EQUIPA DA ADF
Com os combates entre os generais rivais do Sudão a não darem sinais de abrandamento, os especialistas estão atentos à possibilidade de o conflito alastrar-se para a República Centro-Africana (RCA) e o Chade.
Os vizinhos do Sudão a norte e a leste também enfrentam repercussões, mas os seus vizinhos ocidentais partilham laços étnicos únicos, laços históricos e a presença de rebeldes e de mercenários do Grupo Wagner, que podem transformar-se num conflito regional.
Para além disso, a RCA e o Chade partilham uma fronteira com a volátil região sudanesa de Darfur, onde já se registaram combates no passado. Milhares de sudaneses já fugiram para a RCA e o Chade em busca de refúgio contra a violência.
A fronteira da RCA com o Darfur Central e o Darfur do Sul continua aberta, permitindo a potencial transferência de armas e de combatentes apoiados pelo Grupo Wagner, que se encontra activo em ambos os lados da fronteira. O Chade fechou a sua fronteira de 1.400 quilómetros com o Sudão para impedir a potencial propagação da violência. Não se sabe até que ponto isso funcionará na região fronteiriça, historicamente porosa.
“Apesar da sua postura de neutralidade, ambos os países podem vir a envolver-se no conflito do Sudão devido a estas dinâmicas comunitárias transfronteiriças,” escreveram recentemente os investigadores Remadji Hoinathy e Yamingué Bétinbaye para o Instituto de Estudos de Segurança.
RCA: Na República Centro-Africana, a situação em relação ao Sudão é simples: “Estão do lado de Hemedti,” disse recentemente ao Middle East Eye o analista sudanês Kholood Khair, director do grupo de reflexão Confluence Advisory, de Cartum.
Hemedti é o nome utilizado pelo chefe das Forças de Apoio Rápido (RSF), General Mohamed Hamdan Dagalo. Ele recrutou combatentes da RCA e controla a fronteira de Um Dafuq. Hemedti e o governo da RCA partilham um aliado comum, o Grupo Wagner, que está profundamente envolvido na extracção de ouro em ambos os lados da fronteira.
Os rebeldes da RCA da Coligação de Patriotas para a Mudança (CPC) informaram que os combatentes do Grupo Wagner estão a enviar armas e reforços para as RSF através de Um Dafuq. As duas forças também se reuniram na fronteira para decidir que tipo de apoio será prestado às RSF através de Um Dafuq.
“As nossas forças, enquanto oposição da RCA, estão a lutar contra o Grupo Wagner e as forças do exército da RCA, pelo que estamos também a tentar coordenar a nossa acção com o exército sudanês, a fim de pôr termo ao apoio mútuo que o governo da RCA, o Grupo Wagner e as RSF estão a prestar uns aos outros,” disseram fontes não identificadas da CPC ao Middle East Eye.
Tal como as províncias chadianas a norte, os municípios de Vakaga e Haute-Kotto, da RCA, foram vítimas de violência por parte das forças Janjaweed no passado. As RSF evoluíram a partir das milícias Janjaweed que foram utilizadas pelo antigo ditador sudanês, Omar al-Bashir, para reprimir as rebeliões na região de Darfur, em 2003.
Chade: O Chade está alinhado com al-Burhan e com as Forças Armadas do Sudão (SAF), mas mantém-se oficialmente neutro em relação ao conflito no Sudão.
A neutralidade do governo é complicada pelas ligações familiares do líder chadiano, Mahamat Déby, ao grupo étnico Zaghawa. A população Zaghawa vive em ambos os lados da fronteira entre o Chade e o Sudão e inclui uma milícia chefiada pelo governador do Darfur do Norte, Suliman Arcua “Minni” Minnawi, um aliado de al-Burhan.
As actividades das RSF, ao longo da fronteira entre o Chade e o Sudão, nos últimos 20 anos, granjearam-lhe a animosidade dos Zaghawa e de outras comunidades locais, segundo os especialistas. As milícias Janjaweed, que actualmente integram as RSF, mataram centenas de pessoas nas províncias de Wadi Fira, Ouaddai e Sila, que fazem fronteira com o Darfur.
A família de Hemedti é originária do Chade e ele tem um primo que é general no exército chadiano. Estas ligações aumentam o risco de Hemedti se imiscuir na frágil política do Chade. Por isso, Déby e outros responsáveis chadianos estão a ser cautelosos em relação ao conflito no Sudão, segundo Jerome Tubiana, antigo analista do Sudão, do Grupo Internacional de Crise (GIC).
“Eles serão mais cautelosos com ele do que com o exército sudanês,” disse Tubiana ao podcast “The Horn” do GIC. “O exército sudanês não tem ligações dentro do Chade para interferir directamente na política chadiana.”
Déby, tal como o seu pai antes dele, tem-se mostrado hábil na utilização de ligações étnicas para gerir a política de Darfur e evitar que a violência se espalhe para além da fronteira, disse Tubiana.
As fronteiras do Sudão com a RCA e o Chade — juntamente com o Egipto, a Eritreia, a Etiópia e o Sudão do Sul — criam o risco de a luta entre al-Burhan e Hemedti se transformar num conflito regional mais vasto.
“O colapso do Sudão liga, de facto, todas estas zonas isoladas de turbulência numa só,” disse o Dr. Majak D’Agoôt, antigo vice-ministro da Defesa do Sudão do Sul, no podcast Africa Today. “Isso vai ter consequências muito graves para a segurança regional e internacional.”