EQUIPA DA ADF
Em Madagáscar, uma página da internet na língua Malgaxe mostra uma banda desenhada de um urso russo a sair da hibernação para salvar África das hienas.
Na Líbia, uma página da internet na língua Árabe aclama Sair al-Islam, filho do falecido ditador Muammar Gadhafi, o salvador do país.
Na República Centro-Africana, uma página da internet celebra a visita da Miss Rússia ao país para presidir um concurso de beleza.
Todas estas páginas da internet têm uma característica comum: foram criadas por operativos russos como parte de uma campanha de influência abrangente em África. Num estudo feito pelo Stanford Internet Observatory, analistas examinaram 73 páginas do Facebook, que consideraram “falsas” e suspeitam de serem associadas à Rússia. As páginas foram publicadas 48.000 vezes, tiveram mais de 9,7 milhões de interacções e mais de 1,7 milhões de contas gostaram das publicações. Pensa-se que estas páginas sejam apenas uma fracção do esforço levado a cabo pela Rússia em África.
“As operações de desinformação são apenas um dos muitos novos métodos… que ajudam a Rússia a expandir a sua área de influência,” escreveu Róbert Gönczi para o Instituto de Varsóvia. “A mensagem é mais simples do que nunca: a Rússia regressou ao continente africano, e as suas intenções são mais graves do que nunca.”
Vários observadores afirmam que a Rússia não tem peso político ou recursos económicos para exercer influência em grande escala como tinha durante a Guerra Fria. Assim, considera as mensagens online como uma forma de impressionar os incautos.
“As redes sociais e a influência online é uma forma relativamente mais económica de ter impacto no cenário mundial,” afirmou Cameron Hudson, um membro sénior do Africa Center no Conselho do Atlântico. “Tudo o que possam fazer para prejudicar a imprensa livre, as instituições democráticas e semear a dúvida na mente da população, provavelmente faz parte da sua visão mais abrangente.”
ASSOCIADO A PUTIN
O homem responsável por isso é Yevgeny Prigozhin. Fiel aliado do presidente russo, Vladimir Putin, é responsável pela Agência de Pesquisa da Internet (IRA), da Rússia, uma operação de “trolling” russa, e pelo Grupo Wagner, uma empresa militar privada que opera em África.
No início da sua investigação, Stanford identificou um conjunto de páginas do Facebook associadas ao Grupo Wagner cujo alvo era a Líbia. As páginas apoiavam o rebelde Marechal Khalifa Haftar e seus combatentes. Também falavam com nostalgia da era de Gadhafi e tentavam desacreditar as Nações Unidas e o Ocidente. Quando os investigadores denunciaram estas páginas ao Facebook, esta rede social identificou páginas semelhantes direccionadas para a República Centro-Africana, República Democrática do Congo, Moçambique e Sudão. As páginas, entretanto, foram removidas.
Os esforços da Rússia parecem depender de subcontratantes, que são falantes nativos da área em questão e frequentemente pertencem ao país-alvo. Além do Twitter e do Facebook, os grupos operam também nos aplicativos de mensagens do WhatsApp e do Telegram.
Shelby Grossman, da Universidade de Stanford, afirmou que as páginas em África começaram a surgir em 2018, pouco depois do Facebook e do Twitter ter desactivado a maioria das contas da IRA nos EUA. Grossman acredita que Prigozhin esteja a desenvolver uma estratégia de “franchising,” através da qual os intervenientes locais seriam pagos para publicar em nome da Rússia. Essas publicações são mais difíceis de associar à Rússia e permitem criar conteúdos que tenham impacto junto da comunidade local em línguas locais fluentes, afirmou Grossman. Stanford recebeu documentos internos divulgados sem permissão que identificam muitas destas páginas como ligadas à Rússia. Sem estes, afirmou Grossman, teria sido difícil até para analistas especializados, identificá-las como falsas.
“É muito difícil reconhecer tais campanhas, porque estão a ser apresentadas em tempo real,” disse Grossman ao Centro de Estudos Estratégicos de África. “E se os investigadores de desinformação não conseguem identificar o que quer que seja sem documentos internos, não é razoável esperar que as pessoas comuns consigam descortiná-las.”
