EQUIPA DA ADF
A face em mudança da manutenção da paz em África está patente na República Democrática do Congo (RDC), onde um conflito aparentemente intratável continua a grassar as províncias orientais.
A missão de estabilização das Nações Unidas na RDC, conhecida como MONUSCO, é uma das maiores, mais caras e mais antigas missões da ONU. Após anos de frustração, o governo solicitou que a MONUSCO acelerasse a sua retirada total este ano e não até ao final de 2024.
Com receios bem fundamentados de um vazio de segurança, a RDC solicitou em 2022 o envio de uma força multilateral composta por tropas dos países vizinhos do bloco regional a que tinha aderido recentemente, a Comunidade da África Oriental (CAO).
Kinshasa ficou rapidamente insatisfeita com a força regional da CAO quando muitas das suas tropas se recusaram a enfrentar militarmente o grupo rebelde M23.
“A força regional da CAO deve sair da RDC até 8 de Dezembro porque não conseguiu resolver os problemas, nomeadamente os do M23, que bloqueiam o processo de pré-acantonamento há dois meses,” o vice-Primeiro-Ministro, Jean-Pierre Bemba, disse a 9 de Outubro.
Segue-se a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), outro bloco regional a que pertence a RDC. Embora se desconheçam as datas e os pormenores do seu destacamento, espera-se que envie a sua própria força regional.
Durante décadas, a África viu dezenas de esforços de manutenção da paz e alianças multilaterais surgirem e desaparecerem, estimulando um debate rigoroso sobre os conceitos de segurança colectiva e defesa colectiva.
A segurança colectiva, encarnada pela ONU, visa prevenir conflitos através da cooperação e da acção colectiva. A defesa colectiva, exemplificada por vários blocos regionais no continente, procura defender-se contra um ataque através de uma acção militar.
Alguns especialistas têm-se interrogado se este tipo de regionalização da manutenção da paz em África poderá significar o fim da segurança colectiva.
Os investigadores Paul-Simon Handy e Félicité Djilo abordaram o assunto num documento de políticas para o Instituto de Estudos de Segurança (ISS), sediado na África do Sul. Registaram um aumento das operações de manutenção da paz em África, envolvendo tropas de países vizinhos.
“Embora se parta do princípio de que estes países têm uma melhor compreensão da crise, o seu envolvimento é frequentemente acompanhado de desafios,” escreveram. “Esta violação de uma regra não escrita da manutenção da paz das Nações Unidas indica uma transformação das operações de paz, de instrumentos de segurança colectiva em veículos de defesa colectiva.
“Embora os países que fazem fronteira com um país em crise tenham demonstrado uma maior capacidade de resposta em termos de resolução de conflitos, o seu papel acrescido poderá contribuir para desviar ainda mais as operações de apoio à paz da sua lógica inicial.”
Em Julho, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, publicou um documento intitulado “Uma Nova Agenda para a Paz,” que destaca a sua visão para o futuro do multilateralismo.
Desde que assumiu o cargo em 2017, Guterres tem lamentado a “subutilização” de diferentes ferramentas referidas na Carta da ONU, incluindo “negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, resolução judicial, recurso a agências ou acordos regionais ou outros meios pacíficos.”
Outro investigador do ISS, Dawit Yohannes, observa que o Conselho de Paz e Segurança da União Africana é um exemplo de um acordo de segurança colectiva.
“Mas ao fim de 20 anos, estes esforços não estão a funcionar suficientemente bem,” escreveu para o ISS em Agosto. “A UA admite que a terrível situação exige uma nova abordagem que se alinhe com os factores de desestabilização que África enfrenta actualmente.
“Muitos Estados africanos resistem ao que consideram ser a interferência da UA ou dos blocos regionais nas suas questões políticas ou de segurança.”
Handy e Djilo, considerando a realidade das forças regionais que desempenham cada vez mais um papel, procuram enquadrar os destacamentos com um duplo objectivo:
“Por um lado, manter a imparcialidade e a neutralidade das operações de manutenção da paz, nomeadamente aos olhos das populações, mas também das partes em conflito; por outro lado, assegurar um equilíbrio relativo a favor dos objectivos da missão e não dos interesses nacionais do país vizinho.”
Yohannes afirma que a abordagem da segurança colectiva não deve ser abandonada, mas sim estudada para se compreenderem melhor as suas deficiências.
“O continente precisa de um mecanismo de cooperação que aborde a insegurança persistente e acompanhe as mudanças na política mundial,” escreveu.
“A UA e os organismos regionais devem liderar a convocação de um diálogo sobre a abordagem de África. São essenciais debates francos e abertos, nomeadamente sobre a interpretação restritiva da soberania e a falta de prioridade dada à prevenção de conflitos.”