EQUIPA DA ADF
Em meados de 2020, o Tribunal Constitucional da República Centro-Africana negou o pedido do Presidente Faustin-Archange Touadéra para adiar as eleições de 2020 devido à pandemia da COVID-19. Quase imediatamente a seguir, começaram a circular na internet alegações de que o tribunal tinha sido subornado para actuar contra o presidente.
As acusações vieram de um operador anónimo no WhatsApp conhecido como “Eye on CAR” (De olhos na RCA), que faz parte de uma rede de comentadores que trabalham sob a égide do grupo “One Africa One Success” (Uma África um sucesso), constituído por dezenas de africanos com formação russa que publicam mensagens pró-russas na internet. Tal como o “Eye on CAR,” a maioria tem números de telefone russos, de acordo com uma investigação do The Daily Beast.
As teorias de conspiração — muitas das quais, como a alegação de suborno da RCA, visam a França — e outros materiais publicados no site “One Africa One Success” chegaram aos meios de comunicação social africanos, alimentando a desconfiança e a indignação públicas. As mensagens são enviadas aos jornalistas, através do servidor de correio electrónico de propriedade russa, Yandex.
“Eye of CAR tornou-se um nome em que muitas pessoas querem confiar,” Louis Kottoy, um jornalista independente na RCA, disse ao The Daily Beast. “Pessoas de todas as esferas da vida, desde políticos a funcionários públicos, têm partilhado tudo o que é criado no WhatsApp com este nome, ajudando-o a ganhar popularidade e retratando quem está por trás deste como credível.”
Em todo o continente, as pessoas estão a ser inundadas por uma enxurrada de propaganda pró-russa destinada a minar as alianças internacionais, apoiar os líderes autoritários pró-russos e moldar o sentimento público a favor das intervenções frequentemente brutais dos mercenários do Grupo Wagner.
Os analistas do grupo de reflexão Rand Corp. descrevem o modelo de propaganda da Rússia em África como “uma mangueira de falsidade.” Em muitos casos, o Grupo Wagner serve de canal para a propaganda russa.
O projecto de propaganda da Rússia assume muitas formas:
- Na RCA, a embaixada russa e a empresa mineira Lobaye Invest, afiliada do Grupo Wagner, lançaram a Rádio Lengo Songo pouco depois de o Grupo Wagner ter entrado no país para transmitir notícias e comentários pró-russos. O Grupo Wagner também patrocinou concursos de beleza e patrocinou projecções do filme pró-russo “Le Touriste.”
- No Mali, a propaganda concentrou-se em denegrir a França e o seu esforço de oito anos para ajudar o país a combater uma insurreição no norte. A propaganda russa criou uma narrativa segundo a qual os soldados franceses teriam deixado uma vala comum quando abandonaram o país. A alegação foi rapidamente desmentida através de imagens de satélite que mostravam as forças do Grupo Wagner a fabricar o local.
- No Gana e na Nigéria, as “fazendas de trolls” russas têm operado para injectar propaganda nas redes sociais em todo o continente. As operações têm frequentemente um pico nos países visados pouco antes das eleições, promovendo o candidato pró-russo.
Os bloguistas e comentadores pró-russos, como Adama Diabaté, no Mali, ou Blaise Didacien Kossimatchi, na RCA, são amplificados pelos meios de comunicação social russos e pelos canais das redes sociais. Diabaté afirmou que os mercenários do Grupo Wagner são apoiados “até ao último camponês da última aldeia.”
Com 16 operações de propaganda no continente, a Rússia tornou-se o principal criador de desinformação em África, de acordo com um estudo do Centro de Estudos Estratégicos de África. As operações de propaganda mais movimentadas encontram-se no Quénia, Líbia, Mali, Moçambique, Nigéria, África do Sul e Sudão.
“Esta estratégia aumenta as queixas e explora as divisões no seio da sociedade visada, fomentando a fragmentação e a inacção, ao mesmo tempo que proporciona aos perpetradores uma negação plausível,” escreveram os autores do relatório.
Para além destas campanhas de influência, a emissora russa RT está também ocupada a criar gabinetes em África. Para complementar a sua maior agência em Nairobi, a RT abriu recentemente um escritório na Argélia e está agora a tentar contratar cerca de 300 correspondentes em todo o continente. A RT já está a trabalhar em pequena escala ao longo do Golfo da Guiné, enquanto o meio de comunicação social russo Sputnik está a operar no Burquina Faso.
“O Kremlin vê África como um teatro de projecção de poder cada vez mais importante,” o analista Samuel Ramani, autor de um livro sobre o envolvimento da Rússia em África, disse ao Financial Times. “Eles trabalham com os autocratas existentes e criam um modelo de estabilidade autoritária que equiparam a anti-neocolonialismo.”