EQUIPA DA ADF
Semanas depois de um golpe militar no Sudão, os protestos nas ruas continuam e os mediadores estrangeiros estão a procurar negociar um regresso à estabilidade. Permanecem questões quanto ao que causou o golpe e sobre o que o futuro espera para o país de 44 milhões de habitantes.
Raízes do Golpe
O golpe de 25 de Outubro ocorreu um mês antes da data prevista que os líderes civis assumiriam o Conselho de Soberania, a estrutura conjunta civil-militar de partilha de poder posta em vigor depois da deposição de Omar al-Bashir, em 2019.
Nos termos do acordo, a presidência do Conselho de Soberania devia passar para o controlo civil no dia 17 de Novembro e durar pelos 18 meses que antecedem as eleições de 2023. Ao invés disso, o então presidente do conselho, General Mohammed Fattah al-Burhan, dissolveu-o e prendeu os líderes civis, incluindo o Primeiro-Ministro Abdala Hamdok.
Os analistas acreditam que alguns do exército estavam com receio de ceder o poder.
“Eles viviam sob a ameaça de perder tudo,” Roland Marchal, um pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica,disse ao The Africa Report. “Sentiam que o cerco estava a apertar e provavelmente queriam agir antes que fosse tarde demais.”
Os membros civis do conselho tinham começado a investigar abusos perpetrados pelas Forças de Apoio Rápido (RSF, sigla inglesa) dos militares e tinha começado a cobrar impostos a alguns dos interesses empresariais dos militares. Uma limpeza de membros militares corruptos também seria possível.
“Isto não estava apenas a expor e remover a rede de empresas detidas pelos islamitas que foram obrigados a abandonar o poder em 2019, mas também os tentáculos dos impérios comerciais detidos por generais,” Alex de Wall, especialista em assuntos da África Oriental, escreveu para a BBC. “O Sr. Hamdok tinha-se tornado cada vez mais aberto nas suas críticas do envolvimento dos militares na economia.”
Interesses Empresariais Militares
Depois do lançamento do golpe de 25 de Outubro, a liderança militar sudanesa rapidamente encerrou os esforços para acabar com a corrupção.
Um destes esforços era um comité formado depois da revolução de 2019, com um mandado de acabar com o controlo do regime de al-Bashir sobre activos fundamentais e os recursos naturais e devolvê-los para o benefício dos cidadãos sudaneses.
Em 2020, o comité reivindicou vastas quantidades de terras aráveis, afirmando que tinham sido tomadas ilegalmente por membros do governo de al-Bashir, e 1,2 bilhões de dólares em activos de Abdel Basset Hamza, um antigo oficial militar júnior, que tinha interesses em hotéis, o Afra Mall e empresas de telecomunicações.
“Estas foram as pessoas que organizaram algumas das maiores operações de branqueamento de capitais do planeta. Agora estamos a caçar os bilhões perdidos,” um dos oficiais seniores do comité, Wajdi Saleh, disse à BBC, meses antes do golpe. Saleh foi preso no dia 25 de Outubro.
Desde terras aráveis a campos de petróleo, o exército sudanês está profundamente envolvido na economia do país e, nalguns casos, utilizando aqueles mesmos interesses económicos para financiar operações fora do orçamento do governo. Isso inclui a gestão das RSF pelo General Mohammed Hamdan Dagolo. Dagolo, também conhecido como Hemedti, ficou quase sempre em silêncio desde o golpe.
As empresas detidas por militares estão isentas de pagar impostos de rendimento, o que aumenta os problemas financeiros do país.
Pelo menos uma operação detida por militares, os Sistemas Industriais de Defesa, concordou em Março em entregar as suas operações civis ao governo pós-golpe e fazer a transição para tornar-se numa empresa pública. Não está claro em que ponto se encontra esta transição agora.
De acordo com o analista Madgi el-Gizouli, do Rift Valley Institute, o golpe cresceu a partir da indisponibilidade dos militares de fazerem mais concessões à liderança civil.
“Eles calcularam que isso permitiria que eles vencessem o movimento de protestos e que teriam o poder de veto sobre a transição,” disse el-Gizouli ao Grupo Internacional da Crise. “Obviamente que, durante a transição, as relações continuaram difíceis. Eles, na realidade, não tiveram o poder de veto por completo. Tiveram de fazer concessões.”
“Fracturas do lado civil do Conselho de Soberania transicional deu ao exército o espaço que precisava para lançar o golpe,” disse el-Gizouli.
Interesses Russos
O golpe de Estado foi amplamente condenado pela comunidade internacional, mas, ainda assim, um país — a Rússia — recusou-se. Em 2020, a Rússia assinou um acordo de cooperação militar com o Sudão depois da deposição de al-Bashir e assinou um acordo de construção de uma base naval russa, em Port Sudan.
Antes do golpe, os membros civis do Conselho de Soberania procuraram mudar as condições daquele acordo, fazendo atrasar as medidas relacionadas com a base russa.
O regime militar pode acelerar o processo da construção da base naval russa, de acordo com o analista Kirill Semenov, um membro não residente do Conselho Russo de Assuntos Internacionais.
A Rússia também possui outros interesses em causa no Sudão: A empresa militar privada, apoiada pelo Kremlin, o Grupo Wagner, está activo no Sudão desde que al-Bashir o convidou para treinar o exército nacional, em 2017. As empresas mineiras ligadas ao Grupo Wagner vieram depois, tal como aconteceu noutros países africanos.
O Que se Espera?
O governo militar dirigido por al-Burhan enfrenta forte oposição por parte da burocracia do governo, que tem apelado a greves, e por parte dos civis, que exigem que al-Burhan restaure a transição para o governo civil.
Depois de décadas de ditadura, o povo do Sudão está a deixar claro que quer que o exército renuncie o poder no país.
“O exército não tem o consentimento do povo,” disse el-Gizouli. “É necessário o elemento de consentimento para governar e penso que ele enfrentará sérios problemas para conseguir isso.”