Apesar de as páginas serem muito diferentes em termos de abordagem e estilo, há vários assuntos recorrentes.
INTERFERÊNCIA POLÍTICA
Em muitas partes do mundo, a Rússia pretende influenciar as eleições a favor de candidatos que pensa serem favoráveis ao Kremlin. Em Madagáscar, por exemplo, a Rússia apoiou um candidato presidencial nas eleições de 2018, através de uma iniciativa digital e presencial que violava a legislação da campanha eleitoral do país. A iniciativa incluía páginas da internet e material de campanha tradicional, como panfletos, cartazes e anúncios televisivos. Os operativos russos associados ao Grupo Wagner também pagaram jornalistas locais para escreverem reportagens positivas sobre o candidato e pagaram pessoas para participarem em comícios eleitorais, noticiou o The New York Times.
A ingerência russa nas eleições foi também constatada na Líbia e em Moçambique, onde, meses antes da eleição de 2019, operativos russos criaram páginas de apoio ao presidente em exercício.
“O conteúdo do Facebook e do Instagram que analisámos apoiava o partido no poder, seja qual fosse o país a que a página ou conta se destinasse,” afirmou Grossman. “Em termos gerais, o conteúdo consistia em elogios rasgados a quem estivesse no poder.”
A estratégia russa parece apoiar regimes em vigor, frequentemente liderados por figuras autoritárias, que mostram a sua gratidão através do envio de recursos e contratos lucrativos para empresas russas.
“São países com líderes autoritários que necessitam de ajuda adicional para vencerem,” afirmou Paul Stronski, membro sénior do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. “Em troca, [Prigozhin] tem acesso a alguns dos benefícios.”
ABRIR AS PORTAS PARA OS NEGÓCIOS
As campanhas de desinformação da Rússia, muitas vezes, são concebidas para dar vantagem às suas empresas.
No Sudão, as páginas da internet apoiadas pelos russos descreviam as dificuldades económicas do país, incluindo escassez de alimentos e inflação. Elogiaram as vantagens económicas de uma suposta base naval russa no Mar Vermelho e a experiência da Rússia no sector mineiro.
Antes da destituição do presidente de longa data, Omar al-Bashir, uma empresa controlada por Prigozhin, chamada M-Invest, ajudou a divulgar informação errada e pretendia dissuadir os protestos populares contra Bashir. Em troca, Bashir ofereceu direitos de extracção de ouro a uma subsidiária da M-Invest, conhecida como Meroe Gold.
“Pensa-se que a M-Invest tenha informado Omar al-Bashir sobre a criação de um sistema completo de falsa propaganda para desacreditar os líderes dos protestos populares pró-democracia,” afirmou Suliman Baldo, conselheiro sénior da The Sentry, um grupo de pesquisa que investiga o dinheiro associado a criminosos de guerra. “Além disso, aconselharam-no a encenar execuções públicas e assassinar um número razoável de protestantes para reprimir o protesto contra o seu regime.”
Este tipo de apoio externo e campanha de informação é, por vezes, apelidado de operação “cavaleiro negro.” Os russos desempenham o papel do cavaleiro negro que apoiam o líder ou o partido no poder e, em troca, obtém acesso aos recursos naturais.
A empresa gigante russa de energia, Rosneft, opera na Guiné Equatorial, Líbia, Moçambique, Nigéria, Sudão do Sul e Uganda. A empresa de energia nuclear russa, Rosatom, assinou contratos para operar em 14 países africanos e as empresas de produção de energia, Lukoil e Gazprom, estão também activas no continente. As empresas mineiras russas estão muito interessadas em ter acesso aos direitos de extracção de bauxite, platina e outros metais.
O governo russo considera uma vantagem estratégica apoiar regimes que possam fornecer às suas empresas acesso a estes recursos naturais. Muitas vezes, trata-se de regimes com os quais a maioria dos líderes mundiais não pretendem associar-se.
“A Rússia está disposta a fazer negócios com muitos actores sem escrúpulo,” afirmou Hudson. “Está disposta a fazer negócios com regimes que pretendem ter poder através de métodos inconstitucionais. Está disposta a fazer negócios com governos militares, em relação aos quais as democracias ocidentais podem não estar interessadas em estabelecer ligações. A Rússia considera que é uma vantagem ter acesso a esses mercados.”
