EQUIPA DA ADF
A Zâmbia está a vergar-se com o peso da dívida, e os seus problemas económicos estão a causar repercussão em todo o mundo.
O país registou formalmente um incumprimento no pagamento da dívida Eurobond de 42,5 milhões de dólares em meados de Novembro. O incumprimento veio no final do período de graça de um mês que a Zâmbia recebeu para efectuar o pagamento de Outubro. Durante o mês, a Zâmbia não conseguiu chegar a um acordo com os seus credores e com o Fundo Monetário Internacional, que queria maior transparência em relação às suas dívidas com a China antes de fornecer qualquer apoio.
Como resultado, a Zâmbia tornou-se no primeiro país africano a registar um incumprimento, sublinhando o impacto económico severo que a COVID-19 teve e destacando a necessidade de alívio da dívida por parte do maior credor individual da Zâmbia, a China.
Durante as recentes negociações do alívio da dívida, a Zâmbia encontrou um bloqueio: alguns empréstimos chineses incluem acordos de confidencialidade que impedem que os países divulguem a informação. Os credores chineses disseram que a Zâmbia podia divulgar a informação aos detentores de obrigações, mas apenas se os detentores de obrigações também assinassem acordos de confidencialidade.
“O posicionamento dos bancos chineses é o seguinte: ‘Vocês não devem dar informação a ninguém sem que exista um acordo de confidencialidade em vigor,’” Ministro das Finanças da Zâmbia, Bwalya Ng’andu, disse à nação, na televisão publica local, depois do incumprimento.
O incumprimento afectou 3 bilhões de dólares em títulos, cerca de um quarto do total da dívida externa da Zâmbia. Também suscitou dúvidas quanto ao futuro dos 6 bilhões de dólares detidos por entidades chinesas, incluindo o Banco de Exportações/Importações, o Banco de Desenvolvimento e o Banco da China.
A Zâmbia já tinha um atraso de 200 milhões de dólares nos pagamentos aos credores chineses antes do seu incumprimento de Eurobond. Fez a negociação de um acordo preliminar de alívio com o Banco de Desenvolvimento da China, mas não chegou a nenhum acordo com os outros bancos.
A Zâmbia pode ser o primeiro de uma série de incumprimentos entre os países africanos que cada vez mais se encontram divididos entre cuidar dos seus cidadãos durante a pandemia global e fazer o reembolso dos empréstimos de bancos chineses.
O analista financeiro baseado em Lusaka, Trevor Hambayi, disse à ADF que os outros países provavelmente vão utilizar a ameaça de um incumprimento semelhante ao da Zâmbia para garantir que obtenham prazos favoráveis dos seus credores, através da Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), do G20, ou directamente dos bancos chineses.
“Eles irão procurar utilizar a posição da Zâmbia como vantagem para garantir que possam obter acordos que lhes facultem alívios de pagamentos da dívida como parte da estratégia DSSI do G20,” disse Hambayi, “ou mesmo o programa chinês de alívio sem necessariamente ter de registar um incumprimento nos pagamentos.”
O vizinho Moçambique recentemente juntou-se à lista de países com alerta para um possível incumprimento. Os analistas receiam que o Quénia, que tem enormes dívidas chinesas e inicialmente recusou-se a obter alívio do G20 apenas para mudar de posicionamento em meados de Novembro, possa estar a seguir a mesma direcção.
Os países que consideram a hipótese de um incumprimento na dívida chinesa apenas precisam de olhar para o outro lado do Oceano Índico para ter um vislumbre do seu possível futuro: o Sri Lanka foi obrigado a arrendar o seu Porto de Hambantota — financiado em 85% pelo Banco de Exportações/Importações da China — à empresa pública China Merchants Port Holdings por 99 anos, depois de não ter conseguido cumprir com as suas obrigações da dívida.
O incumprimento da Zâmbia pode custar o seu controlo da Zesco, a sua empresa nacional de electricidade seriamente endividada.
Por agora, os zambianos enfrentam mais preocupações urgentes. O incumprimento reduziu a classificação de títulos da Zâmbia para um estado degradante, destruindo a sua possibilidade de contrair empréstimos para apoiar o seu orçamento de 2021. A moeda nacional, o kwacha, perdeu um terço do seu valor em comparação com o dólar americano depois do incumprimento, aumentando os preços das importações e dificultando ainda mais o pagamento da dívida remanescente da Zâmbia.
“Isso irá reduzir a confiança da Zâmbia aos olhos dos credores; e desta forma, será difícil para o país contrair empréstimos no futuro ou atrair investimentos estrangeiros,” Emmanuel Mbambiko, vice-presidente da Câmara de Comércio, da comunidade do cinturão de cobre de Kitwe, disse aos Serviços de Notícias e de Informação da Zâmbia.
É provável que o incumprimento também reduza o fluxo de entrada de moeda estrangeira para a Zâmbia na forma de investimentos directos e pode induzir os actuais investidores a abandonarem em vez de arriscarem o seu dinheiro, disse Hambayi.
“Irá também causar um impacto na capacidade do sector privado do país poder realizar transacções internacionais,” acrescentou Hambayi. “Os instrumentos dos residentes locais podem não ser aceites no mercado internacional.”
Contudo, a situação económica da Zâmbia tem uma luz no fundo do túnel: a produção de cobre está em alta, e os preços, que fornecem 70% das receitas de exportação do país, estão a registar um aumento pela primeira vez em seis anos. As previsões são de uma grande demanda em 2021.