais para responder às ameaças?
FUNDADA, MAS DEPOIS SEM FINANCIAMENTO
A Marinha do Gana foi fundada em 1959 por meio de um decreto parlamentar. Fazia parte do esforço de reconstrução do país pós-independência para complementar o exército, que já existia, e as forças aéreas, que estavam no seu estágio de formação. O primeiro presidente do Gana, Kwame Nkrumah, tinha um grande esquema de criação de uma marinha de classe mundial para demonstrar a independência política daquele país, o desenvolvimento e prestígio. Esta motivação estava em colaboração com as suas ideologias do pan-africanismo e do não-alinhamento. Uma Marinha forte visava apoiar a sua visão de um Comando Superior Africano, que iria unificar as defesas do país e prevenir conflitos no continente. A queda de Nkrumah em 1966, contudo, significou que a sua visão, assim como a sua agenda de equipar e construir uma Marinha de alta categoria, deixavam de ser prioridades nacionais. Por exemplo, os contratos para as duas fragatas encomendadas para a Marinha do Gana foram imediatamente anulados. Nos anos subsequentes, aquisições de embarcações para a Marinha tornaram-se raras.
Nas primeiras décadas após a independência, ameaças que surgissem a partir do domínio marítimo eram relativamente raras. Isso significou que houve menos foco para o ambiente marítimo e para a segurança marítima na Marinha do Gana. Contudo, os conflitos na Libéria e na Serra Leoa na década de 90, que levaram a um influxo de refugiados para os portos marítimos ganeses, mudaram a narrativa. A situação dos refugiados apresentou um discurso inicial sobre o domínio marítimo e potenciais ameaças que surgiam a partir do mar. Desde então, os desenvolvimentos incluíram a descoberta de petróleo e gás ao largo da costa em 2006, o regresso da pirataria e o aumento do tráfico de drogas no Golfo da Guiné destacaram a importância de uma marinha com recursos adequados.
MAIORES RESPONSABILIDADES, NOVOS CONCORRENTES
Durante muitos anos, houve pouco debate público sobre o conceito de segurança marítima. Mesmo quando a pirataria aumentou em todo o Golfo da Guiné no início da década de 2000, a questão não recebeu muita atenção no espaço político do Gana. Em alguns casos, os ganeses acreditavam que estavam protegidos de ameaças baseadas no mar. Por exemplo, o Vice-Ministro do Interior do Gana afirmou que as medidas de segurança colocadas em vigor ao longo da costa do Gana faziam com que fosse “muito perigoso para que os piratas operassem.” Mas, mesmo assim, a pirataria nas águas de Gana estava a aumentar.
No Verão de 2014, dois grandes incidentes ao largo da costa do Gana fizeram com que fosse evidente que o país tinha de abordar os desafios da pirataria.
Os ataques, assim como a pesca ilegal praticada por arrastões estrangeiros, destacaram a necessidade de estruturar o quadro de governação da segurança marítima e a capacidade para responder às emergentes complexidades das ameaças marítimas e o seu potencial perigo para a economia.
Embora a Marinha do Gana já tenha sido a única instituição que se fazia ao mar, as crescentes ameaças motivaram apelos para uma abordagem de múltiplas agências. Isso levou ao restabelecimento, em 2011, da Polícia Marítima do Gana, uma unidade que tinha sido dissolvida em 1942. Para além disso, novas atribuições foram acrescentadas ao pacote da Marinha do Gana.
A Marinha do Gana define o seu papel e mandato operacional para incluir:
• Garantia da presença marítima nas águas da África Ocidental e o fornecimento de apoio naval quando necessário.
• Vigilância, patrulha e controlo das águas territoriais e da zona económica exclusiva (ZEE) do Gana.
• Combate à criminalidade, como a pirataria/assaltos à mão armada no mar, contrabando de drogas ilícitas, passageiros clandestinos e actividades dissidentes.
• Operações de calamidades e ajuda humanitária assim como busca e salvamento.