Nem todas as actividades cibernéticas da Rússia em África são direccionadas aos países africanos. Algumas utilizam África como plataforma para divulgação no exterior.
Para criar um ambiente de confusão e distanciarem-se dos esforços globais de interferência nas eleições e desinformação, os operativos russos criaram “viveiros de trolls” em África. Operações detectadas no Gana e na Nigéria pagam jovens para publicarem notícias falsas ou enganosas nas plataformas das redes sociais, denunciou uma investigação da CNN.
O Facebook removeu 49 contas, 69 páginas e 85 contas do Instagram, que considerou estarem envolvidas em ingerência estrangeira. O Twitter removeu também 71 contas associadas a viveiros onde as pessoas, muitas vezes, residem e trabalham em quartos apertados.
“A maioria publicou em Inglês e indicou que residia nos Estados Unidos,” avançou o Twitter num comunicado. “As contas, que operavam a partir do Gana e da Nigéria e que associamos, com fiabilidade, à Rússia, tentaram semear a discórdia, através de conversas sobre problemas sociais, como raça e direitos civis.”
Este franchising dos esforços de desinformação por parte da Rússia dificulta a localização e o encerramento dessas contas.
Grossman disse que, apesar dos gigantes das redes sociais e dos governos poderem fazer mais para impedir este tipo de ingerência, a melhor solução e a mais rápida é que os utilizadores estejam atentos ao que possa ser conteúdo falso ou publicações nas redes sociais concebidos para manipulá-los.
“Em termos gerais, quando os cidadãos consomem informações nas redes sociais, devem reflectir sobre o que essas mensagens estão a tentar transmitir-lhes,” explicou Grossman. “E se concluírem que as suas emoções estão a ser manipuladas, é aconselhável suspeitarem dessas publicações.”
Esforços Da Desinformação Russa Em África Por País
LÍBIA
Tipos de conteúdo da internet: Páginas da internet concebidas para parecerem notícias e páginas de fãs de líderes políticos e militares.
Mensagem: Apoio ao Marechal rebelde Khalifa Haftar e às suas milícias e Saif al-Islam, filho do antigo ditador líbio, Muammar Gadhafi.
Possível objectivo: Apoiar o regresso do governo autoritário à Líbia, o que pode facilitar o acesso da Rússia a recursos naturais, incluindo o petróleo.
SUDÃO
Tipos de conteúdo da internet: Páginas da internet concebidas para parecerem notícias e páginas políticas.
Mensagem: Apoio ao antigo líder Omar al-Bashir, difamação de movimentos de protesto, elogiando a Rússia como parceiro económico.
Possíveis objectivos: Fortalecer um regime simpatizante que garante à Rússia acesso a minérios. Receber apoio para construir uma base naval russa no Mar Vermelho.
MADAGÁSCAR
Tipos de conteúdo da internet: Páginas da internet concebidas para parecerem notícias, páginas que apoiam políticos, páginas criadas para empresas mineiras.
Mensagem: A Rússia apoiou activamente os seus candidatos preferidos durante as eleições nacionais de 2018, através de publicidades na internet, na televisão e material impresso, violando a legislação eleitoral.
Possível objectivo: Uma empresa controlada por Yevgeny Prigozhin adquiriu uma participação maioritária numa empresa de exploração mineira malgaxe e necessitava de um governo simpatizante para manter o acesso.
REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA (RCA)
Tipos de conteúdo da internet: Páginas da internet concebidas para parecerem notícias, páginas de desporto e de cultura, páginas que apoiam políticos, páginas sobre problemas gerais que apoiam o envolvimento da Rússia na RCA.
Mensagem: Normalmente, as páginas apoiavam a administração no poder, apoiavam as parcerias entre a Rússia e a RCA e criticavam a França e as Nações Unidas.
Possíveis objectivos: A Rússia é um dos principais fornecedores de armas ao país e criou uma forte parceria política e de segurança, através de empresas militares privadas. Estas empresas garantem protecção pessoal a políticos e treino às forças armadas. Segundo algumas fontes, esta parceria permitiu o acesso de empresas russas à extracção de minérios na RCA. O esforço cibernético pode ter como objectivo alargar este acesso e ganhar o apoio do público.