EQUIPA DA ADF
Milhões de toneladas de madeira ilegal contrabandeada de Moçambique para a China estão a ajudar a financiar uma das insurgências mais mortíferas de África, de acordo com um relatório recentemente publicado.
O comércio ilícito de pau-rosa na China, estimado em centenas de milhões de dólares por ano, está ligado ao financiamento de militantes moçambicanos ligados ao Estado Islâmico, segundo a Environmental Investigation Agency (EIA), uma organização que combate o crime ambiental.
“Em violação descarada da proibição de exportação de toros [de Moçambique], os negociantes de madeira chineses compram toros por alguns dólares e vendem-nos na China, onde podem ser transformados em mobiliário de luxo vendido por dezenas de milhares de dólares,” afirmou a agência no seu site.
O pau-rosa tornou-se o produto natural mais traficado do mundo, em grande parte devido à procura da China, onde é um bem precioso. Embora o abate de árvores de pau-rosa na China seja proibido, o país continua a importar grandes quantidades, incluindo cerca de 20.000 toneladas métricas das florestas antigas de Moçambique em 2023.
Para o seu relatório, a EIA conduziu uma investigação secreta de quatro anos em Moçambique e na China e entrevistou mais de 30 fontes envolvidas no sector madeireiro de Cabo Delgado. Cabo Delgado é a província mais setentrional do país.
“Há muitos anos que analisamos o sector madeireiro em Cabo Delgado, Moçambique, e temos visto enormes volumes de madeira ilegal a serem exportados do país, não processados em forma de troncos, a maior parte dos quais para a China,” o analista da EIA, Alex Bloom, principal autor do relatório, disse à BBC. “Descobrimos que na província de Cabo Delgado existe um nexo entre este comércio ilícito de madeira e a insurgência que tem ocupado o norte do país. Desde 2017, mais de 500.000 toneladas de madeira não processada são importadas anualmente pela China de Moçambique.”
Desde 2017, os combatentes do Estado Islâmico-Moçambique (ISM) aterrorizam Cabo Delgado, matando mais de 6.500 pessoas e deslocando quase 1 milhão de pessoas.
“Os comerciantes de madeira compram madeira de diferentes florestas da província de Cabo Delgado, incluindo fontes ilegais e de áreas ocupadas por insurgentes, mesmo áreas onde os próprios insurgentes cortaram madeira e estão a beneficiar das vendas,” disse Bloom. “Toda essa madeira é depois trazida para Montepuez, onde a maior parte destes comerciantes têm as suas serrações e processos de contentorização. A madeira é toda misturada e depois transportada por camião para os portos de Moçambique para ser exportada, a maior parte para a China.”
O investigador Piers Pigou, do Instituto de Estudos de Segurança, sediado na África do Sul, sugeriu que os militantes poderiam estar a ganhar dinheiro indirectamente com a indústria madeireira chinesa.
“O que os pode envolver é a extracção de rendas de uma forma ou de outra,” disse à Voz da América. “Penso que existem alguns pontos de interrogação sobre qual seria exactamente a natureza dessa ligação à insurgência.”
Moçambique tem uma proibição de exportação de toros desde 2017, mas a China continua a importar mais de 90% da madeira extraída de Moçambique. Um relatório do governo moçambicano apresentado ao parlamento em Abril afirmou que o “comércio ilícito de espécies da flora e fauna bravia ou de partes das mesmas atingiu proporções alarmantes.”
O relatório refere ainda que os insurgentes do ISM utilizam o comércio ilícito de madeira para um “nível muito elevado de angariação de fundos” para “alimentar e financiar a reprodução da violência.” O mesmo estimou que as receitas do ISM provenientes do comércio ilegal de madeira ascendiam a 1,9 milhões de dólares por mês.
Bloom instou os dois países a tomarem medidas para travar a indústria da “madeira de conflito.”
“Os líderes de Moçambique precisam de acordar e fazer mais para aplicar as suas próprias leis florestais, especificamente a sua proibição de exportação de toros,” disse. “A China também precisa de fazer mais. Infelizmente, o governo da China tem, historicamente, uma política de não fazer perguntas quando se trata de importar madeira, sem ter em conta a legalidade da origem.”