EQUIPA DA ADF
Milhares de civis no norte do Mali fugiram das suas casas nos últimos meses, fugindo daquilo a que chamam ataques sistemáticos de mercenários russos e soldados malianos.
O investigador maliano Mohamed Issouf Ag Mohamed e a professora de história africana Mariana Bracks Fonseca relataram recentemente as acções dos famosos mercenários do Grupo Wagner que lideram unidades das Forças Armadas do Mali (FAMa) nas regiões centro e norte do país.
“Estão em curso acções militares que equivalem a uma limpeza étnica das minorias, combinadas com uma propaganda discriminatória que apela à violência e à perseguição de todos os civis que usam turbantes ou outros trajes típicos das populações nómadas,” escreveram no blogue Africa is a Country, no dia 5 de Março.
O grupo mercenário russo, que mudou de nome para Africa Corps, opera agora sob a autoridade directa do Ministério da Defesa russo.
“Este é o Estado russo a sair da sombra na sua política para África,” Jack Watling, especialista em guerra terrestre do Royal United Services Institute, disse à BBC. “O que os russos forneceram foi uma força de ataque, com helicópteros com capacidades avançadas e muito poder de fogo.
“Estão a utilizar métodos anti-partidários soviéticos bastante tradicionais. Vemos combatentes que foram executados, bem como civis visados por permitirem ou estarem associados a combatentes.”
Mohamed e Fonseca afirmam que o Africa Corps da Rússia está a aterrorizar as tribos Fula, Tamasheq e Moura.
“A violência não poupa os idosos, as mulheres e as crianças, que vêem as suas casas incendiadas e as suas terras, o seu gado e as suas parcas riquezas roubadas,” escreveram.
Em Janeiro, um grupo da sociedade civil de Kidal documentou execuções sumárias, massacres, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias, actos de tortura, destruição de fontes de água e de alimentos, destruição deliberada de infra-estruturas públicas e privadas.
“Os principais alvos destas violações são os Tuaregues, os árabes [Moura] e os Fula,” escreve a associação Kal Akal num boletim publicado no Facebook.
O grupo também relatou roubos sistemáticos “onde quer que o Grupo Wagner e as FAMa fossem,” várias violações, duas valas comuns com dezenas de corpos nas regiões de Tombuctu e Kidal, e casos de explosivos colocados em cadáveres, uma técnica conhecida do Grupo Wagner destinada a maximizar as baixas.
Em Agosto de 2023, o Quadro Estratégico Permanente liderado pelos Tuaregues acusou os dirigentes da junta do Mali de violarem deliberadamente um cessar-fogo que data de 2014, no âmbito do acordo de paz com a Argélia.
Em Novembro de 2023, as forças do Mali, lideradas por mercenários russos, recuperaram o controlo de Kidal, uma cidade que era um reduto dos rebeldes Tuaregues desde 2012. Desde então, as FAMa e o Africa Corps utilizaram-na como base para atacar alguns dos grupos que assinaram o agora abandonado acordo de paz de 2015.
“Os grupos armados separatistas são muito influentes na parte norte do país,” afirmou Jean-Hervé Jezequel, director para o Sahel do grupo de investigação Crisis Group, durante um podcast de 1 de Março na página de internet da organização. “Perderam o seu quartel-general em Kidal. Actualmente, não têm grande capacidade para atacar as forças malianas, mas há poucas dúvidas de que estão a tentar reagrupar-se. É provável que se estejam a preparar para lançar uma nova ofensiva.”
Jezequel disse que os esforços das forças malianas e russas na região de Kidal tiveram o efeito de piorar a segurança geral do país.
“Entretanto, os grupos jihadistas não foram enfraquecidos,” afirmou. “A coligação da al-Qaeda, JNIM, é extremamente activa no centro do Mali e perturba a narrativa de que Bamako é capaz de melhorar a segurança.”
Embora a pilhagem por mercenários russos tenha sido generalizada, o Africa Corps está a seguir o modelo estabelecido pelo Grupo Wagner de procurar concessões mineiras como parte do seu pagamento. No Mali, a organização terá cobrado 10 milhões de dólares por mês pelos serviços dos seus 1.000 combatentes.
Os analistas sublinharam que a ofensiva militar do Mali contra os separatistas Tuaregues no norte coincidiu com os seus esforços para proteger os locais de extracção mineira.
A edição de 15 de Fevereiro da Actualização Semanal do Movimento Salafi-Jihadi, publicada pelo Instituto para o Estudo da Guerra, informava que as forças do Grupo Wagner e do Mali tinham capturado a mina de Intahaka na região de Gao, no Mali, no dia 9 de Fevereiro.
“Esta ofensiva e as operações subsequentes colocaram convenientemente os mercenários russos mais perto das centenas de minas de ouro artesanais não regulamentadas nas regiões de Gao e Kidal, no norte do Mali, que os rebeldes controlavam,” afirma o boletim.
“[A Rússia] vai provavelmente tentar expandir a sua influência sobre as minas artesanais do norte do Mali para reforçar os esforços do Kremlin para escapar às sanções. O Kremlin utilizou este manual para acumular bilhões de dólares de minas artesanais no Sudão, contribuindo para os 2,5 bilhões de dólares em ouro que o Kremlin gerou em África desde que invadiu a Ucrânia em 2022.”