EQUIPA DA ADF
Dificilmente passa uma refeição sem que as pessoas não sintam os feitos da guerra da Rússia na Ucrânia.
Um ano depois da invasão da Rússia, os preços dos produtos alimentares continuam elevados e a inflação está a devorar os orçamentos dos consumidores, dos governos e das agências de ajuda humanitária.
No Quénia, o custo de óleo alimentar, combustíveis, gás de cozinha e outros produtos de primeira necessidade aumentaram, seguidos do aumento de preços de produtos alimentares comuns como milho, pão e chapati.
Para muitos, os preços vieram tirar a sua capacidade de adquirir produtos alimentares.
O Instituto de Pesquisa e Análise de Políticas Públicas do Quénia afirmou que 14,5% de todos os produtos alimentares consumidos no país, em 2022, foram importados, incluindo 67% do seu trigo proveniente da Rússia e 22% proveniente da Ucrânia.
“A importação de produtos alimentares coloca o Quénia numa posição de vulnerabilidade relativamente aos choques económicos no mercado global,” afirmou o instituto num relatório de Agosto de 2022.
“A guerra Rússia-Ucrânia levou a um aumento dos preços dos combustíveis no Quénia, levando a elevados custos de produção e de transporte e afectando, desta forma, a distribuição dos produtos alimentares de primeira necessidade.”
Os efeitos da guerra estão a reflectir-se no continente. Desde custos elevados de energia e bens a carências generalizadas de produtos alimentares, os países africanos estão a pagar uma factura pesada.
Para a matriarca de uma família da classe trabalhadora, no Cairo, as compras de produtos alimentares tornaram-se uma dor de cabeça constante, uma vez que os preços aumentaram em mais de 48% no ano passado.
Com apenas a pequena pensão mensal do seu marido, equivalente a 97 dólares, Magda enfrenta dificuldades para alimentar a sua família.
“É impossível sustentar oito pessoas com 3.000 libras egípcias,” disse ela à televisão France24. “Tudo está mais caro. Os preços explodiram. O frango agora custa 95 libras egípcias. Tudo aumentou. Eu deixei de comprar carne.”
A Rússia é o maior exportador de fertilizantes do mundo, uma quantidade significativa dos quais vai para a África. Os preços subiram significativamente durante o ataque da Rússia na Ucrânia.
Muitos agricultores senegaleses já não têm condições de adquirir fertilizantes, e uma série de culturas fracassou como resultado disso.
Na região de Nyai, daquele país, com mais de 80% da produção de hortaliças do Senegal, os agricultores estão preocupados, pois irão colher as suas primeiras culturas da época em Abril.
Os custos de fertilizantes duplicaram em Fevereiro de 2023, apesar dos subsídios do Estado.
“Precisávamos de 32 sacos de fertilizantes para este campo, mas apenas conseguimos oito,” o agricultor Dieumb Sall Mbengue, disse à televisão France24. “Veremos as consequências na altura da colheita.”
Uma fábrica meio cheia, num bairro de Dacar, é o exemplo da escassez de fertilizantes, uma vez que 50% dos principais ingredientes são adquiridos na Rússia e na Ucrânia.
“Temos dificuldades com o fornecimento de matérias-primas por causa da inflação, transporte e o acesso às zonas de fornecimento,” director da fábrica de fertilizantes Sedab, Modou Thiam, disse à televisão France24. “Isso veio dificultar ainda mais as coisas.”
Os resultados são trágicos.
No Níger, mais de um quarto das 23.000 crianças do distrito sanitário de Aguié estavam mal nutridas e um décimo precisou de internamento hospitalar no ano passado.
“A época chuvosa [de 2022] foi má e as pequenas colheitas que tivemos foram destruídas por vermes,” Director Clinico do Hospital de Aguié, Dr. Moussa Boubacar, disse à Al-Jazeera. “Este ano tivemos chuvas, mas não foi fácil obter fertilizantes. Os sacos de fertilizantes passaram de 12.000 CFA (19,41 dólares) para 30.000 CFA (48,53 dólares).”
Os casos de malnutrição em crianças aumentaram em 20% em 2022, e os médicos nigerinos alertaram que a tendência provavelmente venha a continuar.
Mvemba Phezo Dizolele, pesquisador sénior sobre África, no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, disse que tais consequências dolorosas da guerra da Rússia devem servir de “chamada de atenção” para os líderes, para traçarem um caminho em direcção à auto-suficiência.
“Como pode um continente com uma grande percentagem de terras aráveis — um continente que pode alimentar literalmente o mundo — ser dependente de dois países que estão tão distantes?” disse à rede de meios de comunicação social, theGrio.
“Os países procuram adoptar novas formas de fazer a agricultura ou de se alimentarem. Mas não tem sido tão revolucionário como devia, tendo em conta todos os ingredientes e todos os recursos que África tem para se alimentar.”