EQUIPA DA ADF
Membros das forças armadas do Mali e mercenários russos do Grupo Wagner estão alegadamente a semear o terror e a cometer “graves violações de direitos humanos.”
Os relatos de atrocidades vêm de várias fontes: um painel de especialistas das Nações Unidas, antigos rebeldes Tuaregues do norte do Mali, a organização internacional de defesa dos direitos humanos Human Rights Watch (HRW) e o Projecto de Localização de Conflitos Armados e Dados de Eventos (ACLED).
No seu relatório ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, os especialistas alertaram para a violência sexual “sistemática” por parte das tropas malianas, bem como de “presumíveis” elementos do Grupo Wagner.
“O painel acredita que a violência contra as mulheres e outras formas graves de abusos de direitos humanos e do direito humanitário internacional estão a ser utilizadas, especificamente pelos parceiros de segurança estrangeiros, para espalhar o terror entre as populações,” escreveram os especialistas, de acordo com uma reportagem da Reuters.
“Estas práticas criam potencialmente um receio de represálias, que actua como um dissuasor para as comunidades e grupos armados que, de outra forma, procurariam ameaçar os parceiros de segurança estrangeiros ou prejudicá-los.”
Os grupos extremistas islâmicos têm andado a fazer estragos no norte, centro e leste do Mali, matando centenas de pessoas e obrigando milhares a fugir das suas residências. O Mali tem-se esforçado por conter a insurgência violenta, que começou em 2012.
A junta militar do Mali, que tomou o poder através de golpes de Estado em 2020 e 2021, contratou mercenários do Grupo Wagner da Rússia em 2021 para preencher um vazio de segurança que criou ao expulsar uma força multinacional liderada pela França que estava a combater os extremistas.
Pelo menos 5.750 pessoas foram mortas em mais de 1.740 incidentes em todo o Mali, entre Janeiro de 2022 e Março de 2023, de acordo com o ACLED, um projecto de mapeamento de crises.
Nos últimos anos, o conflito alastrou-se para os países vizinhos do Sahel, como o Burquina Faso e o Níger. Os ataques persistentes de militantes ligados à al-Qaeda e ao Estado Islâmico obrigaram centenas de milhares de pessoas a fugir das suas residências e cerca de 9 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária.
O ACLED registou 298 incidentes violentos envolvendo o Grupo Wagner no Mali, entre Dezembro de 2021 e Junho de 2023. O número destes eventos atingiu o seu pico no primeiro trimestre de 2023.
Num relatório de 2 de Agosto sobre as operações globais do Grupo Wagner, o ACLED afirma que os residentes da região central informaram que os mercenários russos tinham participado em cerca de 90% das operações militares do Mali.
Em 2022, o ACLED informou sobre a introdução de armadilhas pelo Grupo Wagner, uma táctica não utilizada anteriormente pelas forças do Mali ou pelos seus parceiros.
“Desde então, as tácticas do Grupo Wagner no Mali evoluíram para incorporar métodos mais hediondos, como armadilhas, ejecção de prisioneiros de aviões e destruição de antenas de telecomunicações nas suas zonas operacionais,” afirma o ACLED no seu novo relatório.
“Os envolvimentos do Grupo Wagner vão desde operações tradicionais contra militantes jihadistas a acções militares contra milícias locais e grupos armados não identificados. No entanto, os mercenários do Grupo Wagner atacam mais frequentemente civis através de massacres, raptos e pilhagens.”
Pensa-se que o Grupo Wagner possua entre 1.000 e 1.645 combatentes no Mali. São liderados por Ivan Maslov, que está a enfrentar sanções internacionais por ter tentado traficar armas no Mali para serem utilizadas na guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Nas suas operações em todo o continente, os mercenários do Grupo Wagner deixaram constantemente um rasto de destruição e de mortes de civis, o que deu origem a numerosas alegações de crimes de guerra e de violações de direitos humanos.
No dia 7 de Agosto, os antigos rebeldes Tuaregues de Foita, no norte do Mali, acusaram o grupo mercenário russo de atacar uma das suas bases e de matar dois dos seus homens.
“Este ataque foi levado a cabo pelas forças armadas do Mali e pelos seus representantes do Grupo Wagner,” declarou o grupo Tauregue num comunicado enviado à Agence France-Presse.
Chamando-lhe “um acto odioso e premeditado,” os antigos rebeldes afirmaram que o Grupo Wagner “minou deliberadamente” o cessar-fogo que o anterior governo civil tinha acordado com os rebeldes.
No seu relatório publicado a 24 de Julho, a HRW afirma que os combatentes do Grupo Wagner e os soldados malianos “executaram sumariamente e fizeram desaparecer à força várias dezenas de civis na região central do Mali desde Dezembro de 2022.
“Também destruíram e saquearam bens de civis e alegadamente torturaram detidos num campo do exército.”
O relatório da HRW surge semanas depois de o Mali ter começado a expulsar a missão de manutenção da paz da ONU conhecida como MINUSMA, que opera no país há uma década e investiga abusos de direitos humanos como parte do seu trabalho.
“A MINUSMA tinha falhas e fraquezas, mas foi capaz de levar a cabo algumas actividades muito importantes, incluindo garantir um mínimo de segurança aos centros urbanos no centro e norte do Mali,” Ilaria Allegrozzi, investigadora sénior da HRW, disse à The Associated Press.
Allegrozzi e muitos outros especialistas alertam para o facto de o Mali utilizar mercenários do Grupo Wagner na sua abordagem antiterrorista, o que irá desestabilizar ainda mais o país.
“Matar civis em nome da segurança não vai ajudar,” disse.