Também ajuda nas outras autoridades estatais, como a Autoridade Marítima do Gana (GMA) e a Autoridade Portuária do Gana, no cumprimento dos seus mandatos. Por último, trabalha para proteger as pescas do país e fiscalizar as leis sobre a poluição em colaboração com a Comissão de Pescas e Agência de Protecção Ambiental do Gana.
Embora a abordagem de agências múltiplas para a segurança marítima seja um desenvolvimento positivo para o país e a sua Marinha, também significa que o papel hegemónico da Marinha do Gana no domínio marítimo mudou. Por exemplo, continua não havendo clareza sobre quais são os respectivos limites marítimos dos destacamentos da Marinha do Gana e da Polícia Marítima do Gana. Na prática, a Polícia Marítima não dispõe de meios para realizar operações em alto-mar, mas não foi colocado qualquer limite sobre eles por lei ou por meio de política. Isso tem o potencial de criar confrontos e conflitos entre as duas entidades. Uma outra questão é o conflito institucional entre a Marinha do Gana e a GMA. O ponto de vista geral é de que desde a promulgação, em 2004, da Lei de Segurança Marítima do Gana, que visava implementar o Código de Segurança de Navios Internacionais e Instalações Portuárias de Gana, a GMA tem reivindicado um papel institucional de liderança para a segurança marítima daquele país. Contudo, esta abordagem levanta preocupações constantes por parte da Marinha do Gana e outros actores, um problema que já existe por mais de uma década.
Finalmente, a Maninha está cada vez mais a aumentar a coordenação com o sector privado. A Marinha do Gana começou a colaborar com empresas de extracção de petróleo e gás ao largo da costa e entrou em acordos para proteger infra-estruturas de grande importância. A Marinha assinou um memorando de entendimento com duração de cinco anos em Janeiro de 2022, para garantir a segurança de infra-estruturas de petróleo e pessoal do Jubilee Oil Field, 60 quilómetros ao largo da sua costa. Exercer esta responsabilidade, enquanto evita confrontos com civis e sem desviar a atenção de outras tarefas fundamentais, será um desafio para a Marinha.
Por exemplo, irá colocar a Marinha contra os pescadores artesanais que regularmente entram nas zonas de segurança junto de instalações de extracção de petróleo e gás offshore à procura de unidades populacionais de peixe, que os pescadores afirmam que ficaram esgotadas nos últimos anos.
PRESENÇA CRESCENTE
Apesar do acréscimo de actores no domínio marítimo do Gana, a Marinha do Gana continua a ser um actor importante no quadro da governação da segurança marítima devido ao seu papel institucional, perícia e experiência no mar.
Garantir segurança marítima exige vigilância e conscientização do domínio marítimo (MDA) eficazes.
A Marinha do Gana depende de uma variedade de plataformas para fazer a monitoria da costa do Gana e para manter as suas operações. Duas destas são dignas de destacar. Depende do SeaVision, um aplicativo de vigilância marítima não classificado criado pelos EUA em 2012 e utilizado por cerca de 25 países da África Central e Ocidental. O SeaVision recorre aos dados dos sistemas de identificação automática (AIS) que são processados para fornecer aos utilizadores uma ideia das embarcações que operam na sua região. Depender do AIS significa que é vulnerável por perder algumas pistas. A Marinha do Gana também utiliza o Sistema de Informação e Gestão de Tráfico de Embarcações (VTMIS) fornecido pela GMA.
O sistema de satélites do VTMIS tem o suporte de tecnologias baseadas em radares costeiros com radares colocados ao longo da costa do Gana. As plataformas de vigilância baseada em radares possuem limitações, incluindo alcance e ocorrência de zonas escuras onde os redares costeiros possuem uma fraca interligação. O sistema também sofre um grande impacto das condições do mar e da temperatura.
