EQUIPA DA ADF
A insegurança, a fome, a seca, a inflação e a pobreza assombram o dia-a-dia dos civis malianos numa altura em que o país enfrenta uma confluência de crises.
O Mali está cada vez mais isolado da comunidade internacional depois de dois golpes de Estado militares terem causado sanções a nível regional. A junta que se encontra no poder anunciou planos para restaurar o governo civil, mas não deu detalhes sobre quando e como isso irá acontecer. A recente colaboração do Mali com o famoso grupo de mercenários da Rússia, Grupo Wagner, causou acusações de violações de direitos humanos e a saída das forças de segurança internacionais e de apoio.
Os grupos humanitários também estão a soar alarmes sobre o aumento da fome bem como o aumento da violência contra civis que vem pela mão de grupos extremistas e das forças governamentais com o apoio de combatentes do Grupo Wagner.
Tudo isso acresce-se à miséria do povo de Mali.
Crise de direitos humanos
Eram cerca das 10 horas da manhã, num dia marcado, na cidade de Moura, no centro de Mali, dia 27 de Março, quando vários helicópteros chegaram com forças governamentais e combatentes russos, disseram as testemunhas.
Aterraram e trocaram tiros com membros de uma organização armada islamita antes de dispararem contra pessoas que tinham entrado em pânico e fugido.
Pelo menos 300 pessoas foram mortas no decurso dos quatro dias de terror enquanto militantes islamitas, residentes das aldeias e visitantes do mercado eram cercados e alvejados, de acordo com um relatório da Human Rights Watch (HRW).
“O governo maliano é responsável por esta atrocidade, a pior que ocorreu no Mali em uma década, quer tenha sido levada a cabo por forças malianas ou por soldados estrangeiros associados,” directora da HRW para o Sahel, Corinne Dufka, disse num comunicado.
O exército do Mali chamou-a de operação em grande escala no “feudo terrorista” de Moura e disse que tinha matado 200 militantes.
A princípio, a junta não admitiu ter enviado mercenários, afirmando que os “consultores” russos estavam no Mali para treinar forças de combate aos insurgentes.
O procurador militar do Mali anunciou uma investigação dos eventos que decorreram em Moura depois de exigências de responsabilização por parte de uma agência governamental maliana, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
Desde que a França anunciou a sua retirada do Mali dentro de seis meses, em Fevereiro, houve um aumento significativo de mortes de civis, quer nas mãos de grupos armados islamitas assim como das forças malianas.
As Nações Unidas também estão a investigar os relatórios das suas missões de manutenção da paz no Mali (MINUSMA) sobre casos semelhantes de forças malianas, “acompanhadas por alegados elementos russos do Grupo Wagner,” terem invadido aldeias e executado civis.
O Presidente do CNDH, Aguibou Bouare, disse que ainda não foi capaz de provar que os combatentes russos são membros do Grupo Wagner, mas condena o uso de mercenários no Mali.
“Sabemos que estas são organizações que não respeitam os direitos humanos,” disse à Voz da América. “É por isso que realmente tememos intervenções deste tipo de empresas militares privadas.”
Mais de 400.000 malianos ficaram internamente deslocados por causa da violência extremista, de acordo com as estatísticas da ONU.
Crise humanitária
O número de pessoas que está a passar fome, no Mali, triplicou em 2021 — um recorde de 1,2 milhões em crise alimentar, de acordo com uma coligação de 22 organizações de ajuda que trabalham naquele país.
“A situação irá de mal a pior para milhares de pessoas vulneráveis se não agirmos agora, com projecções indicando para um aumento de mais de 58% no número de pessoas que irão sofrer insegurança alimentar no Mali no próximo ano,” Adeline Benita, directora do Fórum das ONGs Internacionais no Grupo de Trabalho Humanitário, disse num comunicado.
No ano passado, a seca e uma época chuvosa abreviada reduziram as colheitas, causando o aumento dos custos ao mesmo tempo que os preços de produtos alimentares a nível mundial estão a aumentar devido à invasão da Ucrânia pela Rússia.
Ely Keita, director da agência de ajuda humanitária do Mali, CARE, disse que a crise no Mali é multidimensional.
“Temos a ameaça física ligada à contínua violência e insegurança, mas isso também é acompanhado pela deterioração da crise climática que está a causar temperaturas cada vez mais elevadas e fracas chuvas,” disse na página da internet da organização. “Muitas pessoas não foram capazes de ir às suas machambas devido à insegurança contínua. As pessoas estão a vir para as suas machambas e a ver as suas terras de cultivo em chamas, o que é muito traumatizante.
“Também sabemos que 80% daqueles que trabalham no sector informal, como na agricultura, são mulheres e raparigas, o que representa um risco acrescido e um fardo para elas, visto que não podem aceder aos seus meios de subsistência, mas ainda assim carregam a responsabilidade de alimentar as suas famílias.”