Um desafio óbvio para todas as marinhas, incluindo marinhas avançadas, é o elevado custo de embarcações e capacidade de aquisição de plataformas suficientes para cobrir vastas áreas. Muitos analistas da Marinha do Gana observam que estava melhor equipada na primeira década da sua criação, sofreu um declínio em matérias de capacidade na década seguinte e foi revigorada na década de 1980 até a década de 1990 com a aquisição das classes de navios Achimota e Sebo. Depois de longos anos de serviço para o Gana, os navios foram retirados de circulação, revertendo à Marinha do Gana para um Estado de plataformas insuficientes por muito tempo. Apesar de receber doações de navios dos EUA, a Marinha do Gana ainda enfrenta desafios de capacidade. A descoberta de petróleo e gás em quantidades comerciais e a expansão de tarefas da Marinha do Gana resultaram em mais atenção para a instituição, com o Gana a colocar de forma constante novas embarcações em serviço na passada década.
Em Outubro de 2017, colocou quatro barcos de patrulha em funcionamento. Em Fevereiro de 2022, a Marinha do Gana colocou quatro novas embarcações Flex Fighter em funcionamento, enquanto o governo do Gana revelou que está a adquirir duas novas embarcações de patrulha offshore. As quatro embarcações, adquiridas com o apoio da indústria de petróleo e gás, foram baptizadas com os nomes GNS Volta, GNS Densu, GNS Pra e GNS Ankobra. Apesar de acrescentar estes novos navios à sua frota, a Marinha do Gana já está no seu limite máximo em termos de capacidade e pretende manter o cumprimento das suas responsabilidades ao longo da linha da costa que abrange 550 quilómetros e uma ZEE que ocupa 235.000 quilómetros quadrados.
O CAMINHO A SEGUIR
O domínio marítimo do Gana mudou dramaticamente desde a independência, trazendo dificuldades e oportunidades. A Marinha do Gana colabora com várias agências do governo e parceiros internacionais para abordar os desafios de segurança. À medida que o conceito de segurança marítima se expandia na passada década, a Marinha do Gana teve de lidar com os actores tradicionais e com os “recém-chegados” na arquitectura da governação do oceano, alguns dos quais representam desafios para a posição histórica da Marinha do Gana como a agência líder de segurança e fiscalização marítima. A Marinha do Gana está a adaptar-se a isso.
Embora a Marinha do Gana enfrente desafios relacionados com a MDA e tenha uma presença eficaz no mar para responder às ameaças, ainda assim é uma das marinhas mais capacitadas da região. Com o aumento da insegurança no Golfo da Guiné, o Gana está a fortalecer a sua Marinha com novas infra-estruturas navais, incluindo várias bases operacionais avançadas ao longo da sua linha da costa e embarcações para cobrir mais áreas.
As novas embarcações possibilitarão que a Marinha do Gana garanta a segurança dos seus interesses marítimos, incluindo a protecção de actividades de petróleo e gás e das pescas. Compreender como utilizar melhor os seus recursos limitados e criar parcerias de segurança eficazes dentro e fora do país será a diferença entre o sucesso e o fracasso nos próximos anos. Aprendendo da sua história e incorporando as novas tecnologias e parcerias, a Marinha do Gana está bem posicionada para responder a esses desafios.
Kamal-Deen Ali, Ph.D., é um capitão naval reformado, director-executivo do Centro de Leis Marítimas e Segurança de África, Professor Associado da Universidade de Estudos Profissionais do Gana. É membro do Conselho de Relações Exteriores do Gana, Centro Nacional Australiano para os Recursos Oceânicos e Segurança e membro do Centro Corbett para Políticas Marítimas. Publicou amplamente sobre assuntos relacionados com a segurança marítima e é autor de “Cooperação em Segurança Marítima no Golfo da Guiné: Possibilidades e Desafios” (2015).
Humphrey Asamoah Agyekum, Ph.D., é um investigador de pós-doutoramento no Departamento de Ciências Policiais, da Universidade de Copenhaga, Dinamarca, onde trabalha na área de segurança marítima e faz a gestão do projecto “Analisando a (In)Segurança Marítima no Golfo da Guiné.” Ele é o autor de “From Bullies to Officers and Gentlemen: How Notions of Professionalism and Civility Transformed the Ghana Armed Forces (De Agressores a Oficiais e Cavalheiros: Como as Noções de Profissionalismo e Civismo Transformaram as Forças Armadas do Gana).”